
sexta-feira, 12 de março de 2010
Nisargadatta Maharaj - O Maior Milagre de Todos

quarta-feira, 10 de março de 2010
P. D. Ouspensky - Trechos de reuniões do livro 'A Further Record'

P: Qual é a diferença entre a lembrança de si e a auto-observação?
O: Ela deve ser mental sim, mas, novamente, pode ser diferente.
P: É possível observar-se emocionalmente?
O: Não, você não pode de fato, mas isso pode vir. No momento você não tem controle do centro emocional, portanto, você não pode, mas isso pode vir, e um elemento emocional deve depois entrar na observação de certas coisas.
O: Tente entender o que não é a lembrança de si, porque isso é mais fácil. Estamos sempre neste estado e nunca percebemos isso. Então comece com a não-lembrança.
O: Não. Compreender a idéia de lembrança de si está conectado com a idéia de que a pessoa não pode lembrar-se, e em toda sua vida ela nunca notou isso.
P: Se pudéssemos nos lembrar de nós mesmos, estaríamos - como você mesmo chama - despertos, não estaríamos?
O: Sim.
P: Então, seríamos conscientes de nós?
O: Talvez em graus diferentes, durações diferentes de tempo. As coisas não vêm todas de uma vez. Mas começa com a percepção de que não lembramos.
O: Não, mas é a preparação do material para ele. Às vezes surgem perguntas que você deve ser capaz de responder você mesmo. Por exemplo, relacionado a ajudar as pessoas. Tente perguntar a si mesmo, como as pessoas podem ajudar as outras? Em que sentido? Suponha que você ache que a coisa mais importante é despertar. Como você pode tentar despertar pessoas que não querem acordar? Nada acontece se você tentar. Primeiro, elas devem querer despertar. As pessoas não podem ser despertadas à força, sem seu próprio desejo. Esta é uma das idéias mais importantes relacionadas ao esoterismo. É exatamente o ponto onde se tem livre escolha, caso contrário não haveria nenhum valor no despertar, se a pessoa pudesse ser despertada artificialmente. A natureza das coisas que podem se desenvolver é tal que elas não podem ser dadas, elas devem se desenvolver. Algumas coisas podem ser dadas, outras não podem. Podem ser desenvolvidas apenas através de esforços do próprio homem. Pela própria natureza dessas coisas, só pode haver vontade da própria pessoa, elas só podem crescer a partir dos próprios esforços dela. A natureza pode fazer um pintor, mas não os quadros. É a mesma coisa.
O: Existem diferentes graus. Você vê, nós falamos sobre a lembrança de si o tempo todo, nós sempre voltamos a ela, portanto, você não pode dizer que não sabe a respeito da lembrança de si. Mas se você pegar um homem que estudou psicologia comum ou filosofia, ele não sabe sobre ela.
O: Esse é o ponto. Você pode estudar isso para compreender este princípio - que se você fizer uma certa coisa sabendo o que ela é, dá um resultado e se você faz quase a mesma coisa sem saber o que é, isso dá um resultado diferente. Muitas pessoas chegaram muito perto da lembrança de si na prática, outros chegaram muito perto dela em teoria mas sem prática, ou teoria sem prática, ou prática sem teoria; e nem de um jeito nem do outro eles chegaram à verdade real. Por exemplo, na chamada literatura do Yoga existem muitas abordagens próximas à lembrança de si. Por exemplo, eles falam sobre a consciência "eu sou", mas elas são tão teóricas que não se pode conseguir nada com elas.
A lembrança de si nunca foi mencionada em nenhuma literatura de uma forma exata, concreta, ainda que de forma disfarçada, seja falada no Novo Testamento e em escritos budistas. Por exemplo, quando é dito: "Vigiai, não durmais", isso é a lembrança de si. Mas as pessoas interpretam de maneira diferente.
O: Você não pode controlar as emoções. Você simplesmente decide lembrar de si. Eu dei-lhe um método muito simples, prático. Tente parar seus pensamentos, mas, ao mesmo tempo, não se esqueça de seu objetivo: que você faz isso para lembrar de si mesmo. Isso pode ajudar. O que impede a lembrança de si? Esse constante fluxo de pensamentos. Pare esse fluxo e talvez você terá um gosto dela.
O: A idéia é lembrar de si mesmo, estar consciente de si mesmo. E o que vem com isso você apenas nota, você não deve colocar qualquer exigência concreta a esse respeito. Se você tornar uma prática regular tentar lembrar-se três ou quatro vezes por dia, a lembrança de si virá por si só nos intervalos, quando você precisar dela. Mas isso você vai notar mais tarde. Você deve tornar uma prática regular tentar e lembrar de si mesmo, se possível nos mesmos horários do dia. E, como eu disse, a prática de parar os pensamentos vai produzir o mesmo efeito. Assim, se você não consegue lembrar de si, tente parar os pensamentos. Você pode parar os pensamentos, mas você não deve ficar desapontado se no princípio você não puder. Parar os pensamentos é uma coisa muito difícil. Você não pode dizer para si mesmo "vou parar os pensamentos", e eles param. Você tem de usar esforço o tempo todo. Portanto, você não deve fazer isso por muito tempo. Se você fizer isso por alguns minutos, é bastante suficiente, senão você vai convencer-se de que você está fazendo isso quando em vez disso só vai estar sentado calmamente, pensando e ficando muito feliz com isso. Tanto quanto possível você deve manter apenas um pensamento: "Eu não quero pensar em nada", e jogar fora todos os outros pensamentos. É um exercício muito bom, mas apenas um exercício.
