quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Jalaluddin Rumi - Trechos do Masnavi


Um príncipe do Egito apaixonou-se ardentemente por uma donzela pertencente ao chefe de Mausil ao ver o seu retrato, e enviou um exército para toma-la à força. O exército conseguiu captura-la e iniciou a marcha de retorno, porém, no caminho, o comandante do exército apaixonou-se pela donzela, que por sua vez retribuiu sua afeição. Quando chegaram ao Egito, ela foi entregue ao príncipe, mas imediatamente não simpatizou-se com ele, pois ele não era nem de longe tão viril quanto seu amado comandante. O príncipe descobriu seu segredo e, embora pudesse, com razão, ressentir a traição do comandante, conteve-se e mostrou a verdadeira virilidade na “grande guerra”, perdoando sua falta e unindo-o à donzela a quem ele estava tão afeiçoado.


Alguém fez a seguinte pergunta a um filósofo:
“Ó sábio, o que é verdadeiro e o que é falso?”
O sábio tocou sua orelha e disse: “Isto é falso,
Mas o olho é verdadeiro e o que ele informa é certo”.
O ouvido é falso em relação ao olho,
E a maioria das afirmações estão relacionadas ao ouvido,
Ou seja, estão baseadas em rumores.


Se um morcego desvia seus olhos do sol,
Seu próprio horror do sol dá-lhe uma ideia do sol,
Essa ideia afugenta-o para a escuridão.
Essa ideia de luz aterroriza-o,
E faz que ele agarre-se à noite escura.
Assim também é a sua ideia de seu terrível inimigo
Que faz você agarrar-se aos seus amigos e aliados.



Ó Moisés, suas revelações lançaram glória sobre o monte,
Mas aquele aterrorizado não suportou suas realidades. (ref. Alc. VII.143)
Não seja orgulhoso, saiba que você deve primeiro suportar
A ideia da Verdade para assim chegar à Ela.
Ninguém fica assustado pela simples ideia da luta,
Pois “não é preciso coragem antes que a luta comece”.
Na mera ideia da luta, um covarde pode imaginar-se
Atacando e defendendo-se como um Rustam.
As imagens de Rustam na parede de um banho
São semelhantes às ideias de luta de um covarde.
Mas quando essas ideias são testadas pela visão real,
O que acontece ao covarde? Sua bravura desaparece!

Esforce-se, então, para avançar do ouvir para o ver;
O que o ouvido lhe disse falsamente, o olho lhe dirá com verdade.
desse modo, também o ouvido adquirirá as propriedades de um olho.
Seus ouvidos, agora inúteis como lã, se converterão em pedras preciosas;
Ou ainda, todo o seu corpo se transformará em um espelho,
Será como um olho ou uma gema brilhante em seu peito.
Primeiro, o ouvir dos ouvidos permite que você forme ideias,
Depois, essas ideias o guiarão para o Amado.
Esforce-se, então, para aumentar o número dessas ideias,
Para que elas possam guia-lo, como a Majnum, para o Amado.



Voltando à história, esse príncipe fez papel de tolo e dedicou-se na companhia da donzela. Ó príncipe, ainda que seu domínio se estenda do Oriente ao Ocidente, no entanto, como ele não perdura, considera-o transitório como um relâmpago. Sim, ó coração adormecido, saiba que o reino não dura eternamente, que não passa de um sonho. Até quando você vai se entregar a essa vã ilusão que pegou-lhe pelo pescoço como um carrasco!
Saiba que até mesmo neste mundo existe um lugar de refúgio, não dê ouvidos ao descrente que o nega. Seu argumento é o seguinte: ele repete sem cessar: “Se houvesse algo depois desta vida, haveríamos de vê-lo”. Mas se a criança não vê o estado de razão, deve por isso o homem de razão abandonar a razão? E se o homem de razão não vê o estado de amor, acaso a abençoada lua do amor se eclipsa por isso? A beleza de José não era visível a seus irmãos, estava por isso oculta aos olhos de Jacó? Os olhos de Moisés consideravam sua vara um pedaço de pau, mas o olho divino a via como uma serpente mortal. O olho da cabeça discordava do olho divino, mas o segundo prevaleceu e deu provas convincentes. Aos olhos de Moisés, sua mão parecia uma simples mão, mas ao olho divino, parecia uma luz flamejante.



