sexta-feira, 12 de março de 2010

Nisargadatta Maharaj - O Maior Milagre de Todos

Maharaj: O que quer que apareça não tem existência realmente. E o que não apareceu também, menos ainda; o que resta é Aquilo, o Absoluto. “Aquilo” é como Mumbai.
Visitante: Mumbai certamente parece estar aparecendo no momento. Deveríamos sugerir para ele outra cidade.
M: Mas eu normalmente coloco esse tipo de questão - se Mumbai dorme, se ela acorda de manhã, se tem preocupações, se tem prazer ou dor. Não me refiro às pessoas de Mumbai, nem à terra, mas àquilo que sobra.
Agora você sabe que você é. Antes deste momento, você tinha o conhecimento de que você existe? Esta consciência, o sentido de ser, que você está experimentando agora, estava aí anteriormente?
V: Tem estado; tem ido e vindo.
M: Esta confiança de que você é, o conhecimento de sua existência, estava aí anteriormente?
V: Quando faço o que o Maharaj me fala, isso é muito claro. Está ainda num estágio infantil, mas meu sentido de “mim” se desfaz completamente e surge uma grande felicidade, paz e claridade; mas isso vai e vem e eu esqueço.
M: A natureza inata disso é limitada ao tempo. Apareceu com a infância e está aí agora; mas não estava aí uns anos atrás. Portanto, você não pode dizer que é o Eterno. Então não acredite que é verdadeiro. E enquanto você estiver tendo esta consciência - “eu”, você estará tentando adquirir coisas; enquanto você souber que você é, as coisas que você possui têm uma significância emocional para você. Agora há o fato de que sua consciência–'eu' é ela própria limitada ao tempo. Então quando ela se dissolve, qual é o valor de todas essas coisas que você possuiu?
V: Nenhum.
M: Enquanto você não tiver entendido essa consciência-criança, você irá se envolver no mundo e nas suas atividades. Portanto, a liberação real é apenas quando você entende essa consciência-criança. Você concorda?
V: Eu concordo sim.
M: Durante toda a sua vida, você não teve nenhuma identidade permanente. O que quer que você se considere ser, muda de momento a momento. Nada é constante.
V: E o que pensamos que vamos nos tornar muda também com o tempo, a despeito de nós.
M: Essa mudança também se faz possível através dessa consciência-criança. Por causa dela, todas essas mudanças acontecem. É por isso que você deve compreender esse princípio.
Se você realmente quer entender isso, você deve abandonar sua identificação com o corpo. De todo modo, faça uso do corpo, mas não considere a si mesmo ser o corpo enquanto age no mundo. Identifique-se com a consciência que reside no corpo; com essa identidade você deveria agir no mundo. Será isso possível?
Enquanto você identificar a si mesmo como o corpo, suas experiências de pesar e dor aumentarão dia a dia. É por isso que você deve abandonar essa identificação e deveria considerar-se como a consciência. Se você se considera como o corpo, isso significa que você esqueceu seu verdadeiro Ser, que é o Atman. E, pesar é o resultado para aquele que esquece de si mesmo. Quando o corpo cai, o princípio que sempre permanece é Você. Se você identifica a si mesmo como o corpo, você sentirá que você está morrendo, mas na realidade não há morte, pois você não é o corpo. Esteja o corpo lá ou não, sua existência está sempre ali, ela é eterna.
Agora quem ou o que escutou minha fala? Não foi a orelha, nem o corpo físico, mas esse conhecimento que está no corpo; aquilo escutou-me. Portanto, identifique a si mesmo com aquele conhecimento, com aquela consciência. Qualquer felicidade que desfrutemos neste mundo é apenas imaginária. A felicidade verdadeira é saber da sua existência, que é aparte do corpo. Você não deveria nunca esquecer a verdadeira identidade que você possui. Considere, por exemplo, um paciente em seu leito de morte, certo de que irá morrer. Quando ele vem a saber a respeito de sua doença, digamos, câncer, ele recebe um tamanho choque que isso fica permanentemente gravado em sua memória. Dessa mesma maneira, você não deveria esquecer sua verdadeira natureza – a verdadeira identidade que eu lhe falei a respeito.
Um paciente que está sofrendo de câncer está o tempo todo cantando, por assim dizer, “estou morrendo de câncer”; e esse canto prossegue sem nenhum esforço. Similarmente, no seu caso: Assuma este canto “eu sou a consciência”. Esse canto, também, deveria prosseguir sem nenhum esforço. Uma pessoa que está constantemente desperta em sua verdadeira natureza – tendo esse conhecimento sobre si mesma – é liberada.
Um paciente sofrendo de câncer terminal sempre lembra de seu estado e finalmente experimenta aquele fim; isso é certo. Similarmente, aquele que se lembra que ele é o conhecimento, que ele é a consciência, tem este fim, ele torna-se Parabrahman.
Portanto, se você for fotografar esta cidade, eu diria, não fotografe … tire uma foto dela mas sem a terra. O que quer que seja Mumbai, tire uma foto dela e me mostre. Você pode?
V: Eu não poderia fazer isso.
M: Desse mesmo modo, é como fotografar você mesmo sem o corpo. Você é aquilo, como Mumbai. Lembrar que você é a consciência deveria ser sem nenhum esforço. Quando você diz “eu”, não se refira a este “eu” do corpo, mas àquele “eu” que representa a consciência. A consciência é “eu”, e faça uso desse conhecimento quando você age.
O prazer ou felicidade que você tem experimentado, devem-se às palavras que você escutou ou por que você teve um lampejo de seu Atman?
V: Tenho estudado muito, durante todo o tempo fazendo sadhana (práticas espirituais). Desde que encontrei Maharaj, as coisas estão se tornando claras e também estou tendo confirmação do que eu aprendi.
M: Qual deveria ser sua conclusão final depois de ter lido muito, feito sadhana e escutado estes discursos? É que este que ouve, o conhecedor, não está embaraçado com o upadhi – isto é, o corpo, a mente e a consciência- e que ele está separado desse upadhi que surgiu sobre ele.
V: Isso significa sakshivan - a consciência-testemunha?
M: Você usa a palavra sakshivan, mas o que realmente você quer dizer com isso? Que há senciência, através da qual você vê o que está acontecendo. Mas fora isso, algo é necessário para que o testemunho aconteça? O sol nasceu, e há a luz do dia. Você colocou-se para fora para testemunhar? Ou você vê sem esforço? Portanto, o processo de testemunhar simplesmente acontece. Não há nada que aquilo que você chama de “testemunha” tenha que fazer, o testemunho acontece puramente por si mesmo.
Esse conhecimento “eu sou” emergiu em você. Desde então, qualquer outro conhecimento que você adquiriu, qualquer experiência que você tenha tido, o que quer que você tenha visto do mundo, foi tudo testemunhado. Mas aquele para quem o testemunho acontece está totalmente separado daquilo que é testemunhado. Nesse testemunho, nessas experiências, você tem assumido que você é o corpo, e você está envolvido nisso. Portanto, você tem as reações do que quer que você tenha visto apenas através dessa identificação com o corpo. Mas na verdade, você não está concernido com aquilo que torna possível você ver e torna possível aquilo que foi visto. Você está aparte de ambos.
V: Vivendo a vida mundana e sendo um pai de família, dando duro, trabalhando, dormindo, dando risada, se misturando com as pessoas de todas as nacionalidades, é possível apenas ser, e totalmente não se identificar com o corpo?
M: Mostre-me uma amostra disso que você pensa que está se identificando com o corpo.
V: Geralmente, nos identificamos com o corpo. Não deveríamos fazer isso. Não somos o corpo, a consciência ou o intelecto. Somos algo diferente. O “eu” é algo diferente. Mas nos identificamos vivendo no mundo. É possível não se identificar completamente?
Interprete: Essa pergunta já foi colocada. Mas Maharaj está perguntando: “o que é esse 'eu' que não consegue evitar de se identificar com ...”
V: O mesmo “eu” do qual Maharaj fala.
M: Por que existe qualquer relação entre você e o que acontece no mundo? Como surge a relação entre você e o mundo?
V: Porque o “eu” está revestido pelo corpo. E é o corpo que continua tendo contato com seres materiais, com outros corpos, animados e inanimados.
M: Você pensa que é o corpo que está entrando em contato. Se essa consciência não tivesse estado ali, como o corpo teria tido contato com o resto do mundo? O que na verdade é isso que entra em contato com o mundo?
V: O “eu” entra em contato com o mundo através do corpo.
M: O que quer que seja madhyama, se essa consciência não estivesse ali, o que aconteceria com a mente ou com aquilo que ela entra em contato? Se a consciência não estivesse ali, existiria o corpo ou mesmo o mundo?
V: Correto.
M: Então considere esse sentido de ser ou essa consciência como o Deus supremo. E mesmo assim, você como o conhecedor disso está separado da consciência e do corpo.
V: Entendo.
M: Isso que você entendeu não pode mais causar dano a você. Não é?
V: Entendi com meu intelecto.
M: O que significa que você pode apenas usar o instrumento do intelecto para entender. Mas o que está antes do intelecto?
V: O Atman.
M: Você entende o Atman. Portanto, isso que entende o Atman deve ser anterior até mesmo ao Atman.
V: Quer dizer, o intelecto?
M: O Atman é anterior ao intelecto e você entende o intelecto e também que o Atman é anterior ao intelecto.