O: Não exatamente, são dois métodos diferentes. No primeiro você traz um determinado pensamento definido - a percepção de que você não lembra de si mesmo. Você deve sempre começar com isso. E parar os pensamentos é simplesmente criar uma atmosfera correta, um ambiente correto para a lembrança de si. Dessa forma, não são a mesma coisa, mas trazem os mesmos resultados.
P: Nosso trabalho fica mais preciso se estamos lembrando de nós mesmos e do trabalho que estamos fazendo?
O: Sim, quando está desperto você pode fazer tudo melhor, mas um longo tempo é necessário para isso. Quando você se acostumar com a lembrança de si, você não será capaz de entender como você pôde alguma vez ter trabalhado sem ela. Mas no começo é difícil trabalhar e lembrar de si ao mesmo tempo. Ainda assim, os esforços nessa direção dão resultados muito interessantes, a esse respeito não há dúvida. Toda a experiência de todos os tempos revela que estes esforços são sempre recompensados. Além disso, se fizer esses esforços, você vai entender que certas coisas só se pode fazer no sono e não podem ser feitas quando se está acordado, pois algumas coisas só podem ser mecânicas. Por exemplo, suponha que você esquece ou perde as coisas: você não pode perder as coisas de propósito, você pode perdê-las apenas mecanicamente.
P: Enquanto tocava piano, pensei: 'eu estou aqui'; eu não sabia o que estava fazendo.
O: É porque isso não é estar consciente, é pensar sobre a lembrança de si. Dessa maneira, isso interfere com o que você está fazendo, assim como quando você está escrevendo e, de repente pensa: "Como se soletra essa palavra?", você não consegue se lembrar. Isso é uma função interferindo na outra. Mas a verdadeira lembrança de si não é nos centros, é acima dos centros. Ela não pode interferir com o trabalho dos centros, a pessoa apenas verá mais, verá seus próprios erros.
Devemos perceber que a capacidade de lembrar de nós mesmos é um direito nosso. Nós não a temos, mas podemos tê-la, temos todos os órgãos necessários para isso, por assim dizer, mas não somos treinados, não estamos acostumados a usá-los. É necessário criar uma certa energia particular ou um ponto (usando esta palavra em um sentido comum), e isso só pode ser criado em um momento de sério estresse emocional. Tudo antes disso é apenas a preparação do método. Mas se você se encontrar num momento de estresse emocional muito forte e então tentar lembrar de si, ela permanecerá após o estresse ter terminado, e então você será capaz de lembrar de si mesmo. Portanto, apenas com uma emoção muito intensa é possível criar essa base da lembrança de si. Mas não pode ser feito se você não se preparar com antecedência. Momentos podem vir, mas você não vai conseguir nada com eles. Esses momentos emocionais vêm de vez em quando, mas não os usamos, porque não sabemos como usá-los. Se você tentar lembrar-se suficientemente durante um momento de emoção intensa, e se o estresse emocional for forte o suficiente, isso vai deixar um certo traço e vai ajudar você a lembrar de si no futuro.
O: Não, segundos não são suficientes. O que você pode fazer agora é lembrar que você não consegue lembrar de si. Ao mesmo tempo, faça outras coisas que são ditas, como tentar não expressar emoções negativas. Desse modo você pode encontrar-se capaz de lembrar de si algumas vezes. Mas só quando ela acontece por um determinado período é que conta. Se torna-se conectada com certas emoções, então funciona mais rápido.
P: O que significa esse 'quando se conecta com as emoções fortes'?
P: É uma emoção que segue juntamente com a lembrança de si?
P: A lembrança de si é muito mais difícil em algumas circunstâncias da vida. Deveríamos evitá-las?
O: É um erro pensar que as circunstâncias da vida, ou seja, as circunstâncias externas, podem mudar algo ou afetá-lo. Isso é uma ilusão. Quanto à possibilidade de evitá-las ou não, tente evitá-las, ou tente considerá-las como uma parte. Mas se você conseguir evitá-las, você vai ver que é exatamente o mesmo, podem haver exceções, mas o equilíbrio geral permanece o mesmo.
O: Sim, mas você diz que vêm acidentalmente. Se é o que entendo, eles vêm como um resultado de seus esforços, os esforços anteriores, só que não vieram naquele momento. Mas se você não tivesse feito esforços eles não viriam acidentalmente. Quanto mais esforços você faz, mais você tem esses momentos 'acidentais' de lembrança de si, de compreensão, de ficar emocional e coisas desse tipo. É tudo resultado de esforço. Só não podemos conectar causa e efeito neste caso; mas a causa permanece e irá produzir os seus efeitos. Provavelmente, não conseguimos conectar por causa de muitas coisas pequenas - identificação, imaginação ou coisas desse tipo. Mas a causa está lá e ela vai encontrar um momento e trará resultados. Nunca devemos esperar resultados imediatos. É necessário trabalhar por um longo tempo e criar algum tipo de padrão permanente, a fim de ter estes resultados imediatos. E mesmo que venham somente em estados muito emocionais. Se pudéssemos, por vontade, desejo ou intenção nos tornarmos mais emocionais, então poderíamos ver muitas coisas de forma diferente. Mas não podemos. Estamos emocionalmente muito fracos e é por isso que a maior parte do trabalho que fazemos agora, mesmo que realmente o façamos, não pode ter resultados imediatos. Mas alguma coisa sempre fica e não é perdida, nenhum esforço é perdido, só que deve ser seguido por outras iniciativas e esforços maiores. Assim, uma das primeiras perguntas é como nos tornarmos mais emocionais, mas não podemos fazer isso. A segunda questão é como usar os estados emocionais quando eles vêm; e isso é possível, é para isso que temos de nos preparar. Estados emocionais, tensão emocional vêm, mas os perdemos na identificação e coisas assim. Mas poderíamos usá-los.