Esse tema em sua totalidade é interminável, mas para o descrente é uma mera ideia fantasiosa. Para ele, as únicas realidades são a luxúria e a gula; portanto, não lhe fale dos mistérios do Amado. Para nós, crentes, a luxúria e a gula são apenas ideias, por isso, contemplamos sempre a beleza do Amado. A todos os homens cujo credo é a luxúria e a gula aplica-se o texto: “Tendes vossa religião e eu tenho a minha” (Alc.CIX.6). Diante de negações como essas, abrevie o seu discurso: “Ó Ahmad, diga pouca coisa a um velho adorador do fogo”.




Se faltava ao príncipe a masculinidade dos asnos,
No entanto, ele possuía a verdadeira masculinidade dos profetas.
Renunciou à luxúria, ao ódio e à concupiscência,
E mostrou-se ser um homem da linhagem dos profetas.
Embora lhe faltasse a virilidade dos asnos,
Deus considerava-o um senhor de senhores.



Que eu esteja morto, com tanto que Deus me olhe com favor!
Estarei melhor do que os vivos que são rejeitados por Deus;
O primeiro tipo de masculinidade é o cerne da virilidade,

o segundo, apenas a casca;



O primeiro nasceu para o Paraíso, o segundo, para o inferno.
O Profeta diz: “O Paraíso está ligado à tribulação,
Mas o fogo do inferno segue à indulgência na luxúria”.



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Existem muitas pessoas com seus olhos abertos
cujos corações estão fechados. O que elas vêem?

Matéria.

Mas alguém cujo amor está alerta,
mesmo que seus olhos vão dormir,
estará despertando milhares de pessoas.
Se você não é um desses amantes repletos de luz,
restrinja a intensidade de seu corpo-desejo.
Coloque limites em quanto você come
e quanto você deita.

Mas se você está desperto aqui no coração,
durma longa e profundamente.
Seu espírito estará perambulando e trabalhando,
até mesmo no sétimo nível.

Maomé diz: “Fecho meus olhos e descanso no sono,
mas meu amor jamais precisa de repouso."

O guarda no portão cochila.
O rei permanece desperto.

Você tem um rei internamente que escuta
aquilo que deleita a alma.
A vigilância do rei
não pode ser descrita num poema.

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Quebre a casca de seu ser pessoal
para saborear a história da amêndoa da alma.

Essas vozes vêm daquele chacoalhar da castanha.
A amêndoa e o óleo que estão dentro
têm vozes que só podem ser ouvidas
com um outro tipo de audição.

Se não fosse pela doçura da amêndoa,
a conversa interior, quem jamais chacoalharia a castanha?

Escutamos as palavras para que possamos silenciosamente
alcançar dentro do outro.

Que o ouvido e a boca fiquem em silêncio,
de modo que esse gosto venha aos lábios.

Por muito tempo temos dito poemas,
dado discursos, explicado mistérios em voz alta.

Vamos agora tentar esse experimento mudo.

domingo, 28 de agosto de 2011

Siddharameshwar Maharaj - Compreendendo o Conhecimento do Ser



Brahman é rico em Conhecimento. É por isso que Ele é chamado de Vedo Narayana (Deus do Conhecimento). Ele conhece todos os três momentos (o início, o meio e o fim) e Ele tem a característica de Sandhya, que é o espaço entre dois pensamentos. Ele é adorado por todas as pessoas e dessa forma é chamado também de Senhor da Terra (Bhudeva). As pessoas de todas as castas e credos adoram este Deus estando elas cientes disso ou não. O adorador pode ser um hindu, um muçulmano, um cristão, um jainista, um zoroastrista ou um budista. Pode ser de qualquer país, pode ser qualquer pessoa, ainda assim ele adora esse Deus Uno. Ele não pode evitar isso.


