segunda-feira, 30 de novembro de 2009

G. I. Gurdjieff – Paris, 22 de julho de 1943

Simone: Antes de conhecer o trabalho, eu era muito mais inquieta, pois eu sentia coisas ruins das quais eu pensava que eu nunca conseguiria me livrar. Isso mantinha em mim essa inquietação, talvez não constante, mas muito frequentemente. Tenho percebido que com o trabalho, isso passou e que eu tenho me sentido mais calma internamente. Gostaria de encontrar de novo meu estado de inquietação porque isso está faltando em mim. O que eu poderia fazer para encontrar isso novamente?


Gurdjieff: Antes você achava que você poderia ter êxito dessa maneira. Com estes resultados, jamais você pode fazer coisa alguma. Você terá êxito somente se você fizer um esforço mais forte do que o ordinário. Mas você não tem nem mesmo o gosto por isso talvez. Você já tem vindo aqui por um longo tempo, é obrigatório que você compreenda o que é esforço. Auto-esforço. Vou lhe contar um segredo: o auto-esforço nunca é possível de uma vez, uma preparação é necessária. Uma luta é necessária. Até que a pessoa tenha êxito, ela esquece, se lembra, esquece, lembra. Mas quando você está sentada, calma, você pode pensar e começar a fazer, até agora você ainda não fez nenhum esforço.


Simone: É por isso que eu faço essa pergunta. Estou ali e sinto-me muito tranquila.


Gurdjieff: Você imagina, você acredita que você irá direto pra o paraíso. Não, aqui devem haver esforços acima do ordinário. Por exemplo, para esta pessoa (ele aponta para um recém chegado) está bom o bastante, mas quanto a você, não irá longe dessa maneira. Você deve começar a fazer um super esforço, e agora, se você não faz isso, é porque você não tem uma meta. Como você pode permanecer calma? Com o esforço que você está fazendo hoje, você jamais terá êxito. Uma pessoa normal não poderia ficar calma.


Simone: É exatamente por essa razão que isso me incomoda.


Gurdjieff: É necessário fazer esforços aqui. Você está acostumada a agir como antes na vida. Antes, era esse desejo, agora já não é mais suficiente. O esforço deve tencionar todos os seus músculos, todos os seus nervos, até mesmo todo o seu cérebro. Uma concentração similar deve ser sua. Você já deveria estar fazendo isso a bastante tempo. No início, para uma pessoa nova é perdoável. Para você, você tem o gosto pelo trabalho real. Você tem que tornar isso real na sua vida ordinária. Eu sou – sempre: Eu-Sou. Nunca esqueça. Pouco a pouco seu “eu” deve estabelecer um contato com a sua essência. É necessário repetir isso muitas vezes.


Aboulker: Passei a preferir emoções violentas, do que a inércia passiva e habitual.


Gurdjieff: Isso não existe para o seu 'eu' real, ativo ou passivo. Isso depende do seu estado. As coisas externas são indiferentes. Lembre-se que às vezes, você pensa que é negativo e talvez seja o contrário. De modo a se ter uma verdade material, não pense sobre seu estado. Não filosofe, apenas observe, objetive o seu “eu” real.


Luc: Fiz observações próximas às do doutor. Mas isso convida as emoções negativas a retornarem com mais força. Esta semana tem sido a melhor, porque eu tenho tido algumas emoções negativas. É perigoso, é real, a devastação é possível, mas tenho tido o gosto do que pode ser uma vida.


Gurdjieff: Continue. Mas com a compreensão de que o que você está acumulando é uma coisa substancial não apenas para o presente, mas para o futuro. Isso é muito importante. Já é hora de pensar em lembrar e ao mesmo tempo de retratar para você mesmo em formas, não em palavras, o que está acontecendo a você.


Luc: Eu estava esgotado pelas minhas emoções negativas até mesmo organicamente. Hoje, nunca me senti tão bem, tão animado.


Gurdjieff: Nunca você tinha tido prata liquida antes. Você deve sentir que você tem hoje um pouco de prata liquida.


Luc: Sentimos que nosso corpo está sob pressão, que ele é o palco de tal luta que vai quebrá-lo em pedaços.


Gurdjieff: Lembre-se, eu disse: o homem não é um porco, ele não pode estourar quando come. O porco tem um estômago normal, ele não pode comer mais do que seu estômago permite, senão ele estoura; o homem é um canalha, ele tem um estômago de borracha indiana. Ele é pior que um porco, ele engole, engole sem nunca estourar. Não apenas o estômago, mas todos os órgãos são de borracha. Mas pouco a pouco ele degenerou. Mesmo a borracha, se não a usarmos encolhe. É apenas se a pessoa restaura-o deixando-o mil vezes maior que ele fica como deveria ser. “Estourar”, é uma palavra fantástica. Só o porco pode estourar, o homem não pode. O porco tem um estômago normal, ele pode estourar. O estômago do homem é de borracha, e todos os seus órgãos também. Continue sem medo, se for dez vezes mais forte, é dez vezes melhor; você irá dez vezes mais rápido aqui no meu grupo. Não tenha medo, você não vai estourar. Isso é imaginação. Como a pessoa pode estourar se ela come bem? Você está acostumado engolir como um porco. Você nunca come bem. Apenas agora você começa a aprender o que é comer de verdade. Não fique assustado. Continue e continue. Deixe essa sensação que cria isso cada vez que ele se expande, você é exatamente como uma criança que tem soluços quando come bastante. A natureza aumenta o estômago dela. Uma criança pode ter soluço mil vezes. Você está na sua primeira vez. Não tenha medo, você os terá mais novecentas e noventa e nove vezes.


Sr. Franc: Eu entendo bem o esforço contra as emoções negativas, mas o que me atrapalha mais é um lado muito leve do meu caráter que faz piadas, mesmo a respeito da minha própria miséria. Isso impede em mim o remorso e a pena. Como posso me livrar disso?


Gurdjieff: Isso prova que você não sabe o que você está procurando. Você se interessa por essas questões sem participar com o seu instinto. Você disse muito bem. Eu entendo porque você não avança. Eu sei o segredo do porquê você está estagnado no mesmo lugar, um, dois, um, dois; até agora seu instinto estava isolado. Ele nunca tomou parte no seu trabalho. Eu lhe darei uma série de exercícios. Mas você entendeu o que eu expliquei. Você sentiu que o seu interior nunca está interessado por essa coisa que você está trabalhando. Alguma coisa em você permanece fora, ele olha. Outra parte e você faz alguma outra coisa; você trabalha sem instinto. Tudo trabalha, a cabeça, o sentimento, exceto o que deveria. Ele nunca fez nada para mudar.


Hignette: Tenho tentado usar as emoções negativas. Tenho superado muito bem, mas tive a sensação de tê-las aniquilado, em vez de tê-las convertido. Não tenho tido êxito em usá-las como uma força. Eu as suprimo.


Gurdjieff: Você não as suprime. O que acontece em você é um outro impulso, o qual por um curto período toma o lugar do impulso negativo deixando-o de lado, por um momento. Mas ele não é destruído. Deve-se fazer muitas vezes “tchik”, “tchik”, de modo a destruí-lo. Você não pode constatar que ele está ausente; mas se você mudar os estados, você verá que ele funciona de maneira mais fraca. Portanto, você tem um programa de trabalho. Se você entendeu, continue a extirpar, a expulsar os impulsos. Mas não fique tranquila. Você realiza isso serenamente. Esse é outro impulso que substitui, que é muito fraco para que você o perceba, e você imagina que não tem mais emoções negativas. Apenas vibrações fortes alcançam sua consciência.