P: Lembrar-se continuamente do gosto desses estados é a maneira de usá-los?
O: Não. Quero dizer usar. Se você tentar lembrar de si num estado emocional, você vai ver por si mesmo, é uma questão de observação, isso lhe dará um poder de pensar diferente, um poder diferente de compreensão. Você pode entender as coisas de forma bastante diferente. Se a emoção for muito forte, e se você lembrar de si ao mesmo tempo, você verá as coisas de maneira diferente, verá muitas coisas que você não pode ver agora. Mas isso não pode ser descrito porque deve ser uma experiência pessoal.
O: Apenas a memória. O corpo nasce de novo, a essência nasce de novo, a personalidade é criada novamente. Portanto, não é uma questão de imortalidade, mas de memória. Podemos viver dez mil vezes, sem qualquer vantagem, se não nos lembrarmos.
P: Vocês quer dizer lembrar dos eventos ou lembrar de nós mesmos?
O: Ambos. Quanto mais, melhor. O fato da imortalidade mecânica, se tal coisa for possível, não é vantagem.
P: Se nos lembrarmos dos motivos de nossas ações, então vamos lembrar de nossas ações. Isso é lembrança de si?
O: Não, é apenas memória comum. Volto a lembrar-lhes que o que é útil e necessário para se lembrar é que não nos lembramos, nunca lembrávamos e não sabíamos disso.
O: Já falei tantas vezes sobre isso que esqueci de falar agora. É sobre meu amigo que foi ao meu encontro na Gare du Nord, em Paris, pedi a ele para lembrar-se de si lá. Mas ele veio com uma cara muita preocupada, dizendo: 'eu esqueci alguma coisa que você me pediu para fazer. Foi algo que eu tinha que comprar?'
P: Temos que lembrar de nós mesmos para sair da prisão?
O: Eu esqueci de mencionar prisão. Sim, eu penso assim. Acho que esta é a parte principal da prisão – o fato de que não lembramos de nós mesmos. Mas você vai assustar as pessoas. Uma senhora em Londres, disse: 'Por que você fala sobre o despertar, se Cristo não falou sobre isso? Eu disse: "Mas Cristo falou o tempo todo sobre o despertar." E ela era bastante sincera.
segunda-feira, 8 de março de 2010
Hazrat Inayat Khan - A Visão Interior

O coração é o telescópio da alma e os olhos são o telescópio do coração. A mesma coisa acontece quando vemos através dos óculos: são os olhos que vêem e não os óculos. Assim, quando vemos através do coração e dos olhos, o que vemos é a alma. Os olhos não possuem o poder de ver, o poder dos olhos é apenas ajudar a alma a ver. Do momento em que a alma se afasta, os olhos não vêem. Assim, até o coração é um telescópio que nos auxilia a perceber e conceber tudo que procuramos mas, ao mesmo tempo o coração não vê, é a alma que vê.
Assim como existem pessoas de pouca visão e outras que possuem visão muito ampla, também existem algumas que enxergam coisas a uma longa distância com os olhos da mente, mas que não podem ver o que lhes está perto. Pessoas que possuem visão longa, enquanto há outras cuja visão é curta, que enxergam tudo que está perto mas não podem ver a longa distância.
É dito que existe um terceiro olho que enxerga, às vezes esse terceiro olho vê através dos dois olhos e aí os olhos enxergam de outra maneira. Com o auxílio do terceiro olho, os nossos dois olhos podem atravessar o muro da existência no plano físico e ver o interior da mente humana, ver o que está dentro das palavras, e muito mais além. Quando começamos a ver desse modo, o que primeiramente acontece é que tudo que nossos olhos vêem tem um significado mais profundo, uma significação maior que não conseguíamos ver anteriormente. Cada movimento do homem, cada gesto, sua forma, feições, voz, palavras, expressão, sua atmosfera, tudo isso revela sua natureza e caráter. Como não conhecem esse segredo, certas pessoas querem estudar fisiognomia, frenologia, grafologia ou quiromancia, mas todas essas ciências são limitadas quando comparadas com a visão clara. Essas diferentes ciências tem seu valor, mas se comparadas com a introspecção do homem, notamos que sua importância é bem menor.
A faculdade de enxergar precisa ser dirigida. Por exemplo, para olhar para a direita ou para a esquerda, para frente ou para trás, temos de dar uma direção aos olhos e essa direção é o trabalho da vontade. Nas vinte e quatro horas vemos talvez cinco minutos, quando muito, sob a direção da vontade; o resto do tempo vemos as coisas automaticamente. Em outras palavras, nossos olhos estão abertos, nosso coração vê tudo que pode ser visto e, sem percebermos, captamos diversas coisas que atraem nossos olhos e nossa mente. Tudo o que vemos durante o dia e durante a noite, não é o que tínhamos a intensão de ver e sim o que somos obrigados a ver de acordo com a vida à nossa volta. Por essa razão é que os antigos pensadores e sábios do oriente usavam um manto cobrindo a cabeça para não ver as coisas e nem as pessoas que os rodeavam, podendo, assim, controlar a visão. Os antigos Sufis também costumavam cobrir a cabeça da mesma forma por muitos anos e assim desenvolviam tantos poderes que um simples olhar deles podia penetrar nas rochas e nas montanhas. Isso nada mais é do que o controle da visão. Em todas as épocas os Yogis trabalharam não só com a mente mas também com os olhos, conseguindo tal estabilidade no olhar que podiam dirigir a visão para tudo que quisessem examinar ou penetrar. Os olhos, portanto, representam a alma na superfície e falam com as pessoas com muito mais clareza do que as palavras. Para aquele que pode ler, os olhos mostram o grau de evolução de uma pessoa. Não é preciso uma pessoa falar com a outra, os olhos dizem à outra pessoa se está contente ou triste, se tem boa vontade ou má vontade, se sua predisposição é favorável ou desfavorável. Tudo pode ser visto no olhos: o amor, o ódio, o orgulho ou a modéstia; até a sabedoria e a ignorância e tudo mais pode ser visto manifestando-se nos olhos. O homem que pode perceber, através dos olhos, as condições e o caráter de um outro homem, sem dúvida alguma, entra em comunicação com a alma desse homem.