Quando esse Deus está com fome, todos os tipos de comida e bebida são oferecidos a Ele. Há camas com travesseiros deixadas prontas para Ele dormir. Se ele tiver vontade de viajar, há carros, aviões e muitos outros tipos de transporte para Ele. Para provê-Lo com guirlandas cheirosas, existem muitas árvores e trepadeiras que florescem carregadas de flores. Todos os serviçais e atendentes estão prontos para obedecê-Lo com as mãos em prece. A esposa, os filhos e os palácios são para o Seu entretenimento e são também sua morada. Deus está residindo no local mais íntimo do coração de todos os seres e está recebendo todos os diferentes tipos de serviços que são realizados para Ele. A despeito de Sua onipresença e grandeza, consideramos o corpo como sendo Deus e oferecemos todos os tipos de serviços a ele. As pessoas ignorantes aceitaram essa ideia errônea e compreenderam errado toda a questão. Foi essa ideia que separou Deus de Seu devoto. Que impressionante é esse fato!


Aqueles que estão fazendo alguma ação estão fazendo-a por nenhuma outra razão além de oferecer adoração a Ele. Esse Grande Deus (Mahadeva) está constantemente desfrutando o banho de todos os objetos dos sentidos na forma de sons, formas, do toque, do gosto e cheiro. Ele recebe tudo que é da natureza dos cinco instrumentos dos sentidos de ação e dos cinco instrumentos de conhecimento. É realmente glorioso aquele devoto que compreende o segredo desse Grande Deus, Mahadeva. Todos os atos naturais de tal devoto são dedicados a Brahman.


As abelhas, os pássaros, os insetos e as formigas estão realizando sua adoração a esse Deus. Entretanto, eles não têm o intelecto para entender isso, e desse modo não podem ser culpados por sua ignorância. Porém, é lamentável, de fato, que o ser humano inteligente não compreenda que todas as suas ações diárias e ocasionais, são apenas por causa desse Deus Um. Quão profundamente lamentável é isso.


Esse Deus é o mesmo que o “Rei do Conhecimento” que enquanto engole um bocado de comida saboreia e aprecia-o. É Ele que discrimina entre o perfume e o fedor. É Ele que entende que som é prazeroso aos ouvidos e que som é desagradável. É Ele que observa a diferença entre uma forma bela de uma ameaçadora e feia. É Ele, novamente, que sente e compreende um toque suave e um toque rijo. Ele está sempre presente, reinando de maneira suprema no coração de todos os seres. Quão mal direcionada e errônea é então a ideia de adorarmos qualquer outro deus além Deste.


Pense apenas em que Deus é adorado quando os cristãos adoram Cristo, quando os hindus adoram Vishnu ou Shiva, quando os zoroastristas adoram seu Zoroastro ou quando os budistas adoram seu Buda? Eles não estão apenas adorando os cadáveres de todos esses mencionados deuses? Entretanto, qual é o sentimento do devoto que está realizando a adoração? Pergunte a qualquer pessoa de qualquer religião: “Descreva o seu Deus” e eles responderão: “Meu deus é Consciente, é todo Luz, é Sólido, Onisciente, Onipresente, e Onipotente. Ele anima a tudo e é o proprietário de tudo. Ele é sem nascimento e sem morte”. Você acha que algum deles diria que seu Deus é uma pedra ou uma rocha, ou barro, ou metal, ou que ele é pesado, insensível e sem consciência, ou que é fraco, cego ou surdo?


A partir disso fica claro que seja Cristo, Vishnu, Buda, Zoroastro, ou qualquer deus que seja, sua natureza será cheia de Consciência e ele será cheio das “Qualidades de Deus”. Se alguém possui todas essas qualidades, então a indicação é que “Ele é o Paramatman Absoluto”. Ele é “Vasudeva” na forma do “Conhecimento” que está presente no coração de todos. É apenas esse Deus que habitava no coração de Maomé e de Cristo. Através desse mesmo Deus, a qualidade de Vishnu (O Protetor) foi sustentada e não através de nenhum outro deus. No caso de qualquer devoto, não importando quem seja ele, ou qual deus ele adore, essa adoração é a adoração desse “ Ser Interior Uno”. A reverência prestada a qualquer outro deus, vai para esse Único Deus, Keshava (a Natureza de Nosso Próprio Ser) apenas. Essa é a “Verdade Absoluta”. A forma de todos esses deuses acima mencionados são apenas templos desse “Deus Uno”, Atmadeva. Todos os nomes pertencem aos Seus templos. Ele está presente na região mais interna de todas essas formas. Ele encontra-se nas formas de todos os seres e aceita todas as suas adorações.


