segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

São Teófanes o Recluso - O Trabalho Interno (parte 2)


“E tudo o que fizerdes de palavra ou de ação, fazei-o em nome do senhor Jesus, por ele dando graças a Deus, o Pai.” (Col.iii.17)


Aqui São Paulo fala da terceira maneira pela qual nós provamos que nossa morada oculta é em Deus – e é ao fazermos tudo em nome do Senhor. Quanto aos outros dois métodos, através do primeiro – a leitura das Escrituras e a assimilação das verdades reveladas que elas contêm – nós banimos as imaginações vãs e impuras e preenchemos a nossa mente com bons pensamentos, totalmente concernidos com as coisas divinas; e por meio do segundo – a oração – nós estabelecemos em nós mesmos o hábito de lembrar de Deus sempre e de caminhar continuamente em Sua presença. Ambos os métodos mantêm nossa atenção e nossos sentimentos absorvidos em Deus. Parece, talvez, que isso deveria ser o bastante? Parece que sim mas não é. Se apenas esses dois métodos forem usados eles não nos levarão ao objetivo que desejamos. O homem não é apenas pensamento e sentimento, mas acima de tudo ele é ação. Ele está sempre se movendo, constantemente ativo. Mas toda a ação envolve atenção e sentimento. O homem que age fica totalmente envolvido em sua ação. Consequentemente, o homem que busca a Deus descobrirá que por causa de certas coisas ele não pode evitar de fazer, ele inevitavelmente irá desviar-se de Deus em seu pensamento e depois do pensamento em seu sentimento. As ocupações baixam-no do céu para a terra, ou levam-no de sua reclusão em Deus para os relacionamentos externos com outros seres humanos. Pois nossas ocupações são quase todas visíveis, uma vez que são desempenhadas entre nossos semelhantes e entre as coisas dos sentidos. Segue-se disso que se as ocupações de um homem não são dirigidas de maneira que permitam-no manter sua vida reclusa em Deus, os dois primeiros métodos permanecerão infrutíferos e se tornará até mesmo impossível para ele praticá-los como deveria. As ocupações continuam nos distraindo – mesmo a prática de estudar as Escrituras Sagradas e a prática da oração. E assim o Apóstolo, na passagem que foi citada, nos ensina como transformar todas as nossas ações num meio de preservar nossa vida secreta em Deus: isso pode ser alcançado ao “fazer tudo em nome do Senhor”. Se conseguirmos nos sintonizar dessa maneira, não nos afastaremos do Senhor nem em pensamento nem em sentimento. Pois fazer tudo em nome do Senhor significa fazer todas as coisas em Sua glória, desejando agradá-Lo, tendo entendido a Sua vontade corretamente até mesmo em algum assunto trivial. Nisso os membros do corpo, como ferramentas, irão fazer o trabalho e os pensamentos e sentimentos serão voltados na direção do Senhor, ansiosos para executar sua tarefa de uma maneira que agrade a Deus e que seja obediente à Sua glória.

Esse método é mais efetivo do que os outros dois para assegurar nosso propósito, o sucesso nos dois primeiros depende do sucesso no último. Pois os dois primeiros são mentais em caráter e o que é da mente entra em nosso ser todo através da ação. Quando nossa ação é santificada por sua dedicação a Deus, então no processo de desempenhá-la, um certo elemento divino entra em todos os órgãos e poderes que participam do trabalho. Quanto maior o número de tais ações, mais serão os elementos divinos entrando no ser de um homem. E, posteriormente, eles preenchem-no completamente de modo que toda sua natureza é imersa no divino e passa a habitar em Deus. Gradualmente, conforme essa orientação vinda de Deus é estabelecida, a oração e a adoração de Deus, acompanhadas por pensamentos do que é bom, tornam-se mais firmemente estabelecidos também. A oração e a adoração influenciam o trabalho sendo feito pela glória de Deus e por estarmos residindo no divino, como recompensa nossas próprias ações são adornadas com maior força e efetividade.