Pouco tempo atrás, havia um discípulo em Hyderabad, um intelectual, que gostava de falar. Seu mestre estava interessado nas perguntas inteligentes que ele fazia e o encorajava a falar, embora no Oriente seja hábito o discípulo ficar em silêncio diante do mestre. Um dia, o mestre estava num dos seus momentos de exaltação espiritual e o discípulo, como acontecia sempre, queria discutir e argumentar e isso não agradou o mestre na ocasião. O mestre pronunciou a palavra “Khamush”, que em persa significa silêncio, e o discípulo emudeceu. Foi para casa, permaneceu mudo e ninguém mais ouvi-o falar, nem os de casa nem os estranhos. Nunca falava, em lugar algum. Passaram-se os anos e o homem se conservava mudo; mas chegou um ponto em que o silêncio dele começou a falar alto. Seu pensamento silencioso passou a manifestar-se e tudo que ele desejava lhe era concedido. Seu olhar silencioso curava, seu olhar silencioso inspirava. Seu silêncio tornou-se vivificante. O que o mantivera morto durante todo esse tempo eram as palavras que proferia. Do momento em que seus lábios emudeceram, o silêncio começou a viver. Sua presença era vivificante. O povo de Hyderabad chamava-o de Shaikh Khamish, o rei do silencio, ou o rei silencioso.
Com esse episódio desejo mostrar que todos nós temos olhos, mas fazer os olhos viverem leva algum tempo, pois os olhos enxergam até um certo limite e não vão mais além. O coração, juntamente com os olhos, é que enxerga mais longe e se a alma puder ver através de ambos enxergará mais longe ainda.
Um assunto completamente diferente é a maneira de focalizar os olhos. Se quisermos ver a lua, devemos olhar para o céu ao invés de olhar para a terra. Portanto, se quisermos procurar o céu, devemos mudar a direção dos olhos e aí é que muitos cometem um erro. Atualmente no Ocidente, onde existe um grande número de estudantes ávidos à procura da Verdade, muitos estão enganados a esse respeito. Para ver o que pode ser visto interiormente, eles procuram olhar no exterior, o que não deixa de ser uma tendência natural. Do mesmo modo que um homem procura exteriormente aquilo que deseja, é natural que queira procurar também exteriormente o conhecimento interior.
Como é possível olhar para o interior, e o quê é visto? Em primeiro lugar, para um materialista, o “interior”, o que chamamos de “dentro”, é uma coisa que está dentro do corpo. Na realidade “dentro” significa não só dentro mas também fora do corpo. Isso pode se compreendido ao observarmos a luz dentro de uma lâmpada: a luz está dentro do globo e também está fora dele. Assim acontece com a alma: ela está dentro e também está fora. O mesmo ocorre com a mente: está dentro e fora, ela não está confinada dentro do corpo. Em outras palavras, o coração é maior do que o corpo e a alma é ainda maior e, ao mesmo tempo, a alma está acomodada dentro do coração e o coração acomodado dentro do corpo. Esse é um dos maiores fenômenos que existe e é difícil de ser explicado com palavras. Existem centros intuitivos e, para enxergar dentro deles, precisamos voltar os olhos para trás, voltar os olhos para dentro. Assim, os olhos que podem ver externamente são capazes de ver interiormente, mas é apenas uma fase da faculdade da visão. A outra fase dessa faculdade de ver internamente, não é a função dos olhos: é o coração que vê. Quando tivermos a capacidade de ver dessa maneira, a dor e o prazer, a alegria e a tristeza de todos os homens com quem nos encontramos manifestar-se-ão ao nosso coração. Podemos na verdade ver isso e com muito mais clareza do que se víssemos com os nossos olhos. Essa é a linguagem do coração que os olhos não conhecem.
Os sábios do Oriente eram chamados de "Balakush", que significa "aquele que bebe um gole de todas as dificuldades". Esses sábios acreditavam que as dificuldades da vida eram um vinho para ser bebido e logo que o bebêssemos, as dificuldades desapareceriam. Não tinham medo das dificuldades, não se mantinham afastados delas e diziam: “Se conseguirmos nos afastar das dificuldades agora, na próxima vez elas nos acharão; na certa vamos encontrá-las um dia. Se escaparmos uma vez, em outra ocasião não escaparemos. Assim, deixemos que venham as dificuldades tal como são e vamos bebê-las como um vinho”. Os princípios do Mahadeva, dos Dervixes, dos grandes faquires de todas as eras são o mesmo: beber as dificuldades como um vinho. Aí então não haveria mais dificuldades. Quando estamos sintonizados com a vida, ela se revela a nós, pois aí somos amigos da vida. Antes éramos estranhos à vida. A atitude faz uma grande diferença. A diferença de atitude é que faz de um homem um espiritualista ou um materialista. Não é preciso modificar mais nada, apenas a atitude.