Quaisquer ações que sejam feitas pelo corpo grosseiro e quaisquer imaginações e desejos, conceitos e dúvida que passam pela mente, acontecem por causa desse Deus, para agradá-Lo. Se você reconhece esse tanto, seu trabalho está feito. Você sempre está fazendo algo através do corpo ou da mente. Mesmo se você disser: “Não quero fazer”, você não pode deixar de fazê-lo. Entretanto, em qualquer que você faz, o fazedor e aquele que desfruta do resultado das ações é somente Deus (O Ser). Esse fato apenas deve ser reconhecido em cada movimento.


Todos os atos, auspiciosos e não auspiciosos, tornam-se dessa forma dedicados a Brahman e o aspirante fica totalmente livre. É isso que é chamado de “Dnyana Yadnya”, o “Sacrifício através do Conhecimento”. Quando você vir ou ir, falar ou engolir um bocado, quando der ou receber, sentar ou levantar, quando fizer qualquer ação em casa ou fora, ou mesmo quando estiver na cama desfrutando de uma relação sexual, deixe a vergonha de lado e pense apenas em Deus.


Está explicado no parágrafo acima como o “Conhecimento Uno” sozinho está atuando todos os papéis. Contemplar nesse ponto significa contemplar a Deus. A consciência-corpo deve ser transformada em consciência do Ser (ou Autoconsciência). A decisão de que o Ser apenas está fazendo tudo, é em si o estado de Liberação. Esse é o conselho dado por Samartha Ramdas. Até mesmo o Santo Tukaram pediu por essa bênção de Deus. “Possa eu nunca, nunca, esquecer de Ti”. Da mesma forma, jamais deveríamos esquecer o Ser. Assim a salvação certamente estará a seus pés. Do mesmo modo que esse cabo, na forma da mente, foi enrolado para o lado da consciência-corpo, ele deve agora ser enrolado na direção oposta - a da Autoconsciência (ou Consciência do Ser). Então o cabo será desenrolado, as cordas serão tocadas pelo vento e não restará nada para ser chamado de “cabo”.


Quando um parafuso é parafusado, ele deve ser girado na direção oposta para sair. Similarmente, no que diz respeito à consciência-corpo, se a mente que é guiada pelo intelecto for direcionada para Deus, o Senhor Rama (a Consciência), ela torna-se absorvida em Rama. A própria mente torna-se Rama e não sobra nada na forma de mente, dentro ou fora, ou em parte alguma, e ela torna-se uma com a forma de Rama. Siga este conselho e você verá por si mesmo.