V: Eu entendo o Atman com o intelecto; meu intelecto me diz que existe o Atman. Eu quero entender o atman-jnana. Com o budhi-janana veio o atma-jnana. Quero atma-janana e não budhi-janana.
M: Não deve haver confusão. Entenda um simples fato, que qualquer tipo de experiência pode apenas vir sobre a consciência que está aí. E que você está separado tanto da consciência quanto das experiências que surgem nessa consciência.
A menos que haja a consciência, chame de Buddhi, de mente ou do que quer que seja, pode qualquer coisa existir? Obviamente, a resposta é não. Portanto, naquela consciência eu posso ver meu corpo e o mundo; e é basicamente apenas naquela consciência que qualquer movimento ou experiência pode ocorrer.
V: Então essa consciência tem o poder de pensar? Ou de sentir?
M: Naquela consciência algo acontece. Qualquer movimento, pensamento ou experiência que houver podem ocorrer apenas nessa consciência. E você é anterior a essa consciência; portanto, você não é nem a consciência - ou seja, o instrumento- nem nenhum pensamento ou experiência, ou o que quer que esteja acontecendo naquele instrumento. Você é totalmente aparte disso. Agora atenha-se a isso.
V: Aterme-me a quê?
M: Ao fato de que você está aparte disso.
V: E você é Isso. Isso eu sei. Mas muitas vezes, não conseguimos esquecer que estamos no corpo.
M: Lembre-se que este corpo é feito dos cinco elementos; é um corpo material; eu chamo-o de corpo-comida, e nele está essa consciência através da qual o corpo possui sua senciência, permitindo que os sentidos funcionem. Pois, estes sentidos no corpo operam apenas graças à consciência. Essa é a única coisa para se lembrar.
Tudo que você tem é a respiração vital, a força da vida. E parte do prana é o Atman. Fora isso, o que você tem? Eu continuo retornando à mesma coisa. Além disso, não há absolutamente nada.
[Maharaj está comentando sobre uma senhora que está com um monte de problemas]
Todas essas dificuldades que vêm e vão deveriam ser meramente assistidas como algo numa peça. Quando uma cena termina, outra cena acontece, seguindo na forma de um ato. Então, todo o ato e a peça toda, acontecem em algum outro lugar que não seja em você? Se ela não tivesse essa consciência, ela estaria ciente dessa peça que está acontecendo? Portanto, finalmente, qualquer que seja a peça, quaisquer cenas e atos que aconteçam, são meramente movimentos na própria consciência dela.
[Uma senhora pede que Maharaj (que estava com câncer terminal) se cuide]
Quem é para cuidar do que? Eu conheço o que surgiu sobre meu estado original, e não há nada para tomar conta daquilo. É um acontecimento que surgiu e irá tomar conta de si mesmo. E o que quer que tenha acontecido, eu não fui afetado. Portanto, novamente, quem é para tomar conta do que? Não estou preocupado em tomar conta de coisa alguma. O mundo tem existido por milhões de anos. Houveram milhares de grandes homens, avatares e personalidades importantes. Algum deles teve êxito em fazer algo para mudar o curso dos eventos no mundo?
O que quer que tenha surgido sobre meu estado original está limitado ao tempo, mas meu estado original é sem tempo e sem espaço. E ele é um todo, uma Totalidade. Na verdade não um, pois se você diz “um”, imediatamente existem dois.
V: O que Ramakrishna disse e o que Maharaj está dizendo são a mesma coisa?
M: Eu já disse a você, a essência básica é apenas o Todo. Todas essas diferenças são subsequentes, devem-se aos conceitos. Portanto, basicamente, quando na Totalidade, como pode haver pecado ou mérito, ou qualquer tipo de dualidade?
Existe algo através do qual você está apto a dizer que você entende. E você está separado daquilo. O que você pensa que você entendeu é apenas um movimento na sua consciência. E você está separado dessa consciência. No que diz respeito a você, não existe a questão de entender ou não entender.
V: Quando temos alguma compreensão mental do ensinamento de alguém, pensamos sempre que, de fato, realizamos aquele ensinamento. Mas na verdade esse não é o caso, somos essencialmente a mesma pessoa, sofrendo da mesma maneira.
M: Como aquela criação original assumiu o lugar do corpo quando criança? E mesmo antes do seu nascimento: Como a concepção aconteceu? Como a criança veio à existência, sem ter pedido por isso? Entenda isso. Entenda completamente aquela gota de material que eventualmente desenvolveu-se num corpo, e então você entenderá todo o mistério de que você não é aquilo. Este corpo está agora ocupando um certo espaço, quanto espaço ele ocupava no momento de sua concepção? E o que ele era naquela ocasião? Se você entender isso, você entenderá o mistério do Ser.
Você se baseia no corpo que você é agora e não entende a raiz dele. É por isso que pensamos que somos este corpo. E para isso, você precisa fazer meditação. O que é meditação? Meditação não é este corpo-mente meditando como um individuo, mas é esse conhecimento “eu sou”, esta consciência, meditando sobre si mesma. Desse modo, a consciência vai revelar seu próprio início.
Identificação com o quê? Com este corpo que está agora. Mas ele entende a sua origem? Se você entender o aspecto temporal, então você não vai se orgulhar tanto do corpo que está existindo agora.
[Maharaj falando a respeito dele mesmo] O corpo está totalmente velho, minha missão está cumprida. Agora vocês vêm aqui, o que está certo, mas minha missão está feita. Minha alma está quase para abandonar este corpo. Estou feliz. Eu bato palmas! (batendo as mãos). Estou num humor como o bater das palmas, por estar quase para morrer. Eu não estou mais apaixonado, ou atado por alguém ou alguma coisa, nenhum apego.
Esquecimento – aquele nobre e mais elevado esquecimento – não irá chegar até que todas as dúvidas sejam dissipadas. A menos que todas dúvidas sejam erradicadas, essa paz não prevalecerá.
Enquanto eu permanecer identificado com o corpo, quero estar ocupado com ações, pois não estou apto a sustentar aquele “eu” puro sem elas. Não posso suportá-lo porque eu o identifico com o corpo-mente, com todos os tipos de atividades. Chamo isso de jiva-atman, que significa “condicionado pelo corpo-mente”, ele é o ser que está ocupado com todas as atividades. E o “eu” que não é condicionado por, e não está identificado com o corpo-mente – que portanto não tem forma, desenho ou nome – é paramatman. O jiva-atman está sendo testemunhado pelo paramatman, que é nosso verdadeiro Ser apenas.
V: O que ele está fazendo? Ele está participando do funcionamento do mundo?
M: Paramatman não precisa participar das atividades do mundo, mas sem esse princípio nenhuma atividade pode acontecer de maneira alguma. Assim como no caso do espaço (akash): sem ele, nenhuma atividade é possível.
As atividades estão se desenrolando naturalmente, espontaneamente, da mesma maneira que no mundo dos seus sonhos a noite, não há nenhum autor ou fazedor. Entretanto, você coloca em uso seu mundo de sonhos totalmente. Você não vai conseguir compreender isso enquanto tentar entender as coisas como um indivíduo. Mas, uma vez que você é a consciência universal manifesta e reside naquele espírito paramatman - “eu sou” sem forma e distinção – desse modo você irá realizar como as coisas são.
V: Pode-se duvidar se Krishna era mesmo a encarnação de Deus na forma humana. Se realmente foi assim, entretanto, devemos dar importância ao que ele nos disse.
M: O que Krishna disse está perfeitamente correto. Para aquele momento, aquele período particular na história, foi o mais apropriado. Mas aquele momento, aquele tempo se foram. Ele também se foi. A elevação espiritual aconteceu nele, é por isso que ele é grande.
Você está vendo e compreendendo as coisas através dos conceitos que você absorveu. Mas, na verdade, a real situação é bem diferente. Você está se apegando a isso como sendo a verdade, mas o que quer que você tenha ouvido não permanecerá como autoridade ou como permanente; irá desaparecer. Dessa forma, depois do desaparecimento de tudo, o que sobra - aquilo é você: neti-neti.
Você tem mudado continuamente, você está num estado de fluxo. Nenhuma identidade sua tem permanecido como um traço permanente. E no devido tempo você também vai ficar bem velho. Desse modo, há alguma constância em tudo isso?
V: A verdade é que o corpo é perecível, mas o Atman é imperecível, eterno.
Outro Visitante: Você realmente experimenta isso ou leu a respeito?
V: Estou experimentando e também li. Estou ficando velho e tenho visto as pessoas perecerem.
M: Ainda assim, deve haver algum autor autorizando todas essas atividades. Considere os quatro elementos mais grosseiros que estão engajados em atividades. Esses quatro elementos são presididos pelo espaço. Em que atividade o espaço está envolvido? Se você for investigar o mundo da sua observação, você nunca vai chegar ao seu destino. A menos que você abandonar tudo que você ouviu e permanecer no seu Ser, você não entenderá tudo isso. Você pode assumir a tarefa de investigar todo este mundo manifesto e tudo o que você escutou, mas você irá ficar cada vez mais preso num atoleiro.
Quando a encarnação acontece, qual é a causa dela? E de que forma ela ocorre? As histórias você já escutou …