A lição que aprendemos quando desenvolvemos percepção, é que não devemos ficar excitados com qualquer influência que nos coloque fora de nosso ritmo, ao contrário, devemos manter nosso ritmo em todas as circunstâncias da vida, manter nosso equilíbrio, nossa tranquilidade, em todas as ocasiões. Às vezes é difícil conservar o equilíbrio quando as influências da vida nos sacodem, mas é preciso nos mantermos equilibrados apesar de tudo o que acontece. Diante de influências antagônicas é difícil mantermos uma atitude amigável. Entretanto, por ser difícil, é uma grande aquisição se conseguirmos fazer isso. Para obtermos algo valioso e que valha a pena ser obtido, temos de passar por certas dificuldades.
Existem muitas oportunidades de praticarmos a lição de manter uma atitude amigável em relação aos nossos semelhantes, de enfrentar as situações corajosamente e de contrabalancear as influências que surgem diante de nós. Dessa maneira adquirimos uma percepção maior da vida.
Se existe algo que possa esclarecer nossa compreensão, é a razão de um lado e o sentimento do outro. Um homem cujo sentimento ainda não despertou, está acordado e ao mesmo tempo adormecido. Quando o coração começa a viver, um outro mundo abre-se para suas experiências, pois geralmente o que experimentamos na nossa vida cotidiana é somente aquilo que os sentidos podem perceber e nada mais do que isso. Quando, entretanto, o homem começa a sentir e a experimentar os sentimentos sutis do coração, ele passa a viver num outro mundo, embora caminhando na mesma terra e vivendo sob o mesmo sol. Portanto, não se surpreendam se encontrarem seres que vivem em outro mundo, embora caminhem nesta terra. É algo natural, é possível ao homem viver no seu coração ao invés de viver somente na terra. O povo do Oriente chama esse estado de “Saheb-e-dil”, isto é, a mente-mestra.
Se o homem mergulhar ainda mais fundo no seu íntimo, ele passa a viver na alma. A inspiração, a intuição, a visão e a revelação passarão então a serem coisas naturais para ele. A alma começa a ter consciência de seus domínios, que é o reino do qual a Bíblia fala: “Procure primeiro o Reino de Deus...” É a alma que começa a ver. Pode-se enxergar ainda mais longe. O que permite atingir esse estágio mais elevado é o caminho da meditação sob a orientação de um Mestre competente.
A primeira coisa a fazer é controla o olhar. A segunda, controlar os sentimentos e a terceira é o controle da consciência. Se essas três coisas forem alcançadas, o homem começará a olhar para o interior. E olhar para o interior ajuda extraordinariamente a olhar externamente. O mesmo poder com que o coração e os olhos estão carregados começa a se manifestar externamente. Aquele que olhar para o interior descobrirá, ao olhar para o exterior, que tudo o que existe no interior se manifestará no exterior. Sua influência será curativa e consoladora, elevará e acalmará os homens. Sua visão tornar-se-á penetrante, e tanto os seres humanos como os objetos, começarão a lhe revelar sua natureza, caráter e segredo.
sábado, 27 de fevereiro de 2010
Jalaluddin Rumi - Desmame-se / Tatuagem em Qazwin / O grão de bico

Pouco a pouco, desmame-se.
Isso é a essência do que tenho a dizer.
De um embrião cujo alimento vem pelo sangue,
mude para um nenê bebendo leite,
para uma criança comendo comida sólida,
para um buscador de sabedoria,
para um caçador de um jogo mais invisível.
Pense como é ter uma conversa com um embrião.
Você poderia dizer: “O mundo lá fora é vasto e complexo.
Existem campos de trigo, cadeias de montanhas
e pomares floridos.
À noite há milhões de galáxias e na luz do dia
a beleza de amigos dançando num casamento.”
Você pergunta ao embrião por que ele continua confinado
no escuro com os olhos fechados.
Escute a resposta:
“Não existe nenhum 'outro mundo'.
Sei apenas do que eu experimentei.
Você deve estar alucinando."
____________________________________
com tinta azul para ter boa sorte, nas costas
das mãos, nos ombros ou em qualquer parte.
Um certo homem vai ao seu barbeiro
e pede que lhe seja feito um poderoso e heróico leão azul
em sua escápula. “E faça-o com gosto!
Eu tenho ascendente em leão. Quero muito azul!”
Mas assim que a agulha começa a perfurar,
ele grita:
“O que você está fazendo?”
“O leão.”
“Com que membro você começou?”
“Comecei com a cauda.”
“Bem, deixe a cauda de fora. O rabo desse leão
está num lugar ruim para mim. Ele me dá gases.”
O barbeiro continua, e imediatamente
o homem berra.
“Ooooooooooo! Que parte agora?”
“A orelha.”
“Doutor, vamos fazer um leão sem orelhas desta vez.”
O barbeiro balança sua cabeça e mais uma vez a agulha,
e mais uma vez uma queixa:
“Que parte você está agora?”
“A barriga.”
“Prefiro um leão sem barriga.”
O mestre que está fazendo o leão
fica um longo tempo com os dedos nos dentes .
Finalmente, ele joga fora a agulha.
“Ninguém jamais foi solicitado a fazer uma coisa dessas! Criar um leão
sem um rabo, uma cabeça ou um estomago.
Nem mesmo Deus poderia fazer isso!”
Irmão, aguente a dor.
Fuja do veneno dos seus impulsos.
Os céus se curvarão ante sua beleza, se você fizer isso.