Mechin: Nos exercícios, as associações me atrapalham muito. Não posso fazer nada contra elas. O que devo fazer?


Gurdjieff: As associações são parte da nossa presença. Se nossa presença tivesse uma meta, ela iria querer que algo acontecesse. Isso prova que nossa presença não tem uma meta. Você tem uma meta apenas com um centro – (ele quer chegar no paraíso com as botas sujas). A pessoa deve com toda sua presença ter uma meta e trabalhar para esse objetivo. Não com uma parte, com um centro apenas. Eu tenho associações, mas elas não alcançam a minha consciência. A circulação do sangue também é feita totalmente sozinha. Ela é uma função automática. Ela não me incomoda. Ela segue noite e dia. Existem também as associações, assim como meu coração batendo, e existem outras funções, por exemplo, eu vejo, se eu presto atenção a isso, conforme aquilo que eu comi viaja pelo corpo. Eu posso pensar sobre isso a noite toda, cada centímetro me dá uma nova sensação. Automaticamente você está ocupado com isso. Você deve possuir uma meta e deixar de lado as funções orgânicas. Não ouví-las com a consciência, com o pensamento. Deve-se aprender a pensar imparcialmente. Apenas essa quantidade de esforço irá trazê-lo à um pensamento normal. O exercício que ele deve fazer a Madame De Salzmann pode formular.


Gurdjieff [para Ansi]: Você entendeu?


Ansi: Não


Gurdjieff [para Luc]: Você entende?


Luc: Sim.


Gurdjieff: Você explica para ele, essa será sua tarefa.


Ansi: Eu notei que antes, minhas emoções negativas surgiam em sua maioria nas minhas relações com as pessoas. Eu era violento e desagradável quando dizia coisas para as pessoas. Por algum tempo tenho tentado combater isso. Mas eu caio na indiferença e não sei como mudar o meu estado.


Gurdjieff: Não é necessário mudar, isso é muito bom. Em você está surgindo uma reapreciação de valores. Antes, você estava interessado em coisas baratas. E aquilo que não era interessante não tinha valor para você. Agora o que tem valor para você é aquilo que não era interessante para você antes. Essa é a razão.


Ansi: Mas eu quero mudar.


Gurdjieff: Por que? O seu estado já mudou. Antes, você não via que estava interessado em coisas sem valor. Mas agora sim. Seu estado mudou.


Ansi: Mas se algo me fere, ao invés de ficar bravo ou ofendido eu fico indiferente.


Gurdjieff: Normal; isso é pequeno, mas normal. Antes, você tinha seu próprio amor. Isso é barato, é uma coisa ordinária, agora você entendeu isso. Você vê que isso é idiota, uma nulidade, um excremento; antes, você não sabia disso. Hoje você vê isso, você não fica bravo. Você vê as manifestações do excremento. Se for assim, eu fico muito contente. Sem querer isso, sem saber disso, você já avançou objetivamente, avançou mecanicamente. Em breve, você poderá ser nosso estimado camarada.


Lanctin: É possível nas condições atuais evitar um desenvolvimento muito desarmônico do corpo no que diz respeito ao desenvolvimento geral?


Gurdjieff: Para o desenvolvimento físico, não existe um época definida. Como uma temporada de eleições políticas. Ele é sempre necessário. Você deve educar o seu corpo com a sua cabeça, conscientemente. Isso é muito simples. Nunca permita-o fazer o que ele quizer. Você faz ele fazer tudo contrário do que ele ama. Ele gosta de açúcar, você não dá nenhum açúcar para ele. Você deve habituá-lo a lutar, você está sempre certo quando você faz resistência ao seu corpo. Isso é simples. Tudo contrário; é assim que Deus criou o seu corpo e seu intelecto. Isso é uma coisa muito simples. Para isso não é necessário ler. O programa é muito simples. Sob todas as condições, em todas as situações políticas, o homem deve educar seu corpo para ser submisso a ele. Sua personalidade pode educar o seu corpo. Aquele cujo corpo é mais forte e tem a iniciativa sobre ele, é nulo. Aquele que tem o corpo escravizado é inteligente. Você entende qual é o significado de inteligente? Inteligente significa aquele que dirige seu corpo. Se o corpo é quem dirige, você é uma nulidade, um vassalo – se você controla o seu corpo você é inteligente. Portanto, escolha o que você quer. Inteligente ou vassalo, se você quer ser um vassalo, deixe seu corpo lhe controlar. Se você quer ser inteligente, deixe sua consciência controlar seu corpo. Quanto mais você quizer dirigir o seu corpo mais ele se oporá a você. E ao resistir a você, mais força ele lhe dará.

Bernard de Clairvaux - A carne resiste ao Espírito que está começando a temer a Deus e tentando fazer o Bem

A razão sugere essas coisas internamente para a vontade de forma mais abundante de acordo com o quanto ela for mais plenamente ensinada pela iluminação do Espírito. Feliz, de fato, é aquele cuja vontade entregou-se e tomou o conselho da razão, de modo que, embora a princípio ele fique temeroso, mais tarde ele é acalentado pelas promessas celestiais e traz o espírito da salvação.


Mas, possivelmente, a vontade é encontrada rebelde e obstinada e não meramente impaciente, mas, pior, depois dos avisos, insensível às ameaças e espinhosa quando lisonjeada. Talvez será descoberto que a vontade não seja movida de maneira alguma pelas sugestões da razão e responda com um flash de raiva: “Quanto tempo mais tenho que lhe aturar? Sua pregação não me move. Sei que você é esperta, mas sua esperteza não me engana.” Talvez, então, a vontade, convidando um a um os membros do corpo, os impelirá mais forte do que nunca a se entregarem aos seus desejos e a agirem perversamente. Essa é contudo uma experiência diária muito familiar para todos nós, que aqueles que estão dando suas mentes para a conversão são tentados muito mais fortemente pelos desejos da carne e aqueles que buscam sair do Egito e escapar do Faraó são forçados mais duramente a fabricar tijolos de argila. (Ex. 1:14; 5:19-21)


Poderia tal pessoa desviar-se da impiedade e ter cuidado para não cair naquele terrível abismo do qual está escrito, “O homem impiedoso não pensa em nada disso quando ele chega nas profundezas da perversidade” (Prov. 18:3). Ele pode ser curado apenas pelo remédio mais poderoso e ele irá facilmente falhar, ao menos que ele cuide de seguir o conselho do médico e faça o que ele lhe diz. A tentação é feroz. Ela leva um homem perto do desespero, a menos que ele junte todas as suas forças para ter pena de sua alma, a qual ele vê estar tão miserável e lastimável, mude sua atitude, e ouça a voz daquele que diz: “Felizes aqueles que choram, pois eles serão confortados.” (Mat. 5:4)