V: Por que todos não se tornam Krishna?
M: O que é aquela infância? O que é aquele princípio-criança? Investigue aquilo. O toque daquela qualidade, a qualidade criança, entenda e perceba isso. Quando você descobriu a si mesmo? Desde quando e como? Depois de coletar todas as mensagens e conceitos no mundo, você não pode investigar a si mesmo. Quando Krishna nasceu, ele tinha aquele toque de “eu-sou-ência”. O mesmo acontece em você. Entenda isso! O que é esse toque do sentido de “eu-sou”, esse toque de criança em você? Desde quando você sabe que você é? E com o que você soube que você é? Se você tentar empregar qualquer coisa que tenha escutado, você nunca vai conseguir entender isso. Você sabe que você não era, mas agora você sabe que você é. Como isso aconteceu, essa confluência? Você não era e de repente você é. Isso é o que queremos descobrir.
V: Acho que vou desistir disso tudo.
M: Você deve descobrir e inquirir sobre o seu próprio ser. Desde quando você veio a conhecer o seu ser? E como? Alguém lhe disse que você é? Ou você veio a saber espontaneamente?
V: Foi falado para mim e também isso seguidamente ocorreu a mim quando eu li as perguntas do Ramana Maharshi, “Quem é esse que sonha, quem é esse que dorme?”
M: Abandone sua identidade com o corpo. Desde quando você começou a conhecer-se? Concentre-se nisso apenas.
V: Quem é aquele que dormia?
M: Abandone essa pergunta, pois isso não é relevante. Não há valor na sua pergunta. Neste momento eu não quero responder nenhuma pergunta. Estou lhe direcionando para a fonte e ficaria satisfeito com seu conhecimento do que você é. Confine-se a essa área. Foque apenas no conhecimento de que “você é”. Como você sabe que você é? Apenas fique ali. Você tem lutado sozinho com os muitos conceitos que coletou do mundo – você está lutando com tudo isso. Para quê?
Você sabe que você é. Como você sabe isso? E com o que você veio a saber disso? Essa é a soma total do meu ensinamento necessária para colocar você no caminho correto, é a própria quintessência do ensinamento.
Quando suas perguntas são respondidas, meus discursos ficam muito fáceis de entender. E quando você entende, todas as perguntas se esvaem. É um círculo vicioso: Enquanto você tiver perguntas, não pode acompanhar o que está sendo dito.
V: O que acontece é que algumas questões continuam surgido.
M: Eu vou para as questões básicas apenas: O que é você? Desde quando você é? Com aconteceu de você ser? E devido a quê você é? Não quero lidar com uma porção de questões áridas; elas não têm valor para mim. Se você gosta do meu ensinamento, você pode sentar-se aqui, senão, sem exitar, vá embora.
Em qualquer busca espiritual verdadeira, o que quer que você tenha escutado, que você tenha feito, não tem utilidade nenhuma para chegar na verdade real. O conhecimento “eu sou” aconteceu. Devido a quê?
Primeiramente, você testemunha que você é. Atenha-se ali apenas, somente com esse “você é”. Esteja ali apenas. Então com a ajuda desse “você é”, você está testemunhando o mundo. Se você não estiver testemunhando o “você é”, você também não estará testemunhado o mundo.
Quando você não souber que você é, as pessoas também não saberão que você é e irão crema-lo. Enquanto você souber que você é, as pessoas respeitarão você, você é algo. Quando você não souber que você é, as pessoas irão aliená-lo. Fique aí. Você deve ficar presente ali apenas, neste ponto – o ponto “você é”, desprovido de todos os conceitos, de toda heresia. Quando você reconhecer e realizar o conhecimento que você é, você também saberá o que Krishna é. Um número de incarnações vieram e foram. Mas quando você entende a si mesmo, você realiza todas as incarnações.
Por saber que você é, você sabe que o mundo é. Você também sabe que Deus é. Se você não sabe que você é, onde está o mundo e onde está Deus?
Houveram muitas encarnações e agora você sabe que você é. Esse “você é” é o princípio divino por causa do qual as encarnações existiram. Muitas pessoas vieram aqui, mas raramente alguém, após ter me escutado, chegou mais perto de si mesmo; raramente alguém irá entender à quê estou conduzindo. Mas essa rara pessoa, no processo de entender-me, vai chegar mais perto de si mesma, aquele que escuta. Aqueles que realmente entenderem irão permanecer em si mesmos.
Você não conhecia seus pais antes do seu nascimento, nem seus pais conheciam você. A despeito disso, como o conhecimento “eu sou” brotou naquela situação particular? O que é essa coisa incrível? Estou novamente colocando a mesma questão. Os pais não conheciam a criança e a criança não conhecia seus pais antes do seu nascimento. Agora a criança diz, 'aqui estou eu', Como é isso?
Isso em si é o mais grandioso milagre - que eu recebi a notícia “eu sou”. Você tem alguma dúvida de que você é?
V: Não, isso é auto-evidente.
M: Antes de saber que você é, que conhecimento você tinha? Que questões você pode colocar aqui, neste ponto? O que você sabe?
Dhyana significa ter um objetivo. Você quer considerar algo. Você é esse algo. Apenas para ser, você é. Apenas para ser o ser, o “eu sou”. Você medita em algo. Aquele conhecimento “eu sou” é você mesmo. Permaneça apenas ali. Como você pode fazer qualquer pergunta neste ponto? Porque esse é o começo do conhecimento.
V: Não deveríamos fazer nenhuma pergunta até que tenhamos atingido o objetivo. Quando o atingirmos, as perguntas se dissolverão.
M: Isso é exatamente o que estou lhe falando. Você saber que “você é” é um milagre muito grande. Esse tipo de discurso não está sendo exposto em nenhum outro lugar. A própria fonte, a semente desta filosofia, ninguém irá expor. Eles vão falar para você ir adorar um certo Deus e você obterá sua bênção – você vai ter benefícios de modos diferentes. Faça isso e você obterá aquilo.
Aquela profunda necessidade de compreender definidamente a verdade vai ocorrer. Mas se você desejar inquirir neste mundo externo inteiro e for cativado por ele, você nunca vai alcançar o objetivo.
Ao tentar aprender toda a história de Rama, de Krishna, de Cristo, etc. você também não vai alcançá-lo, nunca ficará satisfeito. Você terá aquela paz e quietude apenas quando você conhecer a si mesmo, quando você tiver aquele conhecimento íntimo “eu sou”. Você sabe que você é. Como aconteceu de você ser como você é? Por causa do quê você é? Qual é a causa disso? Descubra isso.
Atualmente seu capital é o que você leu – tudo que você escutou e leu. Mas esse tipo de investimento não tem nenhuma utilidade no campo espiritual.
Como lhe digo, resida em si mesmo, seja o seu próprio ser, apenas dessa maneira você conseguirá aquela paz e quietude.
V: Então eu não deveria fazer nenhuma pergunta?
M: Correto, nenhuma pergunta. Apenas seja o que você é. Da maneira como lhe digo, quando você residir no seu próprio ser, todas as suas questões serão dissolvidas pelo conhecimento “eu sou”.
O manifesto estende-se além de qualquer limite, expande-se por toda parte, é amplo. Se esse conhecimento “eu sou” não estiver aí, aonde estará o mundo? E aonde estarão os deuses?
Ao ler vários livros e escutar uma porção de coisas, você não pode tornar-se um Mahatma, mas apenas através desse conhecimento “eu sou”. Não se concentre no corpo. Por causa do corpo vocês chamam a si mesmos de homem ou de mulher. Apenas segure-se nesse conhecimento “eu sou” somente, sem o sentido do corpo – além do nome, da forma ou do desenho. Mas você tem de empregar nomes, formas e desenho por causa das atividades mundanas.
Vocês têm sorte, eu não tenho exposto isso em grandes detalhes para as outras pessoas. Para elas eu simplesmente digo: 'Você é “você”, esse conhecimento “você é”. Aceite apenas isso e siga seu caminho'.
Não medite em ninguém, em nenhum deus ou sábio. E esse conhecimento “você é”, não o enfeite com o corpo. Eu não falo para as pessoas mais do que elas necessitam e posso não entrar em grandes detalhes. Porque seus pais chegaram à fruição, você está aqui neste momento. O conhecimento “você é” não tem forma e nem nome; ele é puramente conhecimento “eu sou”. Um nome e uma forma são bons apenas para os propósitos do mundo. Atualmente você é ajustável por esse nome, o nome significa “eu mesmo”. E para esse nome, você deu o disfarce do corpo. Após renunciar o nome que foi imposto a você, diga-me o seu nome. Sem escutar de ninguém, qual pode ser o seu nome?
V: Sem nome!
M: Similarmente você aceita este corpo como sua identidade. Bem aqui e agora, abandone sua identidade com o corpo e sente-se quieto. Abandone este corpo como um traje descartado; abandone também a identidade com o nome. E agora me conte a respeito de você mesmo. O que quer que você seja é o mais adequado - aquele princípio mais grandioso que você é, a respeito do qual você não pode dar nenhuma informação. Mas você é.
Contanto que você mostre que você está ficando mais íntimo consigo mesmo e começando a conhecer esse ser, seus comentários são bem vindos. O amor por esse conhecimento “eu sou”, o princípio mais adorável, é o próprio conhecimento “eu sou”. Não é assim? Esse ser, esse conhecimento “eu sou”, tem um imenso amor pelo ser apenas. Mas quando esse ser ou esse amor do ser tornam-se misturado ou associado com o corpo, as misérias começam.