Aprenda a acender a vela. Nasça com o sol.
Afaste-se da caverna do seu sono.
Dessa forma um espinho expande-se numa rosa.
Uma partícula resplandece no universal.
O que é para ser glorificado?
Tornem-se partículas.
O que é saber algo sobre Deus?
Queime dentro daquela presença. Queime.
O cobre se derrete no elixir curativo.
Assim, derreta o seu ser na mistura
que sustenta a existência.
Você aperta suas duas mãos juntas,
Determinado a não desistir de dizer “eu” e “nós”.
Esse aperto o bloqueia.
O grão de bico pula quase para fora da panela
na qual ele está sendo fervido.
'Por que você está fazendo isso comigo?'
O cozinheiro o derruba com a concha.
'Não tente pular para fora.
Você pensa que eu estou lhe torturando.
Estou lhe dando sabor,
de modo que você possa misturar-se com os temperos e com o arroz
e ser a graciosa vitalidade de um ser humano.
Lembre-se de quando você bebeu chuva no jardim.
Era para isso.'
Primeiro a graça. Prazer sexual,
então uma nova vida fervendo se inicia,
e o Amigo tem algo bom para comer.
Eventualmente o grão de bico
dirá para o cozinheiro:
'Ferva-me um pouco mais.
Bata-me com a colher.
Não posso fazer isso sozinho.
Sou como um elefante que sonha com os jardins
no Hindustão e não presta atenção
ao seu cocheiro. Você é meu cozinheiro, meu cocheiro;
você é minha passagem para a existência. Eu amo o seu cozimento.'
O cozinheiro diz:
'Eu já fui como você,
fresco da terra. Então eu fervi no tempo,
e fervi no corpo, duas fervidas ardentes.
Minha alma animal cresceu poderosa.
Eu controlei-a com práticas,
e fervi um pouco mais, e fervi
ainda mais uma vez,
e me tornei seu professor.'
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
Rodney Collin - Teoria da Harmonia Consciente

Considerando a circulação livre como uma condição de saúde, é muito claro que uma circulação forte traga saúde e novas possibilidades para todas as partes de um organismo. Onde há constrição, a doença ataca. Penso que isso seja verdade em todas as escalas. Obviamente, é assim no corpo. Mas também é assim na nossa vida, onde o que circula é a memória. Aquelas partes ou incidentes em nossas vidas que não queremos lembrar, começam a apodrecer, e seu veneno pode se espalhar até mesmo para o presente em todos os tipos de medos e prejuízos. Por outro lado, através de plena memória do passado, o que agora entendemos e almejamos pode fluir de volta para essas partes, curar, mudar sua natureza.
Vemos a mesma coisa num grupo. Quando as idéias e os sentimentos fluem com liberdade e confiança entre todas as pessoas nele, há saúde e vida. Quando um obstáculo surge e uma pessoa se desentende com a outra e não a escuta, novamente venenos se desenvolvem, e portano, os preconceitos tem de ser derretidos ou as discussões resolvidas, antes que a circulação e o grupo possam ficar bem novamente.
Quando nos lembramos de coisas erradas que fizemos, uma espécie de inflamação desenvolve-se. Há um choque entre o que realmente fizemos e aquilo que passamos a sentir, desde então, como o correto. Nossas idéias presentes, carregadas pela corrente da memória, assim como os glóbulos brancos no sangue, encontram um lugar envenenado e tentam curá-lo. Até que façam isso, o local pode ficar muito dolorido e inflamado. Esse é um sinal de que algo está acontecendo.
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O remorso é uma coisa muito estranha. Se pudéssemos imaginar o remorso sem qualquer emoção negativa ligada a ele, poderíamos aprender muito sobre isso.
Mas esses momentos que chamamos por esse nome geralmente acontecem quando vemos a nós mesmos e os resultados de nossas ações passadas sem querer. Penso que devemos fazer isso intencionalmente, pretendendo isso. Temos de tentar lembrar de nós mesmos ao mesmo tempo, lembrar as nossas vidas em detalhe. Através de uma lembrança real e intencional veremos os resultados de nossas ações e atitudes passadas, veremos com quem estamos endividados. Eventualmente, ninguém pode mover-se a menos que suas dívidas sejam pagas. Mas antes de serem pagas, elas devem ser vistas e reconhecidas. E isso só é possível através da lembrança de si*.
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Tudo pode mudar com o tempo, sem limite, mas, provavelmente, numa determinada ordem relacionada exatamente ao pagamento do Karma.
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Eu tenho um entendimento muito forte de que só é possível sair de nossa posição pagando primeiramente todas os nossos débitos. E uma vez que, de fato, estamos em débito com todas as pessoas que já conhecemos, isso significa que temos de corrigir todas as relações na vida corrente, se isso ainda for possível, ou interiormente na nossa mente, se não for possível. Evidentemente a oração correta pode ser uma maneira de fazer isso.
Marcou muito para mim como Ouspensky, ao falar sobre seus pais, parentes ou velhos amigos, sempre recordava as suas possibilidades, seus melhores lados, o que poderiam tornar-se, e nunca lembrava algo negativo ou desagradável sobre eles. Isso também parece ligado com a mesma idéia - de tornar as pessoas melhores do que são.
Para qualquer pessoa que falasse sobre os estados superiores de consciência, ou emoções positivas, ou experiências do homem superior, Ouspensky costumava responder: "Mais tarde você vai ver...' Ou 'Ainda não. . '. ou "Nós vamos chegar a esse ponto mais tarde. . '. ou "Quando chegar a tal ponto, você. . '. sempre com o entendimento de que a pessoa poderia e acabaria por chegar às mais altas possibilidades. Dessa forma, ele tornou possível para eles fazerem isso. E desse mesmo modo, sem que se soubesse como isso acontecia, ele tirava o medo, o medo do fracasso.
