quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Jalaluddin Rumi - Trechos do Masnavi


Um príncipe do Egito apaixonou-se ardentemente por uma donzela pertencente ao chefe de Mausil ao ver o seu retrato, e enviou um exército para toma-la à força. O exército conseguiu captura-la e iniciou a marcha de retorno, porém, no caminho, o comandante do exército apaixonou-se pela donzela, que por sua vez retribuiu sua afeição. Quando chegaram ao Egito, ela foi entregue ao príncipe, mas imediatamente não simpatizou-se com ele, pois ele não era nem de longe tão viril quanto seu amado comandante. O príncipe descobriu seu segredo e, embora pudesse, com razão, ressentir a traição do comandante, conteve-se e mostrou a verdadeira virilidade na “grande guerra”, perdoando sua falta e unindo-o à donzela a quem ele estava tão afeiçoado.


Alguém fez a seguinte pergunta a um filósofo:
“Ó sábio, o que é verdadeiro e o que é falso?”
O sábio tocou sua orelha e disse: “Isto é falso,
Mas o olho é verdadeiro e o que ele informa é certo”.
O ouvido é falso em relação ao olho,
E a maioria das afirmações estão relacionadas ao ouvido,
Ou seja, estão baseadas em rumores.


Se um morcego desvia seus olhos do sol,
Seu próprio horror do sol dá-lhe uma ideia do sol,
Essa ideia afugenta-o para a escuridão.
Essa ideia de luz aterroriza-o,
E faz que ele agarre-se à noite escura.
Assim também é a sua ideia de seu terrível inimigo
Que faz você agarrar-se aos seus amigos e aliados.



Ó Moisés, suas revelações lançaram glória sobre o monte,
Mas aquele aterrorizado não suportou suas realidades. (ref. Alc. VII.143)
Não seja orgulhoso, saiba que você deve primeiro suportar
A ideia da Verdade para assim chegar à Ela.
Ninguém fica assustado pela simples ideia da luta,
Pois “não é preciso coragem antes que a luta comece”.
Na mera ideia da luta, um covarde pode imaginar-se
Atacando e defendendo-se como um Rustam.
As imagens de Rustam na parede de um banho
São semelhantes às ideias de luta de um covarde.
Mas quando essas ideias são testadas pela visão real,
O que acontece ao covarde? Sua bravura desaparece!

Esforce-se, então, para avançar do ouvir para o ver;
O que o ouvido lhe disse falsamente, o olho lhe dirá com verdade.
desse modo, também o ouvido adquirirá as propriedades de um olho.
Seus ouvidos, agora inúteis como lã, se converterão em pedras preciosas;
Ou ainda, todo o seu corpo se transformará em um espelho,
Será como um olho ou uma gema brilhante em seu peito.
Primeiro, o ouvir dos ouvidos permite que você forme ideias,
Depois, essas ideias o guiarão para o Amado.
Esforce-se, então, para aumentar o número dessas ideias,
Para que elas possam guia-lo, como a Majnum, para o Amado.



Voltando à história, esse príncipe fez papel de tolo e dedicou-se na companhia da donzela. Ó príncipe, ainda que seu domínio se estenda do Oriente ao Ocidente, no entanto, como ele não perdura, considera-o transitório como um relâmpago. Sim, ó coração adormecido, saiba que o reino não dura eternamente, que não passa de um sonho. Até quando você vai se entregar a essa vã ilusão que pegou-lhe pelo pescoço como um carrasco!
Saiba que até mesmo neste mundo existe um lugar de refúgio, não dê ouvidos ao descrente que o nega. Seu argumento é o seguinte: ele repete sem cessar: “Se houvesse algo depois desta vida, haveríamos de vê-lo”. Mas se a criança não vê o estado de razão, deve por isso o homem de razão abandonar a razão? E se o homem de razão não vê o estado de amor, acaso a abençoada lua do amor se eclipsa por isso? A beleza de José não era visível a seus irmãos, estava por isso oculta aos olhos de Jacó? Os olhos de Moisés consideravam sua vara um pedaço de pau, mas o olho divino a via como uma serpente mortal. O olho da cabeça discordava do olho divino, mas o segundo prevaleceu e deu provas convincentes. Aos olhos de Moisés, sua mão parecia uma simples mão, mas ao olho divino, parecia uma luz flamejante.



Esse tema em sua totalidade é interminável, mas para o descrente é uma mera ideia fantasiosa. Para ele, as únicas realidades são a luxúria e a gula; portanto, não lhe fale dos mistérios do Amado. Para nós, crentes, a luxúria e a gula são apenas ideias, por isso, contemplamos sempre a beleza do Amado. A todos os homens cujo credo é a luxúria e a gula aplica-se o texto: “Tendes vossa religião e eu tenho a minha” (Alc.CIX.6). Diante de negações como essas, abrevie o seu discurso: “Ó Ahmad, diga pouca coisa a um velho adorador do fogo”.




Se faltava ao príncipe a masculinidade dos asnos,
No entanto, ele possuía a verdadeira masculinidade dos profetas.
Renunciou à luxúria, ao ódio e à concupiscência,
E mostrou-se ser um homem da linhagem dos profetas.
Embora lhe faltasse a virilidade dos asnos,
Deus considerava-o um senhor de senhores.



Que eu esteja morto, com tanto que Deus me olhe com favor!
Estarei melhor do que os vivos que são rejeitados por Deus;
O primeiro tipo de masculinidade é o cerne da virilidade,

o segundo, apenas a casca;



O primeiro nasceu para o Paraíso, o segundo, para o inferno.
O Profeta diz: “O Paraíso está ligado à tribulação,
Mas o fogo do inferno segue à indulgência na luxúria”.



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Existem muitas pessoas com seus olhos abertos
cujos corações estão fechados. O que elas vêem?

Matéria.

Mas alguém cujo amor está alerta,
mesmo que seus olhos vão dormir,
estará despertando milhares de pessoas.
Se você não é um desses amantes repletos de luz,
restrinja a intensidade de seu corpo-desejo.
Coloque limites em quanto você come
e quanto você deita.

Mas se você está desperto aqui no coração,
durma longa e profundamente.
Seu espírito estará perambulando e trabalhando,
até mesmo no sétimo nível.

Maomé diz: “Fecho meus olhos e descanso no sono,
mas meu amor jamais precisa de repouso."

O guarda no portão cochila.
O rei permanece desperto.

Você tem um rei internamente que escuta
aquilo que deleita a alma.
A vigilância do rei
não pode ser descrita num poema.

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Quebre a casca de seu ser pessoal
para saborear a história da amêndoa da alma.

Essas vozes vêm daquele chacoalhar da castanha.
A amêndoa e o óleo que estão dentro
têm vozes que só podem ser ouvidas
com um outro tipo de audição.

Se não fosse pela doçura da amêndoa,
a conversa interior, quem jamais chacoalharia a castanha?

Escutamos as palavras para que possamos silenciosamente
alcançar dentro do outro.

Que o ouvido e a boca fiquem em silêncio,
de modo que esse gosto venha aos lábios.

Por muito tempo temos dito poemas,
dado discursos, explicado mistérios em voz alta.

Vamos agora tentar esse experimento mudo.

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