quarta-feira, 10 de março de 2010

P. D. Ouspensky - Trechos de reuniões do livro 'A Further Record'

Ouspensky: Eu aconselho vocês a pensarem principalmente sobre a consciência. Como se aproximar dela, como começar a entender o que é a consciência. Podemos reconhecer exemplos de consciência no passado.
Um momento de consciência produz uma memória muito forte. Se pudermos encontrar no passado os momentos de memória muito claros e vívidos, podemos saber que esse é o resultado de se estar consciente.
Pergunta: Quais são algumas das formas que o primeiro esforço consciente assume?
O: Estar ciente de si mesmo. 'Eu estou aqui'. Mas sem palavras. Sentindo. Quem você é e aonde você está.
P: Qual é a diferença entre a lembrança de si e a auto-observação?
O: O melhor é quando elas acontecem ao mesmo tempo. Mas no começo, ao aprender a lembrar de si, será suficiente se você estiver ciente de si mesmo. Mas, se ao mesmo tempo você estiver ciente de qualquer outra coisa, do seu entorno, das pessoas, do seu objetivo, das idéias, quanto mais, melhor. Mas primeiro de você mesmo, porque na vida ordinária as pessoas podem estar cientes de qualquer outra coisa, menos de si mesmas, e isso não tem nenhum valor. No começo as pessoas dividem esses dois processos. O objetivo da lembrança de si é apenas estar ciente de si mesmo. Com a auto-observação, além disso você também observa diferentes fatos.
P: Mas a auto-observação é inteiramente mental, não é?
O: Ela deve ser mental sim, mas, novamente, pode ser diferente.
P: É possível observar-se emocionalmente?
O: Não, você não pode de fato, mas isso pode vir. No momento você não tem controle do centro emocional, portanto, você não pode, mas isso pode vir, e um elemento emocional deve depois entrar na observação de certas coisas.
P: Como é possível reconhecer a lembrança de si?
O: Tente entender o que não é a lembrança de si, porque isso é mais fácil. Estamos sempre neste estado e nunca percebemos isso. Então comece com a não-lembrança.
P: Lembrar de si e questionar-se: 'Quem sou eu? " são a mesma coisa?
O: Não. Compreender a idéia de lembrança de si está conectado com a idéia de que a pessoa não pode lembrar-se, e em toda sua vida ela nunca notou isso.
P: Se pudéssemos nos lembrar de nós mesmos, estaríamos - como você mesmo chama - despertos, não estaríamos?
O: Sim.
P: Então, seríamos conscientes de nós?
O: Talvez em graus diferentes,
durações diferentes de tempo. As coisas não vêm todas de uma vez. Mas começa com a percepção de que não lembramos.
P: Quando nós fixamos a atenção, há o início do "eu" real?
O: Não, mas é a preparação do material para ele. Às vezes surgem perguntas que você deve ser capaz de responder você mesmo. Por exemplo, relacionado a ajudar as pessoas. Tente perguntar a si mesmo, como as pessoas podem ajudar as outras? Em que sentido? Suponha que você ache que a coisa mais importante é despertar. Como você pode tentar despertar pessoas que não querem acordar? Nada acontece se você tentar. Primeiro, elas devem querer despertar. As pessoas não podem ser despertadas à força, sem seu próprio desejo. Esta é uma das idéias mais importantes relacionadas ao esoterismo. É exatamente o ponto onde se tem livre escolha, caso contrário não haveria nenhum valor no despertar, se a pessoa pudesse ser despertada artificialmente. A natureza das coisas que podem se desenvolver é tal que elas não podem ser dadas, elas devem se desenvolver. Algumas coisas podem ser dadas, outras não podem. Podem ser desenvolvidas apenas através de esforços do próprio homem. Pela própria natureza dessas coisas, só pode haver vontade da própria pessoa, elas só podem crescer a partir dos próprios esforços dela. A natureza pode fazer um pintor, mas não os quadros. É a mesma coisa.
P: Parece-me completamente impossível lembrar de mim mesmo à vontade, embora não pareça ser tão difícil observar-me.
O: Você deve tentar métodos que irão produzir a lembrança de si. Tente esse método de parar seus pensamentos para ver por quanto tempo você pode manter seus pensamentos ausentes, tente não pensar em nada; isso no caso de você conhecer a respeito da lembrança de si. Mas suponhamos que um homem que não sabe sobre a lembrança de si tente isso, ele não irá chegar à idéia da lembrança de si dessa maneira. Se você já sabe, isso irá criar um momento de lembrança de si; por quanto tempo, vai depender de seus esforços. É uma maneira muito boa. Esse método é descrito, por exemplo, em alguns livros sobre Yoga, mas as pessoas que tentam fazê-lo não sabem porque estão fazendo, dessa forma isso não pode produzir bons resultados. Muito pelo contrário, pode produzir uma espécie de estado de transe.
P: Quando você disse "saber sobre a lembrança de si", você quis dizer se você tem isso na sua cabeça como um objetivo ou se você já teve um gosto dela?
O: Existem diferentes graus. Você vê, nós falamos sobre a lembrança de si o tempo todo, nós sempre voltamos a ela, portanto, você não pode dizer que não sabe a respeito da lembrança de si. Mas se você pegar um homem que estudou psicologia comum ou filosofia, ele não sabe sobre ela.
P: É possível termos feito a lembrança de si antes de termos conhecido este sistema? Eu pergunto porque eu tentei lembrar de mim mesmo, e os resultados parecem corresponder com o que eu costumava fazer antes, sem saber o que eu estava fazendo.
O: Esse é o ponto. Você pode estudar isso para compreender este princípio - que se você fizer uma certa coisa sabendo o que ela é, dá um resultado e se você faz quase a mesma coisa sem saber o que é, isso dá um resultado diferente. Muitas pessoas chegaram muito perto da lembrança de si na prática, outros chegaram muito perto dela em teoria mas sem prática, ou teoria sem prática, ou prática sem teoria; e nem de um jeito nem do outro eles chegaram à verdade real. Por exemplo, na chamada literatura do Yoga existem muitas abordagens próximas à lembrança de si. Por exemplo, eles falam sobre a consciência "eu sou", mas elas são tão teóricas que não se pode conseguir nada com elas.
A lembrança de si nunca foi mencionada em nenhuma literatura de uma forma exata, concreta, ainda que de forma disfarçada, seja falada no Novo Testamento e em escritos budistas. Por exemplo, quando é dito: "Vigiai, não durmais", isso é a lembrança de si. Mas as pessoas interpretam de maneira diferente.
P: O centro emocional é o principal centro que trabalha na lembrança de si?
O: Você não pode controlar as emoções. Você simplesmente decide lembrar de si. Eu dei-lhe um método muito simples, prático. Tente parar seus pensamentos, mas, ao mesmo tempo, não se esqueça de seu objetivo: que você faz isso para lembrar de si mesmo. Isso pode ajudar. O que impede a lembrança de si? Esse constante fluxo de pensamentos. Pare esse fluxo e talvez você terá um gosto dela.
P: Você disse que a real lembrança de si precisa de emoção, mas quando penso nisso eu não experimento qualquer emoção. É possível lembrar de si mesmo sem experiência emocional?
O: A idéia é lembrar de si mesmo, estar consciente de si mesmo. E o que vem com isso você apenas nota, você não deve colocar qualquer exigência concreta a esse respeito. Se você tornar uma prática regular tentar lembrar-se três ou quatro vezes por dia, a lembrança de si virá por si só nos intervalos, quando você precisar dela. Mas isso você vai notar mais tarde. Você deve tornar uma prática regular tentar e lembrar de si mesmo, se possível nos mesmos horários do dia. E, como eu disse, a prática de parar os pensamentos vai produzir o mesmo efeito. Assim, se você não consegue lembrar de si, tente parar os pensamentos. Você pode parar os pensamentos, mas você não deve ficar desapontado se no princípio você não puder. Parar os pensamentos é uma coisa muito difícil. Você não pode dizer para si mesmo "vou parar os pensamentos", e eles param. Você tem de usar esforço o tempo todo. Portanto, você não deve fazer isso por muito tempo. Se você fizer isso por alguns minutos, é bastante suficiente, senão você vai convencer-se de que você está fazendo isso quando em vez disso só vai estar sentado calmamente, pensando e ficando muito feliz com isso. Tanto quanto possível você deve manter apenas um pensamento: "Eu não quero pensar em nada", e jogar fora todos os outros pensamentos. É um exercício muito bom, mas apenas um exercício.
P: Lembrança de si e parar os pensamentos são a mesma coisa?
O: Não exatamente, são dois métodos diferentes. No primeiro você traz um determinado pensamento definido - a percepção de que você não lembra de si mesmo. Você deve sempre começar com isso. E parar os pensamentos é simplesmente criar uma atmosfera correta, um ambiente correto para a lembrança de si. Dessa forma, não são a mesma coisa, mas trazem os mesmos resultados.
P: Nosso trabalho fica mais preciso se estamos lembrando de nós mesmos e do trabalho que estamos fazendo?
O: Sim, quando está desperto você pode fazer tudo melhor, mas um longo tempo é necessário para isso. Quando você se acostumar com a lembrança de si, você não será capaz de entender como você pôde alguma vez ter trabalhado sem ela. Mas no começo é difícil trabalhar e lembrar de si ao mesmo tempo. Ainda assim, os esforços nessa direção dão resultados muito interessantes, a esse respeito não há dúvida. Toda a experiência de todos os tempos revela que estes esforços são sempre recompensados. Além disso, se fizer esses esforços, você vai entender que certas coisas só se pode fazer no sono e não podem ser feitas quando se está acordado, pois algumas coisas só podem ser mecânicas. Por exemplo, suponha que você esquece ou perde as coisas: você não pode perder as coisas de propósito, você pode perdê-las apenas mecanicamente.