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Quando as pessoas estão no caminho certo, provavelmente deveríamos perpetuar apenas aquilo que pertence à sua compreensão mais elevada. Algo relacionado com tornar as pessoas melhores do que elas são, anulando os seus lados fracos. De alguma forma, dessa maneira elas são ajudadas e a pessoa ajuda a si mesma. É bem misterioso.
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Existe alguma matemática interior de causa e efeito que invisivelmente regula a vida dos homens e nenhum sofrimento real é desperdiçado. Apenas o sofrimento imaginário é puro desperdício, levando a lugar nenhum. Sofrimento real é pagamento – pelo que, só Deus sabe, pois não conseguimos lembrar o que estamos devendo – mas é o pagamento de algo que, mais cedo ou mais tarde, deverá ser pago. Apenas não sofra mais do que é necessário, esse é o ponto. Pois sofrer mecanicamente, começar a sofrer por hábito, é começar toda a cadeia novamente. Se podemos evitar isso, mais cedo ou mais tarde o tempo difícil deve passar, e todos os tipos de novas possibilidades aparecem, as quais finalmente, então, através da provação- seremos capaz de usar.
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Alguém passa por sua vida e deixa uma imagem que você não consegue esquecer, nem encontrar conforto. Mas você não deixou tais traços na vida de alguma outra pessoa, sem se importar ou mesmo sem saber? Todo nós já não fizemos isso? Tudo deve se esgotar. Todas as dívidas devem ser pagas. Tudo o que causamos temos de sofrer, antes de podermos nos tornar livres. Portanto, aqueles que desejam a liberdade só podem dizer: 'Venha o que vier, eu vou aceitar'.
Não é porque eu tenha o direito dizer o que digo, mas sim porque foi mostrado que é assim. Nos últimos meses de Ouspensky vimos como ele aceitava estar velho, doente, feio, desamparado, com dor, mal compreendido; e realmente ele fez de tudo para impedir que os outros o confortassem, para sofrer conscientemente, para tornar mais difícil que as pessoas o compreendessem. Pois ser compreendido é o que todos os homens mais desejam, mais do que comida, conforto, até mesmo mais que a vida. E sacrificar ser compreendido pelas pessoas comuns de maneira ordinária é ao mesmo tempo tornar-se livre, e tornar possível um entendimento completamente diferente para aqueles que desejem isso. A partir dessa aceitação absoluta do que tinha de acontecer, do esforço para pagar mais, de sofrer de bom grado e pagar antecipadamente a conta apresentada pelo destino, Ouspensky tornou-se um outro homem e, em parte, vimos como isso foi feito.
Assim, enquanto que para as pessoas comuns só se pode desejar aliviar o sofrimento tanto quanto possível, para aqueles que se conectaram com este caminho de escape, só podemos dizer: "Se você puder sofrer da maneira correta, é bom. Se não puder, não importa.”
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Estou muito interessado na idéia do sofrimento voluntário e involuntário. Primeiro “sacrifique o seu sofrimento”; apenas se a vida toda é vivida de acordo com esse princípio, a idéia do sofrimento intencional parece se tornar prática. Eu acho que é quase impossível para aqueles cujas vidas estão cheias de sofrimento involuntário serem capazes de conceber o sofrimento como uma coisa positiva. Seu objetivo será sempre, e deve ser, fugir do sofrimento. Ao mesmo tempo, isso me parece um objetivo muito limitado. Eu me lembro como me chocou a primeira vez que ouvi uma certa pessoa dizer que o seu objetivo era "não sofrer". Depois eu vi que não poderia ser diferente, porque com toda a força dela, ela estava muito à mercê do sofrimento involuntário.
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O sofrimento é um fixador, como o moderante utilizado para fixar um corante. Ele tende a fixar qualquer parte da natureza do homem que esteja mais sobressalente enquanto o sofrimento está sendo suportado. Naturalmente, se for involuntário, tende a trazer com ele ressentimento, auto-piedade e assim por diante, e fixa-os. Por outro lado, se o homem se recusa a sofrer, exceto quando ele esteja fazendo esforços para um objetivo definido e sabendo o que quer, então ali ele tende a fixar o objetivo e a determinação. Isso é muito útil.
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Precisamos de sofrimento. Nós todos temos de ser purificados. E o sofrimento é o grande purificador. Podíamos desejar que ele não viesse, fosse para nós ou para aqueles a quem desejávamos crescimento e purificação mais do que qualquer outra coisa?
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Se somos pressionados duramente, é para que possamos encontrar fé e nos tornarmos livres. Nosso passado está cheio de lugares fracos, de evasões, desonestidades que pensamos que foram enterrados e esquecidos. Mas eles têm de eclodir. Às vezes é muito amargo. Agora, com essa influência forte que está brilhando sobre nós, todas as falhas estão aparecendo. Nada mais pode ser escondido. Pois tudo tem de ser firme e sólido sob o nosso trabalho. Portanto, quando somos pressionados, lutando com as consequências do passado, é realmente uma prova de que nosso trabalho está forte e correto. Significa que nos está sendo dada a oportunidade de ir mais rápido. Se todas as consequências do passado vêm à superfície é assim que podemos enfrentá-las e nos livrarmos delas de uma vez por todas. E sob uma grande pressão podemos encontrar uma fé que, no conforto, jamais precisaríamos.