São Paulo abarcou todas as nossas atividades em dois termos: palavra e ação. As palavras são proferidas pela boca, as ações são realizadas por outros membros. Desde o momento que acordamos até o momento que adormecemos estamos continuamente engajados em ambos. Nossa fala prossegue quase sem parar, enquanto que os vários movimentos do corpo continuam incessantemente. Que oferenda rica para Deus seria se tudo isso pudesse ser dirigido à Sua glória! Ao fazermos nossa fala servir a glória de Deus, não apenas o falar maligno é banido mas também o falar desnecessário e a conversa fiada; apenas um tipo de fala permanece – aquele que serve para edificar nossos irmãos ou que pelo menos não lhes traz nenhum dano. Deveríamos também consagrar nosso discurso a Deus ao recitar orações. Ademais, ao voltar nossas ações para a glória de Deus, não apenas podemos nos livrar das más ações provenientes da luxúria ou da irritação, mas também somos capacitados a ver em que espírito deveríamos realizar tais ações conforme sejam permissíveis, necessárias e úteis. Isso livra nossas ações de toda aliciação do ser para fins desonestos e de toda servidão ao mundo e seus maus caminhos.

Fazer tudo em nome do Senhor significa voltar tudo para Sua glória, tentar realizar tudo de tal maneira a agradá-Lo, consciente de que é Sua vontade. Significa também circundar toda a ação de orações a Ele, começar a ação com oração e terminá-la com oração; quando começarmos, pedir Sua bênção, conforme prosseguirmos, rogar por Sua ajuda e quando terminarmos, dar graças a Ele por completar Seu trabalho em nós e através de nós.


Aprenda a desempenhar tudo o que você faz de tal maneira que isso aqueça o coração em vez de esfriá-lo. Seja lendo ou orando, trabalhando ou falando com os outros, você deveria firmar-se à esta meta – não deixar o seu coração esfriar. Mantenha o seu forno interno sempre quente recitando uma prece curta e vigie seus sentimentos caso eles dissipem esse calor. As impressões externas muito raramente estão em harmonia com o trabalho interno.


Algumas vezes as paixões são destruídas dentro de nós através de nossos próprios esforços mentais e ativos, algumas vezes por nosso diretor espiritual e às vezes pelo próprio Senhor. Já foi dito que sem a luta mental interna nossos esforços externos não podem ter êxito. O mesmo é verdade com relação aos esforços que fazemos sob a orientação de um diretor e também da purificação operada pela Providência. A luta interna deveria portanto ser contínua e incessante. Por si mesma ela não é muito forte, mas quando está ausente, todos os outros meios são ineficazes e sem utilidade. Aqueles que trabalham ativamente e aqueles que sofrem, aqueles que choram e aqueles que obedecem as regras imposta a eles – em todos os grupos igualmente, muitos pereceram e estão perecendo agora porque não se engajaram na batalha interna, guardando suas mentes e corações.

Lembre-se do que dissemos sobre o valor positivo do trabalho interno – que é o trabalho interno que dá a todas as nossas atividades externas o seu propósito e sua eficácia. Isso nos mostra o quanto o trabalho interno é importante: tornar-se-á claro para todos que ele constitui o ponto de partida, a base e a meta de todos os tipos de esforços espirituais e ascéticos.

Toda a nossa tarefa pode ser reduzida à regra seguinte: coletando a si mesmo em seu interior, recobre sua consciência de si espiritual, ponha-se a trabalhar internamente, e, preparado dessa maneira, pratique as tarefas externas impostas a você seja pelo seu diretor espiritual ou pela Providência. Mas enquanto fizer isso você deve observar e notar com uma atenção rigorosa e inabalável tudo o que surgir dentro de você. Assim que alguma paixão for despertada, cace-a e golpeie-a, tanto mental como ativamente, não esquecendo de reacender dentro de si e aumentar o calor do espírito da contrição e do pesar por seus pecados.

É sobre isso que toda a atenção do gladiador espiritual deveria ser dirigida. Dessa forma, através de contínua concentração ele irá impedir-se de ser distraído e irá como que montar no lombo de sua mente. Conforme seguir esse caminho interno sempre vigilante com relação a si mesmo, ele aprenderá a virtude da sobriedade.

Agora você pode entender por que os gladiadores espirituais sempre consideraram a sobriedade como a principal virtude em todo o trabalho espiritual e por que eles consideram aqueles que carecem dela como estéreis.