P: Enquanto tocava piano, pensei: 'eu estou aqui'; eu não sabia o que estava fazendo.
O: É porque isso não é estar consciente, é pensar sobre a lembrança de si. Dessa maneira, isso interfere com o que você está fazendo, assim como quando você está escrevendo e, de repente pensa: "Como se soletra essa palavra?", você não consegue se lembrar. Isso é uma função interferindo na outra. Mas a verdadeira lembrança de si não é nos centros, é acima dos centros. Ela não pode interferir com o trabalho dos centros, a pessoa apenas verá mais, verá seus próprios erros.
Devemos perceber que a capacidade de lembrar de nós mesmos é um direito nosso. Nós não a temos, mas podemos tê-la, temos todos os órgãos necessários para isso, por assim dizer, mas não somos treinados, não estamos acostumados a usá-los. É necessário criar uma certa energia particular ou um ponto (usando esta palavra em um sentido comum), e isso só pode ser criado em um momento de sério estresse emocional. Tudo antes disso é apenas a preparação do método. Mas se você se encontrar num momento de estresse emocional muito forte e então tentar lembrar de si, ela permanecerá após o estresse ter terminado, e então você será capaz de lembrar de si mesmo. Portanto, apenas com uma emoção muito intensa é possível criar essa base da lembrança de si. Mas não pode ser feito se você não se preparar com antecedência. Momentos podem vir, mas você não vai conseguir nada com eles. Esses momentos emocionais vêm de vez em quando, mas não os usamos, porque não sabemos como usá-los. Se você tentar lembrar-se suficientemente durante um momento de emoção intensa, e se o estresse emocional for forte o suficiente, isso vai deixar um certo traço e vai ajudar você a lembrar de si no futuro.
P: Qual é a preparação da qual você está falando?
O: O estudo de si, a auto-observação, a compreensão de si. Você ainda não pode alterar nada ou fazer algo diferente. Tudo acontece da mesma maneira, mas já há uma diferença - o fato de que você vê muitas coisas que você não via antes e muitas coisas que já começam a acontecer de forma diferente. Isso não significa que você tenha alterado qualquer coisa, elas acontecem de forma diferente.
P: Mas qual é a coisa mais importante para fazermos agora?
O: Tudo o que falamos é igualmente importante: a lembrança de si, não se identificar, não considerar internamente, o estudo de si, o estudo dos centros, tudo. Não há uma coisa melhor do que outra. Tudo é necessário.
P: Podemos lembrar de nós mesmos por uma fração de segundo quando fazemos o esforço?
O: Não, segundos não são suficientes. O que você pode fazer agora é lembrar que você não consegue lembrar de si. Ao mesmo tempo, faça outras coisas que são ditas, como tentar não expressar emoções negativas. Desse modo você pode encontrar-se capaz de lembrar de si algumas vezes. Mas só quando ela acontece por um determinado período é que conta. Se torna-se conectada com certas emoções, então funciona mais rápido.
P: O que significa esse 'quando se conecta com as emoções fortes'?
O: Sabemos o que um estado emocional forte é. Se estiver conectada com isso pode funcionar centenas de vezes mais rápido.
P: É uma emoção que segue juntamente com a lembrança de si?
O: A lembrança de si não pode ser intelectual. Não se pode simplesmente sentar e pensar no que está debaixo da mesa. É preciso ter medo primeiro. Tente se lembrar que se você fizer tudo o que é dito e não deixar de lembrar de si, você chegará aos centros superiores. Esse é o objetivo. Primeiro é muito importante não pensar que você a tem, ou isso pode tornar-se histérico, neurótico. Se você conseguir, você vai conhecer a si mesmo.
Você pode conseguir muitas coisas, mas apenas emocionalmente, e não de qualquer outra forma. Quanto mais emocional você for, mais você pode conseguir. Quando você se encontrar no estado de chegar ao centro emocional superior, então você ficará surpreso ao descobrir o quanto você pode entender de uma só vez; e depois você volta ao estado normal e esquece tudo. É uma coisa muito estranha, através de lembrança de si persistente e através de alguns outros métodos que levam ao centro emocional superior por um tempo curto, você será surpreendido com o quanto você entende de uma só vez; mas você não será capaz de reter isso. Se você escrever tudo, aquilo não terá qualquer sentido quando você ler com o centro intelectual posteriormente.
P: A lembrança de si é muito mais difícil em algumas circunstâncias da vida. Deveríamos evitá-las?
O: É um erro pensar que as circunstâncias da vida, ou seja, as circunstâncias externas, podem mudar algo ou afetá-lo. Isso é uma ilusão. Quanto à possibilidade de evitá-las ou não, tente evitá-las, ou tente considerá-las como uma parte. Mas se você conseguir evitá-las, você vai ver que é exatamente o mesmo, podem haver exceções, mas o equilíbrio geral permanece o mesmo.
P: Eu não consigo de jeito nenhum, através de qualquer esforço que eu faça, alcançar um estado como os que vêm acidentalmente. Existe algum esforço que possamos fazer?
O: Sim, mas você diz que vêm acidentalmente. Se é o que entendo, eles vêm como um resultado de seus esforços, os esforços anteriores, só que não vieram naquele momento. Mas se você não tivesse feito esforços eles não viriam acidentalmente. Quanto mais esforços você faz, mais você tem esses momentos 'acidentais' de lembrança de si, de compreensão, de ficar emocional e coisas desse tipo. É tudo resultado de esforço. Só não podemos conectar causa e efeito neste caso; mas a causa permanece e irá produzir os seus efeitos. Provavelmente, não conseguimos conectar por causa de muitas coisas pequenas - identificação, imaginação ou coisas desse tipo. Mas a causa está lá e ela vai encontrar um momento e trará resultados. Nunca devemos esperar resultados imediatos. É necessário trabalhar por um longo tempo e criar algum tipo de padrão permanente, a fim de ter estes resultados imediatos. E mesmo que venham somente em estados muito emocionais. Se pudéssemos, por vontade, desejo ou intenção nos tornarmos mais emocionais, então poderíamos ver muitas coisas de forma diferente. Mas não podemos. Estamos emocionalmente muito fracos e é por isso que a maior parte do trabalho que fazemos agora, mesmo que realmente o façamos, não pode ter resultados imediatos. Mas alguma coisa sempre fica e não é perdida, nenhum esforço é perdido, só que deve ser seguido por outras iniciativas e esforços maiores. Assim, uma das primeiras perguntas é como nos tornarmos mais emocionais, mas não podemos fazer isso. A segunda questão é como usar os estados emocionais quando eles vêm; e isso é possível, é para isso que temos de nos preparar. Estados emocionais, tensão emocional vêm, mas os perdemos na identificação e coisas assim. Mas poderíamos usá-los.
P: Lembrar-se continuamente do gosto desses estados é a maneira de usá-los?
O: Não. Quero dizer usar. Se você tentar lembrar de si num estado emocional, você vai ver por si mesmo, é uma questão de observação, isso lhe dará um poder de pensar diferente, um poder diferente de compreensão. Você pode entender as coisas de forma bastante diferente. Se a emoção for muito forte, e se você lembrar de si ao mesmo tempo, você verá as coisas de maneira diferente, verá muitas coisas que você não pode ver agora. Mas isso não pode ser descrito porque deve ser uma experiência pessoal.
P: O que é que se torna imortal, a essência, o corpo físico ou alma?
O: Apenas a memória. O corpo nasce de novo, a essência nasce de novo, a personalidade é criada novamente. Portanto, não é uma questão de imortalidade, mas de memória. Podemos viver dez mil vezes, sem qualquer vantagem, se não nos lembrarmos.
P: Vocês quer dizer lembrar dos eventos ou lembrar de nós mesmos?
O: Ambos. Quanto mais, melhor. O fato da imortalidade mecânica, se tal coisa for possível, não é vantagem.
P: Se nos lembrarmos dos motivos de nossas ações, então vamos lembrar de nossas ações. Isso é lembrança de si?
O: Não, é apenas memória comum. Volto a lembrar-lhes que o que é útil e necessário para se lembrar é que não nos lembramos, nunca lembrávamos e não sabíamos disso.
P: Como podemos provar a nós mesmos que não nos lembramos de nós mesmos?
O: Já falei tantas vezes sobre isso que esqueci de falar agora. É sobre meu amigo que foi ao meu encontro na Gare du Nord, em Paris, pedi a ele para lembrar-se de si lá. Mas ele veio com uma cara muita preocupada, dizendo: 'eu esqueci alguma coisa que você me pediu para fazer. Foi algo que eu tinha que comprar?'
P: Temos que lembrar de nós mesmos para sair da prisão?
O: Eu esqueci de mencionar prisão. Sim, eu penso assim. Acho que esta é a parte principal da prisão – o fato de que não lembramos de nós mesmos. Mas você vai assustar as pessoas. Uma senhora em Londres, disse: 'Por que você fala sobre o despertar, se Cristo não falou sobre isso? Eu disse: "Mas Cristo falou o tempo todo sobre o despertar." E ela era bastante sincera.
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*Para uma maior compreensão de alguns termos empregados no texto, é recomendada a leitura do livro "A Psicologia da Evolução Possível ao Homem", que está no começo deste blog.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Hazrat Inayat Khan - A Visão Interior