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Estou certo que, de certa forma é um princípio esotérico que as gravações** têm de ser 'tornadas corretas'. Não é uma questão de esconder os erros, os dissabores ou qualquer coisa desse tipo. Mas se alguém na peça age fora do personagem, por assim dizer, a gravação tem de corrigir isso. O texto da peça tem que ser mais perfeito do que a peça em si. Como isso pode ser é praticamente impossível dizer. O Novo Testamento deve ser o exemplo perfeito: está tudo certo.
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Tive a sensação de que é preciso repassar com cuidado a nossa vida e pagar nossos débitos. E isso pareceu de alguma forma envolver pedir perdão a todos que conhecemos; pois afinal de contas, estamos em débito, de uma forma ou de outra, com todas as pessoas que já conhecemos, prejudicamos de alguma forma, seja grande ou pequena, e somos nós que devemos procurar ser perdoados de nossos débitos, se quisermos nos tornar livres para nos movermos.
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A vida é muito difícil para quem vê contradições nos outros, mas não em si mesmo.
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Enquanto algumas pessoas estão escravizadas ao ficarem culpando os outros, outras ficam igualmente escravizadas culpando a si mesmas. É a mesma coisa. A Liberdade é quando vemos a nós mesmos de forma imparcial da mesma forma que vemos um desconhecido interessante, sem elogios ou censura.
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Temos de admitir que infelicidade, experiências dolorosas e até mesmo erros óbvios, podem nos ensinar muito, e tomadas da maneira correta essas mesmas falhas e desconfortos podem ser a matéria-prima da qual a compreensão e a vontade são feitas. A reconstrução da vida de alguém não necessariamente significa que essas dificuldades devam ser evitadas. Pelo contrário, pode implicar que nós tenhamos de enfrentar as dificuldades que nesta vida temos evitado.
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É muito doloroso ver inevitavelmente que falhamos, quando sabemos que os incidentes do sono que normalmente parecem tão pequenos, não são pequenos de maneira alguma, e sim determinam toda a nossa vida. Às vezes é preciso deixar a amargura do fracasso ir fundo ao máximo e não tentar nos salvarmos dela. Ao mesmo tempo, penso que é muito importante compreender que essa é a nossa natureza, temos todos falhado neste caminho, e iremos falhar, sendo o que somos. É como se tivéssemos de engolir tudo isso, aceitar os outros por aquilo que são e a nós mesmos pelo que somos e irmos para um lugar novo além de ambos, onde possamos olhar para o mundo e para nós mesmos com uma espécie de tolerância objetiva e com carinho. Não é nesse nível, numa luta entre uma parte de nós mesmos e outra parte que a solução reside, mas em chegar além, num lugar calmo onde os dois lados pareçam igualmente pequenos e insignificantes.
Estivemos na Catedral em Florença. Você entra na porta principal e encontra todas as pessoas, os sacerdotes, os meninos do coro, turistas, agitando-se no nível do solo. Ali, cada um parece importante para si mesmo, e de fato é. Mas então, penosamente você sobe uma escada espiral escura em direção à cúpula e, finalmente, sai numa galeria que corre em volta do interior dela. De repente, toda a Igreja estende-se abaixo de você com todas aquelas pessoas pequeninas indistinguíveis umas das outras, e tanto você quanto elas estão igualmente perdidos no grande vazio que parece fazer todos os nossos pensamentos anteriores desaparecerem como inúteis. De alguma forma, essa galeria parecia significar o conhecimento de si mesmo como se é realmente, a plena consciência de si.
Mas quando tínhamos visto o máximo que podíamos suportar, emergimos numa escada oculta que subia para o topo da cúpula e finalmente saía para fora. Então, havia toda Florença, e as colinas, bosques, aldeias e paisagens distantes espalhavam-se abaixo de você debaixo do sol e do céu. Tudo o que tínhamos visto e sentido no interior da catedral, dentro de nós mesmos, mais uma vez desapareceu em relação ao grande universo. Pois essa era a realidade, e os outros apenas uma imagem dela em pedra. De modo que essa vista, bem ali debaixo da cruz, de repente parecia uma imagem da verdadeira consciência, a consciência objetiva do mundo como ele é, a liberdade.
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Quando novas tensões e forças começam a trabalhar em nós, elas causam uma revolução muito dolorosa nas profundezas de nosso ser. Para alguns, a maior dificuldade é suportar a si mesmo, e não ficar perdido em remorso. Mas aquele que aprendeu a não se levar tão a sério, não se deixa tornar fascinado por sua cólica espiritual.
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Parece uma das condições de passar para outro nível, que devêssemos sentir e reconhecer que tudo que temos feito neste nível é um fracasso total em comparação com o que deveria ter sido feito. Acho que Ouspensky realmente sentia isso e sei que ele realmente passou para um outro nível, onde tudo é possível novamente.
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Todos nós continuamente passamos da sinceridade para a pretensão, da pretensão para o remorso, do remorso para a sinceridade. Temos de observar o ciclo, mas não deixarmos nos abater por isso. É da natureza humana. Nós aceitamos, tentando olhar para isso de um ponto de vista superior, mais objetivo, mais impessoal. Culpar a nós mesmos em demasia é levar-se demasiadamente a sério. Ninguém fica desanimado por seus próprios fracassos, exceto aquele que foi vão o bastante para acreditar estar acima de toda falha.
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Remorso e amor são a mesma coisa. Remorso é amor real, ou melhor, o amor é o prazer, o remorso a dor. Se estamos realmente acordados sentimos remorso na proporção dos prejuízos que fizemos aos outros, é o pagamento.