Deixe-o prantear abundantemente, pois a hora de chorar chegou e seu estado é para ser chorado grandemente. Que chore, mas não sem amor sagrado e esperança de consolação. Que ele tenha em mente que não pode encontrar conforto em si mesmo, pois tudo está cheio de miséria e desolação. Que ele mantenha em mente que não existe bem em sua própria carne, e que este mundo perverso não oferece nada além de vaidade e aflição do espírito. Que ele considere, eu digo, que nem dentro ou abaixo ou ao redor dele alguma consolação será encontrada, de modo que por fim ele possa aprender a buscar o que deve ser buscado acima e ter esperança por aquilo que vem do alto. Por hora, deixe-o chorar lamentando seu pesar. Que seus olhos derramem água. Que suas pálpebras não se fechem no sono. Verdadeiramente, o olho que anteriormente estava na escuridão é purificado pelas lágrimas e tem sua visão aguçada, para que ele possa estar apto a contemplar dentro da claridade daquela luz mais serena.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Hazrat Inayat Khan - A Mente e o Coração

Pensamento, memória, vontade e razão juntamente com o ego que é o quinto e principal fator, constituem o coração. São essas cinco coisas que podem ser chamadas de coração, porém ao nomear definidamente as diferentes partes desse coração, chamamos a superfície de mente e a profundeza dele de coração.

Se imaginarmos esse coração com sendo uma lanterna, a luz na lanterna transforma-o no espírito. Chamamos o coração de lanterna quando não pensamos na luz, mas quando há uma luz, esquecemos, então, a palavra lanterna e chamamo-la luz. Quando chamamos o coração de espírito, não significa espírito desprovido de coração, assim como não significa luz sem a lanterna, mas sim luz na lanterna.

O uso correto da palavra espírito, entretanto, é apenas como a essência de todas as coisas. A luz e vida essencial da qual tudo surgiu – isso é o espírito. Mas usamos a palavra espírito também em um sentido limitado, assim como a luz é a luz do sol que permeia tudo e ao mesmo tempo é a luz da lanterna – que chamamos de luz também.

As pessoas chamam uma parte do peito de coração. A razão é que há uma parte deste corpo de carne que é mais sensível ao sentimento e naturalmente – como o homem não consegue capturar a idéia de um coração fora do corpo – ele concebe a idéia do coração ser uma parte de seu corpo físico.

O ego permanece aparte das quatro faculdades de pensamento, memória, vontade e razão. É assim como os quatro dedos e o polegar. Por que o polegar não é chamado de dedo?* Porque o polegar é a mão toda. Esses quatro são faculdades, mas o ego é uma realidade. Ele contém e acomoda dentro de si as quatro faculdades e para distinguí-lo como diferente delas chamamo-lo de ego.

Assim como a superfície do coração é conhecida como sendo a imaginação e o pensamento, a profundeza da mente, que é o coração, é conhecida como sendo sentimento.

A diferença entre pensamento e imaginação é que a imaginação é um funcionamento automático da mente. Se a mente é sutil há uma imaginação refinada, se a mente é grosseira há uma imaginação grosseira, se há uma mentalidade bela, a imaginação é bela. Pensamento também é imaginação, mas imaginação dirigida, controlada e direcionada pela vontade. Portanto quando dizemos: 'Ele é uma pessoa pensativa (profunda – 'thoughtful')', significa que essa pessoa não pensa, fala ou age por impulso, mas por trás de tudo que ela faz existe força de vontade que controla e dirige a ação de sua mente.

Existem nove sentimentos principais que podem ser distinguidos como alegria, tristeza, raiva, paixão, simpatia, apego, medo, espanto e indiferença. Os sentimentos não podem ser limitados a esses nove, mas quando distinguimos sentimentos numerosos podemos reduzí-los a esses nove sentimentos distintos que experimentamos na vida.

Existem seis doenças que pertencem ao coração: paixão, raiva, entusiasmo excessivo que absorve a pessoa, presunção, ciúmes e cobiça.

Quanto mais pensarmos nesse assunto do coração, mais descobriremos que se há algo que pode nos falar sobre nossa personalidade, é o coração. Se há algo através do qual sentimos a nós mesmos e conhecemos a nós mesmos – sabemos o que somos – é o coração e o que nosso coração contém. Uma vez que a pessoa entenda a natureza, o caráter e o mistério do coração ela entende, por assim dizer, a linguagem de todo universo.

Existem três formas de percepção. Uma forma de percepção pertence à superfície, à mente. É o pensamento. O pensamento manifesta-se à nossa mente com forma, linha e cor definidas.

A próxima forma de percepção é o sentimento. É sentida por uma parte bem diferente do coração, é sentida pela profundeza do coração, não pela superfície. Quanto mais a qualidade do coração é despertada numa pessoa, mais ela percebe os sentimentos dos outros. Essa pessoa é sensitiva, porque para ela os pensamentos e sentimentos das outras pessoas são claros. Aquele que vive na superfície não percebe os sentimentos claramente. Também, existe uma diferença entre a evolução dos dois: daquele que vive na superfície do coração e do outro que vive na profundeza. Em outras palavras, um vive em sua mente e o outro vive em seu coração.

Há ainda uma terceira forma de percepção, que não é nem mesmo através do sentimento e que pode ser chamada de uma linguagem espiritual. Essa percepção vem do âmago mais profundo do coração. É a voz do espírito. Ela não pertence à lanterna, pertence à luz – mas na lanterna ela se torna mais clara e mais distinta. Essa percepção pode ser chamada de intuição, por falta de um nome melhor para ela.

Para estudar a vida totalmente, essas três percepções devem ser desenvolvidas. Apenas assim a pessoa fica apta a estudar plenamente a vida e é ao estudar totalmente a vida que nos capacitamos a formar um julgamento a respeito dela.

.

Pergunta: Você poderia explicar melhor como a mente é a superfície do coração e o coração é a profundeza da mente?

Inayat: Existem cinco dedos, mas uma só mão, existem vários órgãos do corpo mas um só corpo, e existe um universo cheio de variedades mas um Espírito. Portanto, existe um coração que sente as várias imaginações e pensamentos que emergem e submergem nele. As bolhas são encontradas na superfície do oceano. A profundeza do oceano está livre de bolhas. A comoção é vista na superfície, a profundeza do oceano é quieta. A mente é a comoção daquele algo que está dentro de nós, aquele algo que chamamos de coração.

A felicidade, o conhecimento, o prazer, o amor que estão guardados no nosso ser mais íntimo, estão no fundo de nossa profundeza, as emoções e paixões mutáveis, os sonhos, pensamentos e imaginações que surgem incessantemente pertencem todos à superfície, assim como as bolhas pertencem à superfície do oceano.


P: Podemos dizer que o coração está mais próximo da alma e a mente mais próxima do corpo?


I: Sim, de certa maneira. Mas ao mesmo tempo a alma experimenta através do Ser todo: por meio do corpo, da mente, do coração, uma vez que ele está em diferentes planos de existência.
P: O coração é um dos corpos da alma?

I: Certamente. O coração é um dos corpos da alma, o corpo mais fino. Ele segue um longo caminho com a alma, mesmo na jornada de retorno dela.
P: É por isso que os Católicos têm uma devoção especial pelo Sagrado Coração de Jesus?

I: É claro. O coração é o santuário de Deus. Se há algum lugar onde Deus pode ser encontrado, é no coração do homem, especialmente no coração daquele homem no qual Deus se manifesta.
P: O coração é o lar da alma?