A introspecção, ou a visão interior, pode ser comparada ao que vemos por um telescópio. A uma longa distância, podemos ver um vasto horizonte, mas quando chegamos perto das coisas, temos um horizonte limitado. Se olharmos por esse horizonte menor, as coisas ficam mais claras, porque são vistas em detalhe. Se olharmos pelo horizonte maior, as coisas não serão vistas em detalhe, mas podemos ter uma visão geral. A mesma lei é aplicada à introspecção. Quando olhamos para alguém, temos idéia do seu caráter e quando olhamos para uma assembléia, temos uma sensação de reunião.
O coração é o telescópio da alma e os olhos são o telescópio do coração. A mesma coisa acontece quando vemos através dos óculos: são os olhos que vêem e não os óculos. Assim, quando vemos através do coração e dos olhos, o que vemos é a alma. Os olhos não possuem o poder de ver, o poder dos olhos é apenas ajudar a alma a ver. Do momento em que a alma se afasta, os olhos não vêem. Assim, até o coração é um telescópio que nos auxilia a perceber e conceber tudo que procuramos mas, ao mesmo tempo o coração não vê, é a alma que vê.
Assim como existem pessoas de pouca visão e outras que possuem visão muito ampla, também existem algumas que enxergam coisas a uma longa distância com os olhos da mente, mas que não podem ver o que lhes está perto. Pessoas que possuem visão longa, enquanto há outras cuja visão é curta, que enxergam tudo que está perto mas não podem ver a longa distância.
É dito que existe um terceiro olho que enxerga, às vezes esse terceiro olho vê através dos dois olhos e aí os olhos enxergam de outra maneira. Com o auxílio do terceiro olho, os nossos dois olhos podem atravessar o muro da existência no plano físico e ver o interior da mente humana, ver o que está dentro das palavras, e muito mais além. Quando começamos a ver desse modo, o que primeiramente acontece é que tudo que nossos olhos vêem tem um significado mais profundo, uma significação maior que não conseguíamos ver anteriormente. Cada movimento do homem, cada gesto, sua forma, feições, voz, palavras, expressão, sua atmosfera, tudo isso revela sua natureza e caráter. Como não conhecem esse segredo, certas pessoas querem estudar fisiognomia, frenologia, grafologia ou quiromancia, mas todas essas ciências são limitadas quando comparadas com a visão clara. Essas diferentes ciências tem seu valor, mas se comparadas com a introspecção do homem, notamos que sua importância é bem menor.
A faculdade de enxergar precisa ser dirigida. Por exemplo, para olhar para a direita ou para a esquerda, para frente ou para trás, temos de dar uma direção aos olhos e essa direção é o trabalho da vontade. Nas vinte e quatro horas vemos talvez cinco minutos, quando muito, sob a direção da vontade; o resto do tempo vemos as coisas automaticamente. Em outras palavras, nossos olhos estão abertos, nosso coração vê tudo que pode ser visto e, sem percebermos, captamos diversas coisas que atraem nossos olhos e nossa mente. Tudo o que vemos durante o dia e durante a noite, não é o que tínhamos a intensão de ver e sim o que somos obrigados a ver de acordo com a vida à nossa volta. Por essa razão é que os antigos pensadores e sábios do oriente usavam um manto cobrindo a cabeça para não ver as coisas e nem as pessoas que os rodeavam, podendo, assim, controlar a visão. Os antigos Sufis também costumavam cobrir a cabeça da mesma forma por muitos anos e assim desenvolviam tantos poderes que um simples olhar deles podia penetrar nas rochas e nas montanhas. Isso nada mais é do que o controle da visão. Em todas as épocas os Yogis trabalharam não só com a mente mas também com os olhos, conseguindo tal estabilidade no olhar que podiam dirigir a visão para tudo que quisessem examinar ou penetrar. Os olhos, portanto, representam a alma na superfície e falam com as pessoas com muito mais clareza do que as palavras. Para aquele que pode ler, os olhos mostram o grau de evolução de uma pessoa. Não é preciso uma pessoa falar com a outra, os olhos dizem à outra pessoa se está contente ou triste, se tem boa vontade ou má vontade, se sua predisposição é favorável ou desfavorável. Tudo pode ser visto no olhos: o amor, o ódio, o orgulho ou a modéstia; até a sabedoria e a ignorância e tudo mais pode ser visto manifestando-se nos olhos. O homem que pode perceber, através dos olhos, as condições e o caráter de um outro homem, sem dúvida alguma, entra em comunicação com a alma desse homem.
Pouco tempo atrás, havia um discípulo em Hyderabad, um intelectual, que gostava de falar. Seu mestre estava interessado nas perguntas inteligentes que ele fazia e o encorajava a falar, embora no Oriente seja hábito o discípulo ficar em silêncio diante do mestre. Um dia, o mestre estava num dos seus momentos de exaltação espiritual e o discípulo, como acontecia sempre, queria discutir e argumentar e isso não agradou o mestre na ocasião. O mestre pronunciou a palavra “Khamush”, que em persa significa silêncio, e o discípulo emudeceu. Foi para casa, permaneceu mudo e ninguém mais ouvi-o falar, nem os de casa nem os estranhos. Nunca falava, em lugar algum. Passaram-se os anos e o homem se conservava mudo; mas chegou um ponto em que o silêncio dele começou a falar alto. Seu pensamento silencioso passou a manifestar-se e tudo que ele desejava lhe era concedido. Seu olhar silencioso curava, seu olhar silencioso inspirava. Seu silêncio tornou-se vivificante. O que o mantivera morto durante todo esse tempo eram as palavras que proferia. Do momento em que seus lábios emudeceram, o silêncio começou a viver. Sua presença era vivificante. O povo de Hyderabad chamava-o de Shaikh Khamish, o rei do silencio, ou o rei silencioso.
Com esse episódio desejo mostrar que todos nós temos olhos, mas fazer os olhos viverem leva algum tempo, pois os olhos enxergam até um certo limite e não vão mais além. O coração, juntamente com os olhos, é que enxerga mais longe e se a alma puder ver através de ambos enxergará mais longe ainda.
Um assunto completamente diferente é a maneira de focalizar os olhos. Se quisermos ver a lua, devemos olhar para o céu ao invés de olhar para a terra. Portanto, se quisermos procurar o céu, devemos mudar a direção dos olhos e aí é que muitos cometem um erro. Atualmente no Ocidente, onde existe um grande número de estudantes ávidos à procura da Verdade, muitos estão enganados a esse respeito. Para ver o que pode ser visto interiormente, eles procuram olhar no exterior, o que não deixa de ser uma tendência natural. Do mesmo modo que um homem procura exteriormente aquilo que deseja, é natural que queira procurar também exteriormente o conhecimento interior.
Como é possível olhar para o interior, e o quê é visto? Em primeiro lugar, para um materialista, o “interior”, o que chamamos de “dentro”, é uma coisa que está dentro do corpo. Na realidade “dentro” significa não só dentro mas também fora do corpo. Isso pode se compreendido ao observarmos a luz dentro de uma lâmpada: a luz está dentro do globo e também está fora dele. Assim acontece com a alma: ela está dentro e também está fora. O mesmo ocorre com a mente: está dentro e fora, ela não está confinada dentro do corpo. Em outras palavras, o coração é maior do que o corpo e a alma é ainda maior e, ao mesmo tempo, a alma está acomodada dentro do coração e o coração acomodado dentro do corpo. Esse é um dos maiores fenômenos que existe e é difícil de ser explicado com palavras. Existem centros intuitivos e, para enxergar dentro deles, precisamos voltar os olhos para trás, voltar os olhos para dentro. Assim, os olhos que podem ver externamente são capazes de ver interiormente, mas é apenas uma fase da faculdade da visão. A outra fase dessa faculdade de ver internamente, não é a função dos olhos: é o coração que vê. Quando tivermos a capacidade de ver dessa maneira, a dor e o prazer, a alegria e a tristeza de todos os homens com quem nos encontramos manifestar-se-ão ao nosso coração. Podemos na verdade ver isso e com muito mais clareza do que se víssemos com os nossos olhos. Essa é a linguagem do coração que os olhos não conhecem.
Os sábios do Oriente eram chamados de "Balakush", que significa "aquele que bebe um gole de todas as dificuldades". Esses sábios acreditavam que as dificuldades da vida eram um vinho para ser bebido e logo que o bebêssemos, as dificuldades desapareceriam. Não tinham medo das dificuldades, não se mantinham afastados delas e diziam: “Se conseguirmos nos afastar das dificuldades agora, na próxima vez elas nos acharão; na certa vamos encontrá-las um dia. Se escaparmos uma vez, em outra ocasião não escaparemos. Assim, deixemos que venham as dificuldades tal como são e vamos bebê-las como um vinho”. Os princípios do Mahadeva, dos Dervixes, dos grandes faquires de todas as eras são o mesmo: beber as dificuldades como um vinho. Aí então não haveria mais dificuldades. Quando estamos sintonizados com a vida, ela se revela a nós, pois aí somos amigos da vida. Antes éramos estranhos à vida. A atitude faz uma grande diferença. A diferença de atitude é que faz de um homem um espiritualista ou um materialista. Não é preciso modificar mais nada, apenas a atitude.
A lição que aprendemos quando desenvolvemos percepção, é que não devemos ficar excitados com qualquer influência que nos coloque fora de nosso ritmo, ao contrário, devemos manter nosso ritmo em todas as circunstâncias da vida, manter nosso equilíbrio, nossa tranquilidade, em todas as ocasiões. Às vezes é difícil conservar o equilíbrio quando as influências da vida nos sacodem, mas é preciso nos mantermos equilibrados apesar de tudo o que acontece. Diante de influências antagônicas é difícil mantermos uma atitude amigável. Entretanto, por ser difícil, é uma grande aquisição se conseguirmos fazer isso. Para obtermos algo valioso e que valha a pena ser obtido, temos de passar por certas dificuldades.
Existem muitas oportunidades de praticarmos a lição de manter uma atitude amigável em relação aos nossos semelhantes, de enfrentar as situações corajosamente e de contrabalancear as influências que surgem diante de nós. Dessa maneira adquirimos uma percepção maior da vida.
Se existe algo que possa esclarecer nossa compreensão, é a razão de um lado e o sentimento do outro. Um homem cujo sentimento ainda não despertou, está acordado e ao mesmo tempo adormecido. Quando o coração começa a viver, um outro mundo abre-se para suas experiências, pois geralmente o que experimentamos na nossa vida cotidiana é somente aquilo que os sentidos podem perceber e nada mais do que isso. Quando, entretanto, o homem começa a sentir e a experimentar os sentimentos sutis do coração, ele passa a viver num outro mundo, embora caminhando na mesma terra e vivendo sob o mesmo sol. Portanto, não se surpreendam se encontrarem seres que vivem em outro mundo, embora caminhem nesta terra. É algo natural, é possível ao homem viver no seu coração ao invés de viver somente na terra. O povo do Oriente chama esse estado de “Saheb-e-dil”, isto é, a mente-mestra.
Se o homem mergulhar ainda mais fundo no seu íntimo, ele passa a viver na alma. A inspiração, a intuição, a visão e a revelação passarão então a serem coisas naturais para ele. A alma começa a ter consciência de seus domínios, que é o reino do qual a Bíblia fala: “Procure primeiro o Reino de Deus...” É a alma que começa a ver. Pode-se enxergar ainda mais longe. O que permite atingir esse estágio mais elevado é o caminho da meditação sob a orientação de um Mestre competente.
A primeira coisa a fazer é controla o olhar. A segunda, controlar os sentimentos e a terceira é o controle da consciência. Se essas três coisas forem alcançadas, o homem começará a olhar para o interior. E olhar para o interior ajuda extraordinariamente a olhar externamente. O mesmo poder com que o coração e os olhos estão carregados começa a se manifestar externamente. Aquele que olhar para o interior descobrirá, ao olhar para o exterior, que tudo o que existe no interior se manifestará no exterior. Sua influência será curativa e consoladora, elevará e acalmará os homens. Sua visão tornar-se-á penetrante, e tanto os seres humanos como os objetos, começarão a lhe revelar sua natureza, caráter e segredo.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Jalaluddin Rumi - Desmame-se / Tatuagem em Qazwin / O grão de bico