terça-feira, 23 de agosto de 2011

Meher Baba - Os Segredos do Trabalho Divino

A vida apresenta frequentemente enigmas que não podem ser desvendados pelas pessoas comuns. Ela parece ser cheia de perguntas que não têm respostas. Um caos desenfreado parece ser a lei do mundo e parece não haver nenhuma justiça ou significado na marcha de seus eventos. Mesmo aqueles que creem em Deus são levados à perplexidade e vacilam em sua fé. Mas isso é apenas impaciência e falta de verdadeira visão que são os responsáveis por tal percepção da vida. Nós abraçamos a ignorância e não vemos que qualquer coisa que a vida traz está carregada de grande significado. As maneiras de Deus são sempre incontestáveis e impossíveis de serem resistidas, embora possam ser misteriosas e inescrutáveis. Os segredos de Seu trabalho no mundo não podem ser verdadeiramente entendidos nem mesmo por almas avançadas.
Isso pode ser ilustrado por meio de uma anedota de um grande Santo, o qual é muito respeitado até os dias de hoje em todos os cantos do mundo. Certa vez, esse Santo encontrou um anjo e solicitou-lhe que ele lhe concedesse a sua companhia em suas andanças na terra, para que ele pudesse entender alguma coisa sobre os trabalhos secretos de Deus. O anjo prontamente lhe concedeu a permissão para estar com ele e observar todas as suas ações na terra, mas colocou sua estrita condição nas palavras seguintes: "Você pode apenas observar meus feitos (em qualquer momento e quaisquer que forem eles), sem me perguntar por explicações de minhas ações. Você não seria capaz de julgar e entender as maneiras de Deus. Mesmo se não for capaz de compreendê-las, você não deve me perguntar o porquê de tudo o que você me ver fazer enquanto estiver comigo." O Santo prometeu que iria apenas observar e que não iria importuná-lo com qualquer pergunta mesmo se tais questões surgissem em sua mente. Só então ele foi autorizado a seguir o anjo em suas andanças pela terra.
Em um dado momento, eles entraram em um barco para cruzar o mar. O barqueiro ofereceu seus serviços a eles sem cobrar-lhes sua tarifa usual, pois desejava ajudá-los. Quando o barco estava no meio do oceano, o anjo tirou uma tábua lateral da estrutura do barco e jogou-a na água. O Santo imediatamente ficou preocupado e exclamou: "por que você está danificando o barco? Não iremos todos naufragar junto com o barco?" O anjo lembrou-lhe que ele tinha concordado em não fazer perguntas e pediu-lhe para manter-se quieto. Após o desembarque, eles encontraram um jovem árabe. Para a perplexidade absoluta do Santo, o anjo matou o jovem ali mesmo no local. O Santo achou muito difícil ficar quieto e perguntou agitadamente: "Por que você matou aquela vida em crescimento?" Nesse momento o anjo respondeu: "Eu não lhe disse que você não seria capaz de compreender o trabalho de Deus? Você deve manter-se fiel à sua promessa de fazer nenhuma pergunta". O Santo percebeu que não tinha conseguido cumprir a condição que havia aceitado e quis ser perdoado.
Em seguida, chegaram a uma aldeia onde pediram que os aldeões lhes dessem alguma comida. Mas os moradores apenas os trataram desdenhosamente e mandaram-nos embora sem dar-lhes esmolas. Quando chegaram na periferia da aldeia, viram um muro delapidado em ruínas que se destinava a proteger a vila de invasões de inimigos. O anjo foi até o muro e reparou-o, gastando muito de seu valioso tempo. Novamente, o santo não pôde conter-se e perguntou: "por que você reparou esse muro para os moradores que não deram nem mesmo esmolas para nós? Você fez este trabalho de amor por nada. Por um trabalho assim na aldeia, facilmente teríamos conseguido remuneração suficiente para adquirir alimentos e dissipar nossa fome." O anjo respondeu: "você fez uma pergunta novamente, apesar do ter prometido apenas observar e ficar quieto. Não adianta divulgar os segredos dos caminhos de Deus prematuramente. É requerido a grandeza e a paciência de Deus para se compreender o Seu trabalho. Você tentou bisbilhotar nos segredos de Deus, os quais não se deve divulgar. Agora é hora de nos separarmos. Mas tudo bem, antes de nos separarmos vou explicar as razões de meus atos. O barqueiro é um homem pobre e piedoso. Quando tirei uma tábua do lado do barco de um lugar importante de sua estrutura, eu sabia que um rei dos ladrões estava aproximando-se naquela direção. Esse rei ladrão estava coletando barcos novos e eficientes para exercer seus roubos e toda vez que via um bom barco, ele os tomava de seus proprietários. No entanto, ele deixava intocados quaisquer barcos que estivessem quebrados ou em ruínas. Eu tirei uma enorme tábua da lateral