I: Sim, podemos chamar o coração de um lar da alma, mas eu chamaria de um hotel temporário.

P: O mundo dos sentimentos é superior ao mundo dos pensamentos?

I: Sim.
P: O que é indiferença?
I: Essa é uma palavra que eu sempre acho difícil de explicar, e eu já deixei muitas pessoas bravas ao falar sobre indiferença, pois elas dizem: 'Onde está o amor que você veio pregar para nós? A indiferença é bem diferente do amor, da mensagem, do ensinamento.' E quando as pessoas lêem no Budismo e Yoguismo sobre renúncia, nirvana, vairagia – que em termos Sufi dos poetas persas chama-se fana – elas começam a se perguntar: 'Eles todos ensinam a tornarmo-nos indiferentes, eles ensinaram tal crueldade?' Mas na realidade é uma coisa bem diferente. Indiferença não é ausência de amor nem é falta de simpatia. Indiferença é muito útil no momento que a alma chegou numa sensitividade onde qualquer pequena coisa machuca. Então é apenas a indiferença que a mantém viva.

Você pode dizer que não é bom ser sensitivo. Sim, mas sem ser sensitivo você não pode evoluir. Sensitividade é um sinal de evolução. Se você não é sensitivo você não pode sentir-se compassivo em relação a seus semelhantes. Se você não sente os sentimentos de seus semelhantes, então você ainda não está desperto para a vida. Portanto, para tornar-se um ser humano normal é necessário desenvolver a sensitividade, ou pelo menos chegar à sensitividade. E quando você é sensitivo, a vida torna-se difícil de ser vivida. Quanto mais sensitivo você é, mais espinhos você vai encontrar em seu caminho. Cada movimento que você faz, a cada volta, a cada passo há algo para lhe machucar. É apenas um espírito que você tem de desenvolver, e é o espírito da indiferença - ainda assim não abandonando o amor e a compaixão que você tem pelo outro: essa é a correta indiferença. Dizer para uma pessoa: 'Eu não ligo para você porque você foi imprudente', não é o tipo certo de indiferença, essa não é a indiferença que os místicos relatam como vairagia. A indiferença mística é aquela na qual a alma retém a compaixão e o amor, mesmo diante das atitudes irrefletidas de uma pessoa e expressa isso sob forma de perdão. Na Bíblia lemos as palavras de Cristo: “Ofereça o outro lado de sua face se a pessoa lhe bateu nesse lado'. O que mais pode ser isso senão uma lição de indiferença? Como pode uma pessoa sensitiva, uma pessoa de sentimento, uma pessoa espiritual e de coração terno viver neste mundo, se ela não for indiferente? Ela não poderia viver aqui nem por um momento! Apenas essa única coisa pode protegê-lo das contínuas influências que jorram de todos os lados.


P: Por que não chamar isso de desapego?

I: Desapego na verdade não é palavra certa. Não podemos ser desapegados, nunca estamos desapegados (desconectados daquilo que nos cerca). A vida é una e nada pode separá-la. O desapego é apenas um aspecto ilusório da vida. Na verdade não existe tal coisa como o desapego. Como pode haver o desapego sendo a vida una! Frequentemente, para tornar mais claro tenho dito: 'indiferença e independência': dois significados dessa única palavra vairagia. Indiferença explica esse conceito apenas pela metade.


*Em inglês, o polegar não é chamado como os outros dedos de 'finger', mas sim de 'thumb' e expressa a força da mão toda.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

P. D. Ouspensky - As Emoções Negativas


Sr. Ouspensky: Quero lembrá-los especialmente sobre a idéia das emoções negativas e do estado de emoção negativa. Realmente é o segundo ponto mais importante no sistema. O primeiro ponto importante refere-se à consciência. E o segundo ponto importante é sobre as emoções negativas.
Se vocês se lembram do que foi dito no início sobre a consciência e a ausência de consciência, vocês todos devem ter percebido uma coisa ao observar as funções (corpo, mente e emoções). Vocês devem ter percebido que, normalmente, em tudo o que fazemos, em tudo o que pensamos e que sentimos, não nos lembramos de nós mesmos. Não nos damos conta de que estamos presentes, de que estamos conscientes, de que estamos aqui.
Mas ao mesmo tempo, vocês já devem saber e entender que, se fizermos esforços suficientes por um período suficientemente longo, podemos aumentar a nossa capacidade para a lembrança de si. Começamos a lembrar de nós mesmos com mais frequência, começamos a lembrar de nós mesmos mais profundamente, a lembrar de nós mesmos em conexão com mais idéias - com a idéia da consciência, a idéia de trabalho, a idéia dos centros, a idéia do auto-estudo, a idéia das escolas. Mas a questão é - como lembrar de si mesmo, como tornarmo-nos mais cientes. Então, se você voltar à idéia das emoções negativas, vai descobrir que esse é o principal fator que nos faz não lembrarmos de nós mesmos. Então uma coisa não pode ir sem a outra. Você não pode lutar contra as emoções negativas sem lembrar mais de si mesmo e você não pode lembrar-se mais sem lutar com as emoções negativas. Se lembrar dessas duas coisas, você vai entender tudo melhor. Portanto, tente manter essas duas idéias, que estão ligadas, em mente.
Agora, a respeito de como lutar contra as emoções negativas, primeiro de tudo, é necessário perceber que não há uma única emoção negativa que seja útil, útil em qualquer sentido. As emoções negativas são todas igualmente ruins. Lute contra elas, elas podem ser conquistadas e destruídas, pois não há nenhum centro real para elas. Se houvesse um centro verdadeiro para elas, então não haveria nenhuma chance, teríamos de ficar para sempre no poder das emoções negativas. Mas felizmente para nós, não há nenhum centro real. É um centro artificial que funciona e esse centro artificial pode ser destruído e sumir. E nós vamos nos sentir muito melhor se isso acontecer. Mesmo a compreensão de que isso é possível já é muito; mas temos tantas convicções, preconceitos e até mesmo princípios a respeito delas, que é muito difícil de se livrar da idéia de que as emoções negativas são necessárias e obrigatórias. Enquanto nós pensarmos que elas são necessárias, inevitáveis e até mesmo úteis para a auto-expressão ou muitas outras coisas - não podemos fazer nada. É necessário ter uma certa luta mental para perceber que elas são completamente inúteis, que não têm qualquer função útil em nossas vidas e, ainda, ao mesmo tempo que toda a vida está baseada em emoções negativas. Isso é o que ninguém percebe.

.

Pergunta: Mas me parece que há circunstâncias que simplesmente induzem-nos a ter emoções negativas.

Sr. O.: Essa é uma das nossas ilusões mais fortes, quando pensamos que as emoções negativas são produzidas pelas circunstâncias. Todas as emoções negativas estão em nós, dentro de nós... Sempre pensamos que nossas emoções negativas são produzidas ou por culpa das outras pessoas ou por culpa das circunstâncias. Nós sempre pensamos assim. Essa é a nossa principal ilusão. Nossas emoções negativas estão em nós mesmos e são produzidas por nós mesmos. Não há absolutamente nenhuma razão inevitável pela qual a ação de alguém ou de determinada circunstância, deveria produzir emoção negativa em mim. É apenas a minha fraqueza.
P: Então, se o seu melhor amigo morre, você deve ficar otimista?