Pouco a pouco, desmame-se.

Isso é a essência do que tenho a dizer.



De um embrião cujo alimento vem pelo sangue,

mude para um nenê bebendo leite,

para uma criança comendo comida sólida,

para um buscador de sabedoria,

para um caçador de um jogo mais invisível.


Pense como é ter uma conversa com um embrião.

Você poderia dizer: “O mundo lá fora é vasto e complexo.

Existem campos de trigo, cadeias de montanhas

e pomares floridos.



À noite há milhões de galáxias e na luz do dia

a beleza de amigos dançando num casamento.”


Você pergunta ao embrião por que ele continua confinado

no escuro com os olhos fechados.


Escute a resposta:


“Não existe nenhum 'outro mundo'.

Sei apenas do que eu experimentei.

Você deve estar alucinando."

____________________________________


Em Qazwin, eles têm o costume de se tatuar

com tinta azul para ter boa sorte, nas costas

das mãos, nos ombros ou em qualquer parte.


Um certo homem vai ao seu barbeiro

e pede que lhe seja feito um poderoso e heróico leão azul

em sua escápula. “E faça-o com gosto!

Eu tenho ascendente em leão. Quero muito azul!”


Mas assim que a agulha começa a perfurar,

ele grita:

“O que você está fazendo?”


“O leão.”


“Com que membro você começou?”


“Comecei com a cauda.”


“Bem, deixe a cauda de fora. O rabo desse leão

está num lugar ruim para mim. Ele me dá gases.”


O barbeiro continua, e imediatamente

o homem berra.


“Ooooooooooo! Que parte agora?”


“A orelha.”


“Doutor, vamos fazer um leão sem orelhas desta vez.”


O barbeiro balança sua cabeça e mais uma vez a agulha,

e mais uma vez uma queixa:

“Que parte você está agora?”


“A barriga.”


“Prefiro um leão sem barriga.”


O mestre que está fazendo o leão

fica um longo tempo com os dedos nos dentes .

Finalmente, ele joga fora a agulha.


“Ninguém jamais foi solicitado a fazer uma coisa dessas! Criar um leão

sem um rabo, uma cabeça ou um estomago.

Nem mesmo Deus poderia fazer isso!”



Irmão, aguente a dor.

Fuja do veneno dos seus impulsos.

Os céus se curvarão ante sua beleza, se você fizer isso.

Aprenda a acender a vela. Nasça com o sol.

Afaste-se da caverna do seu sono.

Dessa forma um espinho expande-se numa rosa.

Uma partícula resplandece no universal.


O que é para ser glorificado?

Tornem-se partículas.


O que é saber algo sobre Deus?

Queime dentro daquela presença. Queime.


O cobre se derrete no elixir curativo.

Assim, derreta o seu ser na mistura

que sustenta a existência.


Você aperta suas duas mãos juntas,

Determinado a não desistir de dizer “eu” e “nós”.

Esse aperto o bloqueia.

_______________________________________


O grão de bico pula quase para fora da panela
na qual ele está sendo fervido.

'Por que você está fazendo isso comigo?'

O cozinheiro o derruba com a concha.

'Não tente pular para fora.
Você pensa que eu estou lhe torturando.
Estou lhe dando sabor,
de modo que você possa misturar-se com os temperos e com o arroz
e ser a graciosa vitalidade de um ser humano.

Lembre-se de quando você bebeu chuva no jardim.
Era para isso.'

Primeiro a graça. Prazer sexual,
então uma nova vida fervendo se inicia,
e o Amigo tem algo bom para comer.

Eventualmente o grão de bico
dirá para o cozinheiro:

'Ferva-me um pouco mais.
Bata-me com a colher.
Não posso fazer isso sozinho.


Sou como um elefante que sonha com os jardins
no Hindustão e não presta atenção
ao seu cocheiro. Você é meu cozinheiro, meu cocheiro;
você é minha passagem para a existência. Eu amo o seu cozimento.'

O cozinheiro diz:

'Eu já fui como você,
fresco da terra. Então eu fervi no tempo,
e fervi no corpo, duas fervidas ardentes.


Minha alma animal cresceu poderosa.
Eu controlei-a com práticas,
e fervi um pouco mais, e fervi
ainda mais uma vez,
e me tornei seu professor.'

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Rodney Collin - Teoria da Harmonia Consciente

(Notas relacionadas ao trabalho sobre si, baseado nos ensinamentos do Quarto Caminho)


Considerando a circulação livre como uma condição de saúde, é muito claro que uma circulação forte traga saúde e novas possibilidades para todas as partes de um organismo. Onde há constrição, a doença ataca. Penso que isso seja verdade em todas as escalas. Obviamente, é assim no corpo. Mas também é assim na nossa vida, onde o que circula é a memória. Aquelas partes ou incidentes em nossas vidas que não queremos lembrar, começam a apodrecer, e seu veneno pode se espalhar até mesmo para o presente em todos os tipos de medos e prejuízos. Por outro lado, através de plena memória do passado, o que agora entendemos e almejamos pode fluir de volta para essas partes, curar, mudar sua natureza.
Vemos a mesma coisa num grupo. Quando as idéias e os sentimentos fluem com liberdade e confiança entre todas as pessoas nele, há saúde e vida. Quando um obstáculo surge e uma pessoa se desentende com a outra e não a escuta, novamente venenos se desenvolvem, e portano, os preconceitos tem de ser derretidos ou as discussões resolvidas, antes que a circulação e o grupo possam ficar bem novamente.
Quando nos lembramos de coisas erradas que fizemos, uma espécie de inflamação desenvolve-se. Há um choque entre o que realmente fizemos e aquilo que passamos a sentir, desde então, como o correto. Nossas idéias presentes, carregadas pela corrente da memória, assim como os glóbulos brancos no sangue, encontram um lugar envenenado e tentam curá-lo. Até que façam isso, o local pode ficar muito dolorido e inflamado. Esse é um sinal de que algo está acontecendo.

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O remorso é uma coisa muito estranha. Se pudéssemos imaginar o remorso sem qualquer emoção negativa ligada a ele, poderíamos aprender muito sobre isso.
Mas esses momentos que chamamos por esse nome geralmente acontecem quando vemos a nós mesmos e os resultados de nossas ações passadas sem querer. Penso que devemos fazer isso intencionalmente, pretendendo isso. Temos de tentar lembrar de nós mesmos ao mesmo tempo, lembrar as nossas vidas em detalhe. Através de uma lembrança real e intencional veremos os resultados de nossas ações e atitudes passadas, veremos com quem estamos endividados. Eventualmente, ninguém pode mover-se a menos que suas dívidas sejam pagas. Mas antes de serem pagas, elas devem ser vistas e reconhecidas. E isso só é possível através da lembrança de si*.

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Tudo pode mudar com o tempo, sem limite, mas, provavelmente, numa determinada ordem relacionada exatamente ao pagamento do Karma.

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Eu tenho um entendimento muito forte de que só é possível sair de nossa posição pagando primeiramente todas os nossos débitos. E uma vez que, de fato, estamos em débito com todas as pessoas que já conhecemos, isso significa que temos de corrigir todas as relações na vida corrente, se isso ainda for possível, ou interiormente na nossa mente, se não for possível. Evidentemente a oração correta pode ser uma maneira de fazer isso.
Marcou muito para mim como Ouspensky, ao falar sobre seus pais, parentes ou velhos amigos, sempre recordava as suas possibilidades, seus melhores lados, o que poderiam tornar-se, e nunca lembrava algo negativo ou desagradável sobre eles. Isso também parece ligado com a mesma idéia - de tornar as pessoas melhores do que são.
Para qualquer pessoa que falasse sobre os estados superiores de consciência, ou emoções positivas, ou experiências do homem superior, Ouspensky costumava responder: "Mais tarde você vai ver...' Ou 'Ainda não. . '. ou "Nós vamos chegar a esse ponto mais tarde. . '. ou "Quando chegar a tal ponto, você. . '. sempre com o entendimento de que a pessoa poderia e acabaria por chegar às mais altas possibilidades. Dessa forma, ele tornou possível para eles fazerem isso. E desse mesmo modo, sem que se soubesse como isso acontecia, ele tirava o medo, o medo do fracasso.

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Quando as pessoas estão no caminho certo, provavelmente deveríamos perpetuar apenas aquilo que pertence à sua compreensão mais elevada. Algo relacionado com tornar as pessoas melhores do que elas são, anulando os seus lados fracos. De alguma forma, dessa maneira elas são ajudadas e a pessoa ajuda a si mesma. É bem misterioso.

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Existe alguma matemática interior de causa e efeito que invisivelmente regula a vida dos homens e nenhum sofrimento real é desperdiçado. Apenas o sofrimento imaginário é puro desperdício, levando a lugar nenhum. Sofrimento real é pagamento – pelo que, só Deus sabe, pois não conseguimos lembrar o que estamos devendo – mas é o pagamento de algo que, mais cedo ou mais tarde, deverá ser pago. Apenas não sofra mais do que é necessário, esse é o ponto. Pois sofrer mecanicamente, começar a sofrer por hábito, é começar toda a cadeia novamente. Se podemos evitar isso, mais cedo ou mais tarde o tempo difícil deve passar, e todos os tipos de novas possibilidades aparecem, as quais finalmente, então, através da provação- seremos capaz de usar.