para que o barco não parecesse atrativo. Caso contrário, esse barqueiro piedoso e pobre seria privado do único meio para sua subsistência. Agora, o jovem árabe que matei era notório e vicioso. Se tivesse vivido, ele não apenas teria perpetrado crimes hediondos, mas certamente teria trazido uma blasfêmia agonizante sobre seus piedosos pais, os quais não mereciam isso de maneira nenhuma. Foi a vontade da providência divina que eu devesse matar esse jovem árabe para salvá-lo de novos pecados e salvar seus pais do sofrimento de uma imerecida má-fama. Agora, a respeito da reparação do muro, saiba que um homem piedoso enterrou sob ele seu valioso tesouro com o desejo de que ele pudesse ser de uso para seus filhos. Mas, é a vontade de Deus que seus filhos obtenham esse tesouro quando crescerem e que ninguém além deles obtenha-o. Se a parede em ruínas tivesse caído, o tesouro correria o risco de ser exposto à vista dos aldeões mal intencionados, que certamente teriam tomado posse desse tesouro para si. Tenha certeza de que tudo o que fiz, que foi seu privilégio especial poder observar, não foi de meu próprio acordo ou iniciativa, mas por ordens do nosso Pai Divino cuja grandeza real até nós anjos podemos entender apenas parcialmente. As maneiras de Deus podem ser inescrutáveis para o mundo, mas Seu amor pelo mundo é ilimitado e Sua justiça é infalível." Com essas palavras o anjo partiu, deixando o Santo em profunda contemplação. E o Santo decidiu viver em completa resignação à vontade de Deus, mesmo quando seu intelecto limitado não pudesse entender seu significado real.
Aqueles com visão clara veem o significado de tudo que a vida traz nos termos da irresistível lei de verdade. Eles aceitam a vida como ela é sem amargura ou insatisfação. Para eles, a verdade que veem e percebem é o suficiente. Está totalmente justificado. Os mestres muitas vezes são cheios de louvores para o valor e a glória daquela Verdade que eles realizaram. Eles dizem para as pessoas materialistas: "Só a Verdade tem valor. Deixe todas as suas falsas buscas e atinja a Verdade por si mesmo, assim como nós a atingimos. Não há nenhuma necessidade de desespero e nenhuma desculpa para você adiar o esforço para chegar à Verdade".
Isso funciona como um homem rico que pressiona as pessoas atingidas pela pobreza a ganharem dinheiro e incentiva-as através de seu próprio exemplo. Os louvores que um homem rico profere a riqueza justificam-se, porque incentivam as pessoas pobres a tornarem-se industriosas e a tornarem-se ricas. Da mesma forma os louvores que o mestre profere referentes ao valor supremo da Realização de Deus também justificam-se pois inspiram e encorajam os outros a procurarem e empenharem-se na luta pelo estado mais elevado. Eles louvam a Realização de Deus para incentivar as outras pessoas que estão aprisionadas e não para si próprios.
O mundo, por vezes, louva as pessoas ricas. Mas realmente falando, ele não louva essas pessoas, mas apenas a sua riqueza. Da mesma forma, o mundo louva os mestres que estão estacionados na Verdade mais suprema. Mas ao fazê-lo, o mundo não está realmente louvando os mestres por si mesmos, mas apenas a Verdade que eles têm. Não há nenhuma razão para que o mundo inveje seus louvores. Quanto aos mestres, eles aceitam elogios e censuras com a mesma serenidade. Para eles, louvor e censura são iguais. Eles são extremamente indiferentes a ambos, entusiasmando-se apenas com seu dever divino de ajudar os homens a atingirem a Verdade ao renunciarem a todos os desejos.
Quando a mente do homem torna-se consciente de sua escravidão para com as ânsias correntes a que está sujeita, surge aí uma nova força, a aspiração espiritual para realizar esse estado ilimitado que é como um sono consciente. Tal aspiração é como uma brisa que cria o fogo pela União com outras coisas. A geração dessa energia dinamicamente criativa é simbolizada pela chama crescente da consciência. Por isso, adorações e orações são oferecidas ao fogo em muitas religiões. Deus como o Sol da Luz jamais pode ser realizado exceto através do fogo da aspiração da consciência esforçada. Os mestres estão constantemente ventilando o fogo da aspiração espiritual. Essa é a verdadeira adoração e consagração da vida a Deus como a Verdade. A tarefa divina dos mestres é impenetrável para aqueles que desejam compreendê-la em termos do mundo, porque ela contrabalanceia diretamente as inclinações vigentes pelas quais o mundo é rigorosamente controlado. O trabalho Divino às vezes parece implacável e inexplicável. Seu significado não pode ser compreendido por aqueles que estão imersos no mundo.