Sr. O.: A morte de um amigo ou algum tipo de aflição é sofrimento, não é emoção negativa. Pode produzir emoção negativa apenas se você identificar-se com isso. O sofrimento pode ser real, emoção negativa não é real. E, afinal, o sofrimento ocupa uma parte muito pequena da nossa vida, mas as emoções negativas ocupam uma grande parte, ocupam toda a nossa vida. E por que? Porque nós as justificamos. Achamos que elas são produzidas por alguma causa externa. Quando sabemos que elas não podem ser produzidas por causas externas, a maioria delas desaparece. Mas esta é a primeira condição: precisamos perceber que elas não podem ser produzidas por causas externas, se não quisermos tê-las. Elas geralmente estão lá porque permitimo-las, explicamo-las através de causas externas e dessa forma não lutamos com elas. Esse é o ponto importante.

P: Há alguma razão pela qual estamos tão preocupados em manter as emoções negativas?
Sr. O.: O hábito. Estamos habituados a elas e não podemos dormir sem elas. O que muitas pessoas fariam sem as emoções negativas?
P: Nós tornamos as emoções negativas muito piores através da imaginação?
Sr. O.: Elas não podem existir sem imaginação. Apenas sofrer uma dor não é uma emoção negativa, mas quando a imaginação e a identificação entram, então torna-se emoção negativa. Dor emocional, assim como a dor física, não é emoção negativa por si só, mas quando você começa a criar todo tipo de adorno em cima dela, ela se torna emoção negativa.
P: Para lutar contra as emoções negativas temos de observar mais e trabalhar contra a forte identificação com a emoção?
Sr. O.: Sim. Mais tarde vamos falar sobre os métodos para lutar com as emoções, pois existem muitos, métodos muito definidos, diferentes para diferentes emoções, mas primeiro você deve lutar com a imaginação negativa e a identificação. Isso é perfeitamente suficiente para destruir muitas das emoções negativas usuais – em todo caso, torná-las mais leves. Você deve começar com isso, porque só é possível começar a usar métodos mais fortes contra as emoções negativas quando você puder lutar com a identificação até um certo ponto e quando você já tiver parado a imaginação negativa. Isso deve ser interrompido totalmente. É inútil o estudo de outros métodos antes que isso seja feito. A imaginação negativa você pode parar e mesmo o estudo da identificação já vai diminuí-la. Mas a verdadeira luta contra as emoções negativas começa mais tarde e ela baseia-se na compreensão correta, antes de mais nada, de como elas são criadas, o que está por trás delas, de como elas são inúteis e o quanto você perde por causa desse prazer de ter emoções negativas. Quando você perceber o quanto você perde, então talvez você terá energia suficiente para fazer algo a esse respeito.

P: De acordo com o que você diz, parece-me que você está pressupondo que temos um 'eu', superior aos outros, que pode fazer isso?

Sr. O.: Não superior, mas alguns 'eus' intelectuais estão livres do centro emocional e podem ver as coisas de forma imparcial. Eles podem dizer: "Eu tive essa emoção negativa toda a minha vida. Recebi um centavo por isso? Não, eu só paguei, paguei e paguei. Significa que isso é inútil.”

P: Quando você está no meio do processo de uma emoção negativa é possível detê-la apenas ao pensar?

Sr. O.: Não, mas você pode preparar o terreno antecipadamente. Se, por um longo tempo, você puder criar uma atitude correta, após algum tempo ela irá ajudá-lo a parar a emoção negativa no início. Quando você está no meio dela, você não pode pará-la.

P: Mas certamente há momentos onde nossos próprios sentimentos podem não ser negativos, e ainda, por alguma razão perfeitamente justa, ficamos indignados ou irritados ....
Sr. O.: Não existem razões justas. De uma vez por todas é preciso entender que não existem motivos justos para ficar com raiva. E a raiva não está nas razões, está em você. As emoções negativas não estão nas razões externas, elas estão em você. Quando você entender isso, você começará a pensar a respeito corretamente. Enquanto achar que existem razões externas, significa que você não começou ainda.

P: Por que sentimos as emoções negativas com mais força e mais frequentemente na companhia de algumas pessoas do que com outras?
Sr. O.: As pessoas que estão cheias de emoções negativas e de identificação produzem reações similares em outras pessoas. É preciso aprender a isolar a si mesmo nesses casos, por meio da lembrança de si e da não identificação. Isolamento não significa indiferença.

P: As emoções negativas estão sempre conectadas com a identificação de alguma maneira?

Sr. O.: Sempre. As emoções negativas não podem existir sem a identificação e a imaginação negativa. Essas duas coisas são a base psicológica das emoções negativas. A base mecânica é o trabalho errado dos centros.

P: Algumas vezes consigo não expressar uma emoção negativa, para começar, mas ela fica tentando sair.

Sr. O.: Isso significa que você só parou a manifestação externa e que você deve tentar parar a causa dela. Não me refiro à emoção em si, mas à causa da expressão. Há uma diferença. A emoção é uma coisa, a expressão é outra. Tente encontrar a diferença.

P: Onde é que a expressão das emoções negativas começa? Muitas vezes, a emoção persiste apesar dos esforços para excluir a imaginação e a identificação, por exemplo, com a decepção. Isso deveria parar, se fizéssemos as observações e os esforços corretos para superar a imaginação e a identificação, ou ela pode persistir apesar de tudo isso? Se persistir, isso significa que ainda estamos expressando-a?

Sr. O.: É diferente em casos diferentes. Muitas coisas estão misturadas aqui. Você deve entender que se você falar sobre não expressar emoção negativa, você deve falar apenas sobre não expressar emoção negativa. Se você falar sobre as causas ou as razões das emoções, então você deve falar apenas disso e não dizer nada sobre a não expressão. Apenas uma coisa de cada vez.

P: Se eu consiguir frear a expressão de uma emoção negativa, isso resultará numa irritação extrema e uma vulnerabilidade subsequente em relação a todas as coisas externas.

Sr. O.: Certamente, se você mantiver muda a expressão dela você se sentirá irritado. Isso significa que você se identifica. Você tenta manter a identificação e destruir a expressão. Você deve começar destruindo a identificação.

P: É possível que os esforços para controlar a emoção negativa nos deixem cansados?

Sr. O.: Não. Tais esforços nos dão muito mais energia, eles não podem cansar. Você pode ficar cansado, se você apenas reprimir a expressão. Mas eu nunca disse para suprimir. Eu disse, 'Não expresse; encontre razões para não expressar. A repressão jamais pode ajudar, porque mais cedo ou mais tarde a emoção negativa vai saltar para fora. É uma questão de encontrar razões, pensar de maneira correta.

P: Uma mudança de atitude?

Sr. O.: Isso mesmo. Pois a expressão da emoção está sempre baseada em algum tipo de pensamento errado.

P: Gostaria de obter mais ajuda em relação à luta contra as emoções negativas.

Sr. O.: Isso deve ser o seu próprio esforço, e antes de tudo você deve classificar suas emoções negativas. Você deve descobrir quais são as principais emoções negativas que você tem; por que elas vêm, o que as traz e assim por diante. É preciso compreender que seu único controle sobre emoções é pela mente, mas não é de imediato. Se você pensar corretamente por seis meses, então isso irá afetar as emoções negativas, pois elas estão baseadas em pensamento errado. Se você começar a pensar corretamente hoje, isso não vai alterar as emoções negativas amanhã. Mas as emoções negativas em Janeiro, podem ser alteradas se você começar a pensar corretamente agora.