Cada homem, portanto, deve treinar a si mesmo e instilar em si mesmo as verdades contidas nas palavras de Cristo, de modo que elas possam entrar e habitar dentro dele. Com esse propósito em vista ele deveria ler e refletir sobre elas e consigná-las à memória, ele deveria aprender a estar internamente em simpatia com elas, sentindo um profundo amor por elas e então deveria colocá-las em prática. Essa última ação é toda a meta da auto-educação. Enquanto isso estiver faltando não podemos dizer de um homem que ele instruiu-se, mesmo que ele saiba as palavras de Cristo de cor e tenha um bom raciocínio. É precisamente por carecerem disso que São Paulo censurou os Judeus em sua Epístola aos Romanos: “ora tu, que ensinais aos outros, não ensinas a ti mesmo?” (Rom.ii.21). Se um homem prega Cristo mas não vive ele mesmo Nele, então a palavra de Cristo não entrou nele.


É claro que qualquer tipo de educação vinda dos outros apenas traz frutos quando é combinada com o ensinamento do próprio homem a si mesmo. Cada um deve fazer-se perceber o sentido daquilo que lhe é ensinado, de modo que após ouvir ou ler algo ele se persuada não apenas a pensar exatamente daquela maneira, mas também a sentir e a agir. Pois a palavra de Cristo entra num homem para habitar nele apenas se ele tem êxito em persuadir-se a acreditar e a viver de acordo com ela.


De fato, um homem é insensato se ele lê diligentemente as palavras de Deus mas falha em ponderar sobre elas, não fazendo-se sentir o seu significado e não praticando-nas em sua própria vida. Pois assim a palavra de Deus flui por ele como a água numa sarjeta, sem entrar nele e não deixando nenhuma marca. Podemos conhecer todo o Evangelho e todas as Epístolas de cor e ainda assim não ter a palavra de Deus habitando internamente, porque não as estudamos da maneira correta. Portanto, um homem age tolamente se alimenta apenas a sua mente com a palavra de Cristo e não se preocupa em trazer seu coração e sua vida em correspondência com ela. Então ela fica nele como areia jogada em sua cabeça e memória, que fica lá morta em vez de viva. A palavra de Cristo vive apenas quando passa para o sentimento e para a vida, mas em tal homem isso não ocorre e portanto não podemos dizer que a palavra de Cristo habita nele.


Apenas Deus e a alma: isso é ser verdadeiramente um monge. Mas como podemos atingir isso? Através de qualquer maneira que você prefira, contanto que você de fato alcance isso, pois enquanto um homem não atingiu esse estado, ele ainda não é um monge.


O que realmente significa ser um recluso? Significa que a sua mente, encerrada no coração, coloca-se diante de Deus com reverência e não sente nenhum desejo de deixar o coração ou de ocupar-se com qualquer outra coisa. Busque esse tipo de reclusão e não se preocupe com o outro. Mesmo atrás de portas fechadas podemos vagar pelo mundo ou deixar o mundo inteiro invadir nosso aposento.


Como você poderia ordenar-se internamente de modo a desfrutar da paz da alma? Assegure para si mesmo a solidão interior. Mas tal solidão não é um mero vácuo, nem pode ser adquirida simplesmente ao criarmos um vazio completo em nós mesmos. Quando você se retirar para dentro de si mesmo, você deveria ficar diante do Senhor e permanecer em Sua presença, não deixando os olhos da mente se desviarem do Senhor. Essa é a verdadeira solidão – ficar face a face com o Senhor. Esse estado de estar diante do Senhor é algo que dá suporte e que mantém a si mesmo. Estar com o Senhor é a meta de nossa existência e quando estamos com Ele não podemos deixar de experimentar um sentimento de bem estar, esse sentimento naturalmente atrai a nossa atenção para si e através disso para o Senhor, de quem o sentimento vem.


O residir de nossa alma com o Senhor, que é toda a essência do trabalho interno, não é algo que depende de nós. O Senhor visita a alma e a alma habita com Ele. A alma regozija-se com Ele e Ele preenche-na com calor espiritual. Então o Senhor se afasta e de imediato a alma fica vazia, não está de modo algum em seu poder fazer o Bom Visitante das almas retornar. O Senhor se afasta para colocar a alma em teste, ou algumas vezes para puni-la, não tanto pelas transgressões externas mas por algum mal interior ao qual a alma garantiu admissão. Quando o Senhor se afasta para colocar a alma em teste, Ele prontamente retorna outra vez quando ela começa a chamar por Ele. Mas quando se afasta como uma punição, Ele não retorna logo – não até que a alma tenha percebido o pecado que cometeu, tenha se arrependido, tenha chorado por isso e feito penitência.