Do sofrimento a paz

Há sofrimento na vida. Ele pode degradar ou elevar o homem de acordo com a forma na qual ele defronta-se com isso e do uso que ele faz disso. Se for inteligentemente compreendido e tratado radicalmente e não apenas superficialmente, o sofrimento traz em sua esteira aquela compreensão que conduz à felicidade. Pois, em vez de apenas reclamar do sofrimento, o homem, então, passa a remover radicalmente a ignorância profundamente arraigada que inevitavelmente traz tal sofrimento. Quando o sofrimento conduz à felicidade verdadeira e eterna ao convidar a nossa atenção para a Verdade, ele não deve ser evitado. As lições que ele traz não deveriam ser desprezadas. Elas deveriam ser enfrentadas de frente. Você deve reunir a coragem para atacar a ignorância da qual brota tal sofrimento. É para eliminar o sofrimento que sofrimento surgiu.
As pessoas sofrem porque não estão satisfeitas. Elas querem mais e mais. A ignorância dá origem à ganância e à vaidade. Se você não desejasse nada você não sofreria. Mas esse não é o caso, você quer alguma coisa ou outra. Se você fosse realmente livre de todos os desejos, você não sofreria nem mesmo nas garras de um leão. O descontentamento universal na vida moderna é devido ao grande abismo que existe entre a teoria e a prática, entre o ideal e sua realização na vida. Os aspectos espiritual e material da vida são amplamente separados um do outro. Eles deveriam estar inseparavelmente unidos um ao outro. Não há nenhuma oposição fundamental entre o espírito e a matéria ou entre a vida e a forma. A aparente oposição é devida ao pensamento errado.
Não há nenhuma saída do sofrimento enquanto houver o ego limitado. Mas o ego pode ser eliminado através do amor e do serviço. A eliminação do ego leva à consciência divina, na qual há liberdade do sofrimento e da alegria. Todas as práticas morais e religiosas são destinadas a eliminar o ego. Quanto mais você viver para os outros e menos para si mesmo, menos aprisionadores serão os seus desejos que o levam a um interminável sofrimento.
Quanto menos desejos você tiver, mais fino será o véu da ignorância que constitui o ego. A raiz de todos os sofrimentos, individuais ou sociais, é o interesse próprio. Elimine o interesse próprio e você resolverá todos os problemas e dificuldades. Cultos, credos, dogmas, rituais religiosos e cerimônias ou palestras e sermões jamais podem trazer um alívio radical do sofrimento. Para que o sofrimento e caos possam desaparecer e a paz e a felicidade real possam entrar em seu lugar, tem de haver o amor altruísta e a fraternidade universal.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Philokalia - São Máximo o Confessor - Sobre o Amor

O amor é um estado sagrado da alma dispondo-a a valorizar o conhecimento de Deus acima de todas as coisas criadas. Não podemos atingir a posse duradoura de tal amor enquanto estivermos apegados a qualquer coisa mundana.

O desapego engendra o amor, a esperança em Deus engendra o desapego e a paciência e a abstenção engendram a esperança em Deus, esses por sua vez são o produto do total autocontrole, o qual surge do temor a Deus. O temor a Deus é o resultado da fé em Deus.

Se tudo o que existe foi feito por Deus e para Deus e Deus é superior às coisas criadas por Ele, aquele que abandona o que é superior e devota-se ao que é inferior mostra que valoriza as coisas feitas por Deus mais do que o próprio Deus.

Uma vez que a alma é mais nobre que o corpo e que Deus é incomparavelmente mais nobre do que o mundo criado por Ele, aquele que valoriza o corpo mais do que a alma e o mundo criado por Deus mais do que o próprio Criador é simplesmente um adorador de ídolos.

Sendo que a luz do conhecimento espiritual é a vida do intelecto e sendo que essa luz é engendrada pelo amor por Deus, é correto dizer que nada é mais elevado do que o amor divino. (ref. 1 Cor. 13:13)

Quando na intensidade de seu amor por Deus o intelecto sai de si mesmo, ele não tem o sentido de si ou de qualquer coisa criada. Pois quando é iluminado pela luz infinita de Deus ele torna-se insensível a todas as coisas feitas por Ele, da mesma forma que os olhos tornam-se insensíveis às estrelas quando o sol nasce.

Todas as virtudes cooperam com o intelecto para produzir esse intenso anseio por Deus e acima de tudo a oração pura. Pois ao pairar em direção a Deus através dessa oração o intelecto eleva-se acima do reino dos seres criados.

Quando o intelecto é arrebatado através do amor pelo conhecimento divino e fica fora do reino dos seres criados ele torna-se ciente da infinitude de Deus. É então que, de acordo com Isaías, um sentimento de assombro o torna consciente de sua própria baixeza e com toda sinceridade ele repete as palavras do profeta: "Estou perdido, quão desprezível eu sou! Pois sou homem de lábios impuros e vivo no meio de um povo de lábios impuros e meus olhos viram o Rei, o Senhor dos exércitos" (Isa. 6:5).