P: Quando penso sobre as emoções negativas, compreendo muito claramente que elas estão em nós mesmos e, no entanto, logo depois, eu ainda continuo a ficar negativo e continuo a expressar emoções negativas. Isso ocorre simplesmente por que eu não sou um (não tenho um 'eu' permanente)?

Sr. O.: Primeiro, porque você não é um, e segundo, porque você não tenta do jeito certo. É uma questão de um longo trabalho, como eu disse, e isso não pode ser alterado de uma vez. Se uma pessoa tem emoções negativas constantes, emoções negativas recorrentes do mesmo tipo, ela sempre cai no mesmo ponto. Se observasse melhor a si mesma a pessoa saberia que isso iria acontecer, ou que teria vindo, e se tivesse pensado corretamente de antemão, teria alguma resistência. Mas se a pessoa não tem uma atitude correta, se não pensar corretamente, então fica impotente, e a emoção negativa acontece de novo, no mesmo tempo, da mesma forma e assim por diante .... A primeira coisa que é preciso fazer é aprender a não expressá-la, porque, quando expressamos uma emoção negativa, estamos em poder dela. Não podemos fazer nada naquele momento. Primeiro de tudo devemos aprender a não expressar a emoção negativa. Quando aprendermos isso, então, poderemos tentar não nos identificar, tentar criar uma atitude correta e lembrarmos de nós mesmos.
Sobre essa questão das emoções negativas, quero que você entenda que parar de expressar as emoções negativas e a luta com as emoções negativas são duas práticas bem diferentes. Tentar impedir a expressão das emoções negativas vem primeiro. Você não pode fazer nada a respeito das emoções negativas até que tenha aprendido a parar a expressão delas. Quando você tiver adquirido um certo controle na não-expressão de emoções negativas, então você poderá estudar as emoções negativas propriamente ditas. Primeiro, você deve entender o quão erradas elas são, o quanto são inúteis e então você deve compreender que elas não podem existir sem a identificação. Quando você percebeu isso, você deve tentar (Eu não disse que você pode fazer isso de uma vez, levará um longo tempo, mas você deve tentar) dividi-las em três categorias. Primeiro, as emoções negativas mais ou menos comuns, do dia a dia, que acontecem muitas vezes e estão sempre relacionadas com a identificação. Certamente, você deve observá-las e você já deve ter um certo controle sobre a expressão delas. Então você deve começar a lidar com elas, tentando não se identificar, evitando a identificação tão frequentemente quanto você possa, não só em relação a essas emoções, mas em relação a tudo. Se você criar em si a capacidade de não se identificar, isso irá afetar essas emoções e você irá notar como elas desaparecem. A segunda categoria não aparece todos os dias. Elas são as mais difíceis, são emoções mais complicadas que dependem de algum processo mental - desconfiança, sentimentos feridos e muitas coisas desse tipo. Elas são mais difíceis de conquistar. Você pode lidar com elas, criando uma atitude mental correta, através do pensamento - não no momento em que você estiver na emoção negativa, mas no intervalo entre uma e outra, quando você estiver quieto. Tente encontrar a atitude correta, o ponto de vista certo e torne-o permanente. Se você criar o pensar correto, isso irá levar embora todo poder dessas emoções negativas.
Depois, há a terceira categoria, muito mais intensa, muito mais difícil, e muito rara. Contra elas, você não pode fazer nada. Esses dois métodos - lutar com a identificação e criar atitudes, não ajudam. Quando tais emoções vem você pode fazer apenas uma coisa: você deve tentar lembrar de si – lembrar de si com a ajuda da emoção. Isso irá alterá-las depois de algum tempo. Mas para isso você tem de estar preparado, é uma coisa muito especial.
Esses são os métodos de lidar com as emoções negativas. Como mesmo as emoções negativas podem ser diferentes, você não pode usar os mesmos métodos contra todas elas. Em todos os casos você deve estar preparado. Como eu disse no início, será difícil vencê-las ou lutar com elas, mas você vai aprender com o tempo. Apenas, nunca misture isso com a expressão de emoções negativas. Isso vem em primeiro lugar. É dado quase na primeira conferência*, e antes que você possa fazer qualquer outra coisa, você deve aprender a controlar a manifestação da emoção negativa. Enquanto você não puder parar a expressão, isso significa que você não pode fazer nada sobre as próprias emoções. Mas se você aprender a controlar a expressão, então você pode começar. Mas lembre-se você não pode fazer nada quando você está no meio de uma emoção negativa, você só pode fazer algo relativo a isso antes ou depois.

(* ver no início do blog na 'Psicologia da evolução possível ao homem' as cinco conferências que apresentam o sistema de G. I. Gurdjieff)

domingo, 22 de novembro de 2009

Philokalia - São Teófanes o Recluso - O trabalho interno



Examine a si mesmo para ver se você tem dentro de si um forte sentimento de sua auto-importância, ou, negativamente, se você falhou em perceber que você é um nada. Esse sentimento de auto-importância está profundamente escondido, mas ele controla a totalidade de nossa vida. Sua primeira demanda é que tudo deveria ser como desejamos e se isso não acontece reclamamos para Deus e nos aborrecemos com as pessoas.
O alto valor que damos a nós mesmos, em consequência desse sentimento de importância, não apenas prejudica nossas relações com as outras pessoas mas também nossa atitude para com Deus. A auto-importância é tão astuciosa quanto o demônio e esconde-se habilmente atrás de palavras humildes, fixando-se firmemente no coração, fazendo com que fiquemos alternando entre a auto-depreciação e a auto-glorificação.

Torne isto uma regra – primeiro de tudo, antecipe os problemas a cada momento e quando eles vierem encare-os como sendo algo esperado. Em segundo lugar, quando algo que conflitue com a sua vontade acontecer, e estiver a ponto de lhe irritar ou lhe chatear, apresse-se em trazer sua atenção para seu coração e lute com toda sua força para impedir tais sentimentos de aparecerem: roube você mesmo deles e reze. Se você conseguir impedir que sentimentos de irritação e perturbação surjam dentro de você, então você acabou com seus problemas, pois esses sentimentos são seu ponto de partida. Mas mesmo se um pequeno sentimento é nascido, resolva, se possível, não fazer ou dizer nada até que tenha conseguido mandá-los embora. Se você achar impossível não dizer ou fazer algo, tente não falar ou agir de acordo com esses sentimentos mas sim de acordo com o mandamento de Deus, da maneira que Ele ordenar, gentil e quietamente, como se nada tivesse acontecido. Em terceiro lugar, tire de sua mente o pensamento de que a natureza das coisas irá mudar e resigne-se a uma fricção duradoura. Não esqueça isso ou subestime a importância disso, pois a menos que você aja dessa forma a paciência não pode ser firmemente estabelecida. Finalmente, com tudo isso, preserve uma expressão bem humorada, um tom de voz afável, um comportamento amigável e acima de tudo evite sempre lembrar as pessoas sobre as ações ou palavras injustas delas. Comporte-se como se elas não tivessem feito nada de errado. Acostume-se a preservar a lembrança de Deus incessantemente.