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Alguém passa por sua vida e deixa uma imagem que você não consegue esquecer, nem encontrar conforto. Mas você não deixou tais traços na vida de alguma outra pessoa, sem se importar ou mesmo sem saber? Todo nós já não fizemos isso? Tudo deve se esgotar. Todas as dívidas devem ser pagas. Tudo o que causamos temos de sofrer, antes de podermos nos tornar livres. Portanto, aqueles que desejam a liberdade só podem dizer: 'Venha o que vier, eu vou aceitar'.
Não é porque eu tenha o direito dizer o que digo, mas sim porque foi mostrado que é assim. Nos últimos meses de Ouspensky vimos como ele aceitava estar velho, doente, feio, desamparado, com dor, mal compreendido; e realmente ele fez de tudo para impedir que os outros o confortassem, para sofrer conscientemente, para tornar mais difícil que as pessoas o compreendessem. Pois ser compreendido é o que todos os homens mais desejam, mais do que comida, conforto, até mesmo mais que a vida. E sacrificar ser compreendido pelas pessoas comuns de maneira ordinária é ao mesmo tempo tornar-se livre, e tornar possível um entendimento completamente diferente para aqueles que desejem isso. A partir dessa aceitação absoluta do que tinha de acontecer, do esforço para pagar mais, de sofrer de bom grado e pagar antecipadamente a conta apresentada pelo destino, Ouspensky tornou-se um outro homem e, em parte, vimos como isso foi feito.
Assim, enquanto que para as pessoas comuns só se pode desejar aliviar o sofrimento tanto quanto possível, para aqueles que se conectaram com este caminho de escape, só podemos dizer: "Se você puder sofrer da maneira correta, é bom. Se não puder, não importa.”

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Estou muito interessado na idéia do sofrimento voluntário e involuntário. Primeiro “sacrifique o seu sofrimento”; apenas se a vida toda é vivida de acordo com esse princípio, a idéia do sofrimento intencional parece se tornar prática. Eu acho que é quase impossível para aqueles cujas vidas estão cheias de sofrimento involuntário serem capazes de conceber o sofrimento como uma coisa positiva. Seu objetivo será sempre, e deve ser, fugir do sofrimento. Ao mesmo tempo, isso me parece um objetivo muito limitado. Eu me lembro como me chocou a primeira vez que ouvi uma certa pessoa dizer que o seu objetivo era "não sofrer". Depois eu vi que não poderia ser diferente, porque com toda a força dela, ela estava muito à mercê do sofrimento involuntário.

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O sofrimento é um fixador, como o moderante utilizado para fixar um corante. Ele tende a fixar qualquer parte da natureza do homem que esteja mais sobressalente enquanto o sofrimento está sendo suportado. Naturalmente, se for involuntário, tende a trazer com ele ressentimento, auto-piedade e assim por diante, e fixa-os. Por outro lado, se o homem se recusa a sofrer, exceto quando ele esteja fazendo esforços para um objetivo definido e sabendo o que quer, então ali ele tende a fixar o objetivo e a determinação. Isso é muito útil.

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Precisamos de sofrimento. Nós todos temos de ser purificados. E o sofrimento é o grande purificador. Podíamos desejar que ele não viesse, fosse para nós ou para aqueles a quem desejávamos crescimento e purificação mais do que qualquer outra coisa?

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Se somos pressionados duramente, é para que possamos encontrar fé e nos tornarmos livres. Nosso passado está cheio de lugares fracos, de evasões, desonestidades que pensamos que foram enterrados e esquecidos. Mas eles têm de eclodir. Às vezes é muito amargo. Agora, com essa influência forte que está brilhando sobre nós, todas as falhas estão aparecendo. Nada mais pode ser escondido. Pois tudo tem de ser firme e sólido sob o nosso trabalho. Portanto, quando somos pressionados, lutando com as consequências do passado, é realmente uma prova de que nosso trabalho está forte e correto. Significa que nos está sendo dada a oportunidade de ir mais rápido. Se todas as consequências do passado vêm à superfície é assim que podemos enfrentá-las e nos livrarmos delas de uma vez por todas. E sob uma grande pressão podemos encontrar uma fé que, no conforto, jamais precisaríamos.

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Estou certo que, de certa forma é um princípio esotérico que as gravações** têm de ser 'tornadas corretas'. Não é uma questão de esconder os erros, os dissabores ou qualquer coisa desse tipo. Mas se alguém na peça age fora do personagem, por assim dizer, a gravação tem de corrigir isso. O texto da peça tem que ser mais perfeito do que a peça em si. Como isso pode ser é praticamente impossível dizer. O Novo Testamento deve ser o exemplo perfeito: está tudo certo.

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Tive a sensação de que é preciso repassar com cuidado a nossa vida e pagar nossos débitos. E isso pareceu de alguma forma envolver pedir perdão a todos que conhecemos; pois afinal de contas, estamos em débito, de uma forma ou de outra, com todas as pessoas que já conhecemos, prejudicamos de alguma forma, seja grande ou pequena, e somos nós que devemos procurar ser perdoados de nossos débitos, se quisermos nos tornar livres para nos movermos.

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A vida é muito difícil para quem vê contradições nos outros, mas não em si mesmo.

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Enquanto algumas pessoas estão escravizadas ao ficarem culpando os outros, outras ficam igualmente escravizadas culpando a si mesmas. É a mesma coisa. A Liberdade é quando vemos a nós mesmos de forma imparcial da mesma forma que vemos um desconhecido interessante, sem elogios ou censura.

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Temos de admitir que infelicidade, experiências dolorosas e até mesmo erros óbvios, podem nos ensinar muito, e tomadas da maneira correta essas mesmas falhas e desconfortos podem ser a matéria-prima da qual a compreensão e a vontade são feitas. A reconstrução da vida de alguém não necessariamente significa que essas dificuldades devam ser evitadas. Pelo contrário, pode implicar que nós tenhamos de enfrentar as dificuldades que nesta vida temos evitado.

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É muito doloroso ver inevitavelmente que falhamos, quando sabemos que os incidentes do sono que normalmente parecem tão pequenos, não são pequenos de maneira alguma, e sim determinam toda a nossa vida. Às vezes é preciso deixar a amargura do fracasso ir fundo ao máximo e não tentar nos salvarmos dela. Ao mesmo tempo, penso que é muito importante compreender que essa é a nossa natureza, temos todos falhado neste caminho, e iremos falhar, sendo o que somos. É como se tivéssemos de engolir tudo isso, aceitar os outros por aquilo que são e a nós mesmos pelo que somos e irmos para um lugar novo além de ambos, onde possamos olhar para o mundo e para nós mesmos com uma espécie de tolerância objetiva e com carinho. Não é nesse nível, numa luta entre uma parte de nós mesmos e outra parte que a solução reside, mas em chegar além, num lugar calmo onde os dois lados pareçam igualmente pequenos e insignificantes.
Estivemos na Catedral em Florença. Você entra na porta principal e encontra todas as pessoas, os sacerdotes, os meninos do coro, turistas, agitando-se no nível do solo. Ali, cada um parece importante para si mesmo, e de fato é. Mas então, penosamente você sobe uma escada espiral escura em direção à cúpula e, finalmente, sai numa galeria que corre em volta do interior dela. De repente, toda a Igreja estende-se abaixo de você com todas aquelas pessoas pequeninas indistinguíveis umas das outras, e tanto você quanto elas estão igualmente perdidos no grande vazio que parece fazer todos os nossos pensamentos anteriores desaparecerem como inúteis. De alguma forma, essa galeria parecia significar o conhecimento de si mesmo como se é realmente, a plena consciência de si.
Mas quando tínhamos visto o máximo que podíamos suportar, emergimos numa escada oculta que subia para o topo da cúpula e finalmente saía para fora. Então, havia toda Florença, e as colinas, bosques, aldeias e paisagens distantes espalhavam-se abaixo de você debaixo do sol e do céu. Tudo o que tínhamos visto e sentido no interior da catedral, dentro de nós mesmos, mais uma vez desapareceu em relação ao grande universo. Pois essa era a realidade, e os outros apenas uma imagem dela em pedra. De modo que essa vista, bem ali debaixo da cruz, de repente parecia uma imagem da verdadeira consciência, a consciência objetiva do mundo como ele é, a liberdade.

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Quando novas tensões e forças começam a trabalhar em nós, elas causam uma revolução muito dolorosa nas profundezas de nosso ser. Para alguns, a maior dificuldade é suportar a si mesmo, e não ficar perdido em remorso. Mas aquele que aprendeu a não se levar tão a sério, não se deixa tornar fascinado por sua cólica espiritual.

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Parece uma das condições de passar para outro nível, que devêssemos sentir e reconhecer que tudo que temos feito neste nível é um fracasso total em comparação com o que deveria ter sido feito. Acho que Ouspensky realmente sentia isso e sei que ele realmente passou para um outro nível, onde tudo é possível novamente.

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Todos nós continuamente passamos da sinceridade para a pretensão, da pretensão para o remorso, do remorso para a sinceridade. Temos de observar o ciclo, mas não deixarmos nos abater por isso. É da natureza humana. Nós aceitamos, tentando olhar para isso de um ponto de vista superior, mais objetivo, mais impessoal. Culpar a nós mesmos em demasia é levar-se demasiadamente a sério. Ninguém fica desanimado por seus próprios fracassos, exceto aquele que foi vão o bastante para acreditar estar acima de toda falha.

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Remorso e amor são a mesma coisa. Remorso é amor real, ou melhor, o amor é o prazer, o remorso a dor. Se estamos realmente acordados sentimos remorso na proporção dos prejuízos que fizemos aos outros, é o pagamento.