A pessoa que ama a Deus não pode evitar de amar todos os homens como a si mesma, mesmo que ela seja afligida pelas paixões daqueles que ainda não foram purificados. E quando eles emendam suas vidas seu deleite é indescritível e sem limites.

Aquele que genuinamente renunciou as coisas mundanas e amorasa e sinceramente serve seus semelhantes, logo é libertado de todas as paixões e é tornado participante do amor e do conhecimento de Deus.

Aquele que realizou o amor por Deus em seu coração é incansável, como diz Jeremias (ref. Jer. 17:16), em sua busca pelo Senhor seu Deus e enfrenta todo tipo de dificuldade, reprovação ou insulto de forma nobre, jamais pensando o menor mal de alguém.

Assim como o pensamento sobre o fogo não aquece o corpo, também a fé sem amor não produz a luz do conhecimento espiritual na alma.

Assim como a luz do sol atrai um olho saudável, também através do amor o conhecimento de Deus naturalmente atrai para si o intelecto puro.

Um intelecto puro é aquele divorciado da ignorância e iluminado pela luz divina.

Uma alma pura é aquela liberta das paixões e constantemente deleitada pela luz divina.

A ausência de paixões é uma condição pacífica da alma na qual a alma não é facilmente movida para o mal.

Um homem que tem sido assíduo em adquirir os frutos do amor não deixará de amar mesmo que sofra centenas de calamidades. Nosso Senhor Ele próprio orou por seus assassinos e pediu ao Pai para perdoá-los pois eles não sabiam o que estavam fazendo (ref. Luc. 23:34).

Se o amor é paciente e prestativo (ref. 1 Cor. 13:4), um homem que é dissimulado e malicioso claramente aliena-se do amor. E aquele que é alienado do amor é alienado de Deus, pois Deus é amor.

Não diga que você é o templo do Senhor, escreve Jeremias (ref. Jer. 7:4), e você também não deveria dizer que a fé apenas em seu Senhor Jesus Cristo pode salvá-lo, pois isso é impossível a menos que você também adquira amor por Ele através de seus trabalhos. Pois no que diz respeito à fé por si só: "os demônios também crêem, mas estremecem" (Tiago 2:19).

Nós manifestamos ativamente o amor através do autodomínio e da paciência com nossos semelhantes, ao desejarmos verdadeiramente o bem deles e ao usarmos corretamente as coisas materiais.

Aquele que ama a Deus não aflige e nem é afligido por ninguém por causa de coisas transitórias.
Se um homem deseja algo, ele faz todo esforço para conseguí-lo. Mas de todas as coisas que são boas e desejáveis o divino é a melhor e a mais desejável. Quão assíduos, então, devemos ser para alcançarmos aquilo que é por sua própria natureza bom e desejável.

Pare de sujar a sua carne com ações vegonhosas e de poluir a sua alma com pensamentos maléficos, e então a paz de Deus descenderá sobre você e lhe trará amor.

Aquele ao qual o conhecimento divino foi concedido e que através do amor adquiriu a sua iluminação jamais será arrastado de um lado para o outro pelo demônio da auto estima. Mas aquele ao qual tal conhecimento não foi concedido, prontamente sucumbirá a esse demônio. Entretanto, se em tudo o que ele fizer ele mantiver seu olhar fixo em Deus, fazendo tudo por Ele, com a ajuda de Deus logo ele escapará.

Aquele que ainda não atingiu o conhecimento divino energizado pelo amor é orgulhoso de seu progresso espiritual. Mas aquele ao qual tal conhecimento foi concedido repete com profunda convicção as palavras proferidas pelo patriarca Abraaão quando lhe foi concedida a manifestação de Deus: "Sou poeira e cinzas" (Gen. 18:27).

A pessoa que teme a Deus tem a humildade como sua constante companheira e, através dos pensamentos que a humildade inspira, atinge um estado de amor divino e gratidão. Pois ela lembra-se de sua antiga forma de vida mundana, dos vários pecados que cometeu e das tentações que a atingiram desde sua juventude; ela lembra-se também de como o Senhor libertou-a de tudo isso e como Ele conduziu-a para longe dessa vida dominada pelas paixões para uma vida governada por Deus. Depois, juntamente com o temor, ela recebe também o amor e em profunda humildade continuamente agradece o Benfeitor e Timoneiro de nossas vidas.