Até que a alma esteja estabelecida com a mente no coração, ela não vê a si mesma e nem está propriamente ciente de si mesma.

O verdadeiro autoconhecimento é ver nossos próprios defeitos e fraquezas tão claramente que eles preencham toda nossa visão. E marque isto – quanto mais você se ver em falta e merecedor de toda censura, mais você avançará.

Não deixe o olho da mente desviar-se do coração e quando alguma coisa surgir dali, capture-a imediatamente e examine-a. Se for boa coisa, deixe-a ficar, se não for boa, ela deve ser morta imediatamente. Dessa maneira, aprenda a conhecer a si mesmo. Se algum pensamento emerge com mais frequência do que outro, isso significa uma paixão mais forte do que o resto. Significa que você deve combatê-la com maior energia. Ainda assim não ponha nenhuma confiança em você mesmo e não espere alcançar nada através de seus próprios esforços. Todos os meios de cura e todos os remédios são enviados pelo Senhor. Então entregue-se a Ele – e isso em todos os momentos. Lute e continue lutando mas espere todo o bem vir apenas do Senhor.

Existem dois caminhos para se tornar um com Deus: o caminho ativo e o caminho contemplativo. O primeiro é para cristãos que vivem no mundo, o segundo para aqueles que abandonaram todas as coisas mundanas. Mas na prática nenhum dos caminhos pode existir em total isolamento um do outro. Aqueles que vivem no mundo devem também, numa certa medida, manter-se no caminho contemplativo. Como disse antes, você deveria acostumar-se a lembrar do Senhor sempre e caminhar sempre diante da face Dele. Isso é o que se entende por caminho contemplativo.
Surge a questão: como podemos manter o Senhor em nossa atenção enquanto estamos ocupados com várias atividades? É desta maneira que pode ser feito. Qualquer que seja sua ocupação, grande ou pequena, reflita que é o próprio Senhor onipresente que lhe ordena realizá-la e que observa para ver como você a desempenha. Se você mantiver esse pensamento constantemente na sua mente, você cumprirá atentamente todos os deveres delegados a você e ao mesmo tempo lembrará do Senhor. Nisso reside todo o segredo da conduta cristã para alguém na sua posição, se você deseja ter sucesso na sua meta principal. Por favor, pense sobre isso cuidadosamente e ajuste-se a essa prática. Quando você tiver feito isso, seus pensamentos irão parar de vagar aqui e ali.

Por que é que as coisas não vão bem com você agora neste momento? Eu penso que é porque você deseja lembrar do Senhor, esquecendo dos afazeres mundanos. Mas esses afazeres se intrometem na sua consciência e afastam a lembrança do Senhor. O que você deveria fazer é exatamente o reverso: você deveria ocupar-se com os afazeres mundanos, mas pensar neles como sendo uma ordem do Senhor, como algo feito na presença Dele. Como as coisas estão agora, você falha tanto no nível espiritual quanto no material. Mas se você agir como expliquei, as coisas irão bem em ambas as esferas.
O corpo trabalhando mas o pensamento com Deus – assim deveria ser o estado de um verdadeiro Cristão. Deveríamos colocar em ordem nosso estado interno assim que abríssemos nossos olhos de manhã. Nesse mesmo estado de ordem interior deveríamos nos manter o dia todo e de noite aquecê-lo e fortalecê-lo e dessa maneira adormecermos.
Tente manter em ordem seus pensamentos a respeito de assuntos mundanos. Tente chegar num estado no qual seu corpo possa cumprir seu trabalho usual, enquanto deixa você livre para estar sempre com o Senhor em espírito. O piedoso Senhor dar-lhe-á liberdade das ansiedades e onde essa liberdade prevalece, tudo é feito no seu próprio tempo e nada é uma preocupação ou um fardo. Busque, peça – e será dado.
O que quer que lhe seja falado para fazer, faça sem ficar discutindo internamente, com total boa vontade, como se fosse um comando de Deus. Coloque essas palavras que sublinhei fundo em seu coração e aja no espírito delas. Aceite cada ordem como vindo diretamente do próprio Senhor e execute-a com todo zelo e atenção como um trabalho dado por Deus e realizado na presença Dele. Atue como se você estivesse obedecendo não os homens mas o Deus que tudo vê.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Bhagavan Ramana Maharshi - Upadesa Manjari (Instrução espiritual)

Pergunta: Quais são as características de um professor real (Sadguru)?


Bhagavan: Permanência constante no Ser, olhar para todos com um mesmo olhar, ter coragem inabalável a todos os momentos, em todos os lugares e circunstâncias, etc.


P: Quais são os sinais indicativos de um discípulo sincero (sadsishya)?


B: Um anseio intenso pela remoção dos pesares e por alcançar a felicidade e uma intensa aversão por todos os tipos de prazeres mundanos.


P: Quais são as características da instrução (upadesa)?


B: A palavra upadesa significa, 'próximo ao local ou ao assento' (upa – próximo, desa – local, assento). O Guru, que é a encarnação daquilo que é descrito com os termos sat, chit e ananda (existência, consciência e graça), impede o discípulo - que devido à sua aceitação das formas dos objetos dos sentidos desviou-se do seu estado verdadeiro, e consequentemente, é molestado e golpeado por alegrias e tristezas - de continuar assim e estabelece-o na sua própria natureza real sem diferenciação.

Upadesa também significa mostrar um objeto distante bem próximo. É explicado para o discípulo que Brahman, o qual ele acredita estar muito longe e ser diferente dele mesmo, está próximo e não é diferente dele mesmo.


P: Se é verdade que o Guru é o nosso próprio Ser (Atman), o qual é o princípio que sublinha a doutrina que diz isso, não importa o quão estudado possa ser o discípulo, ou quaisquer poderes ocultos que ele possa ter, ele não poderá atingir a Realização do Ser (atmasiddhi) sem a graça do Guru?


B: Embora na verdade absoluta o estado do Guru seja o mesmo que o da própria pessoa, é muito difícil para o Ser, que tornou-se a alma individual (Jiva) através da ignorância, realizar sua verdadeira natureza sem a graça do Guru.

Todos os conceitos mentais são controlados pela mera presença do Guru real. Se ele dissesse para alguém que arrogantemente clama ter visto a costa mais longínqua do oceano do saber ou que clame arrogantemente que pode realizar ações que são quase impossíveis, se ele dissesse: “você aprendeu (conheceu) a si mesmo?” E, “você é capaz de fazer coisas quase impossíveis, mas você viu a si mesmo?” Ao serem questionados dessa maneira eles se curvariam (com vergonha) e ficariam em silêncio. Portanto, é evidente que apenas através da graça do Guru e por nenhuma outra conquista, é possível conhecer a Si mesmo.


P: Qual é o sinal indicativo da graça do Guru?


B: Isso está além das palavras ou dos pensamentos.


P: Se é assim, como é que é dito que o discípulo realiza seu estado verdadeiro através da graça do Guru?


B: É como um elefante que acorda ao ver um leão em seu sonho. Mesmo que o elefante tenha acordado com a mera visão do leão, também é certo que o discípulo acorda do sono da ignorância para o estado desperto do conhecimento verdadeiro através do benevolente olhar de graça do Guru.


P: Qual é o valor do dito: a natureza do Guru real é a do Senhor Supremo (Sarveshwara)?


B: No caso da alma individual que deseja atingir o estado do conhecimento verdadeiro ou o estado de divindade (Ishwara), e com esse objetivo sempre praticar devoção, o Senhor, que é a testemunha daquela alma individual e idêntico a ela, vem à frente quando a devoção do indivíduo alcança um estágio maduro na forma humana com a ajuda de sat-chit-ananda. Esses três traços naturais e a forma e o nome que ele graciosamente também assume, através do disfarce de abençoar o discípulo, ele absorve-o em Si mesmo. De acordo com essa doutrina o Guru pode realmente ser chamado de o Senhor.


P: Então como é que algumas grandes pessoas alcançaram o conhecimento sem um Guru?


B: Para algumas poucas pessoas o Senhor brilha como a luz do conhecimento e transmite a consciência da verdade.


P: Qual é o fim da devoção (Bhakti) e do caminho do Siddhanta (Saiva Siddhanta)?


B: É aprender a verdade de que todas as ações da pessoa, realizadas com devoção altruísta, a ajuda dos três instrumentos purificados (corpo, fala e mente), na capacidade de servo do Senhor, tornam-se as ações do Senhor e prosseguir assim livre do senso de 'eu' e 'meu'. É igualmente assim aquilo que o Saiva Siddhanta chama de parabhakti (devoção suprema) ou viver à serviço de Deus (irai-pani-nittral).


P: Qual é o fim do caminho do conhecimento (jnana) ou Vedanta?


B: É saber a verdade que o 'eu' não é diferente do Senhor (Ishwara) e tornar-se livre do sentimento de ser o fazedor (Kartritva, ahamkara).


P: Como pode ser dito que o objetivo desses dois caminhos são o mesmo?


B: Qualquer que seja o meio usado, a destruição do senso de 'eu' e 'meu' é o objetivo e sendo eles interdependentes, a destruição de um deles causa a destruição do outro, portanto, para se conseguir aquele estado de silêncio que está além dos pensamentos e das palavras, tanto o caminho do conhecimento que remove o senso de 'eu' quanto o caminho da devoção que remove o senso de 'meu', funcionarão. Assim, não há nenhuma dúvida de que o fim dos caminhos da devoção e do conhecimento são um e o mesmo.


P: Qual é a característica do ego?


B: A alma individual com o senso de 'eu' é o ego. O Ser, cuja natureza é a inteligência (chit) não tem sentido de 'eu'. Essa aparência misteriosa de um ego ilusório entre o inteligente e o insensível (o corpo), sendo a causa raiz de todos esses problemas, ao ser destruída por qualquer que seja o meio, aquilo que realmente existe será visto como ele é. Isso é chamado de liberação.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Hafiz - Essa União /Quando as palavras param /Mulher grávida /Meus olhos tão brandos /Nossos corações deveriam fazer mais isso /Eu voto em você


Essa

União que você quer

Com a Terra e o Céu,

Essa união que todos nós necessitamos com amor.

.

Uma asa dourada de Deus

Acaba de tocar o chão,

Agora

Suba nela com

seus valentes votos do sol

E ajude seus olhos

A

Dançar

_______________________________________________

Quando as palavras param e você pode aguentar o silêncio


isso revela a dor do coração


Do vazio ou daquele doce anseio atordoante e enorme


Essa é a hora de tentar e ouvir

aquilo que os olhos do Amado

mais querem dizer

_______________________________________________________


Certa vez, meu Mestre entrou numa fase

Em que sempre que eu o via,

Ele dizia:

.

“Hafiz,

Como é que você virou uma mulher grávida?"

.

E eu respondia,

.

“Querido Attar,

Você deve estar falando a verdade,

Mas tudo o que você diz é um mistério para mim.”

.

Muitos meses se passaram na abençoada companhia dele.

Mas um dia perdi a paciência

ao ouvir aquele estranho refrão

E proferi abruptamente:

.

“Pare de me chamar de mulher grávida!”

.

E Attar respondeu,

“Algum dia, meu doce Hafiz,

Todo absurdo em seu cérebro irá secar

Como uma poça de água sob o sol,

.

Entretanto se você quiser saber a Verdade

Posso ver tão claramente que Deus fez amor com você

E o universo inteiro está germinando

Dentro da sua barriga

E palavras maravilhosas,

palavras iluminadas

irão nascer de você.

.

E serão acalentadas em milhares

De corações.

_____________________________________________________________


Sento nas ruas com os desabrigados

.

Minhas roupas manchadas com o vinho

Das vinhas cuidadas pelos Santos.

.

A luz pintou todos os atos

com a mesma cor

.

Então eu sento por aí e rio o dia todo

com meus amigos.

.

À noite, se sinto uma solidão divina

eu arrombo as portas da mansão do amor

.

E engalfinho-me com Deus no chão.

.

Ele fica tão feliz com Hafiz

E diz:

.

"Nossos corações deviam fazer mais isso."

____________________________________________________________

Quando seus olhos tiverem encontrado a força

Para falar constantemente para o mundo

Tudo o que é mais querido

Para sua própria

Vida,


Quando suas mãos, pés e língua

Puderem realizar aquele raro uníssono

Que conforta essa terra ansiosa

Com o Conhecimento


Sua alma,

Sua alma tem sido preparada

Em Sua cidade do amor;

E quando você puder fazer os outros rirem

Com brincadeiras

Que não depreciem ninguém

E que suas palavras sempre unam,

Hafiz

Vota em você.


Hafiz votará em você para ser

O ministro de todo país

Neste universo.


Hafiz vota sim em você meu querido.

Eu voto em você

Para ser

Deus.


___________________________________________________________

Não

Renuncie

Sua solidão tão rápido.

Deixe-a cortar mais

Fundo.

.

Deixa-a fermentar e temperar você

Como poucos ingredientes

Humanos ou divinos podem.

.

Alguma coisa faltando em meu coração essa noite

Deixou meus olhos tão brandos,

Minha voz tão terna,

.

Minha necessidade por Deus

Absolutamente

Clara.

Siddharameshwar Maharaj – Mumbai, 19 de setembro de 1935 / 4 de outubro de 1935


O Sadguru pode ser comparado ao “Sol Escaldante”.


O problema começa assim que o Dia nasce. No sono profundo, o Rei e o mendigo desfrutam da mesma felicidade. Quando o Sol do Conhecimento nasce, não há mais dia ou noite. Como a aparência deste mundo é bruta, um sonho terreno, ela parece ser verdadeira. Quando a “Luz do Conhecimento” se espalha, a aparência ilusória deste mundo se dissolve. O Sadguru é o “Sol do Conhecimento”. O dia do Auto-Conhecimento chegou para as “Crianças do Conhecimento” - os pássaros (Jivas) obtêm os olhos do Ser (Atman). O medo nas mentes daqueles que são viajantes do caminho do Auto-Conhecimento se esvai. Quando a luz do Ser se alastra, a escuridão da vida mundana é destruída.

Quando você entende que você é Ele, isso é como o meio-dia, quando o Sol está no seu zênite. A ilusão é uma noite que perpetua o sonho da existência do mundo todo. Quando essa noite da ilusão desaparece, então o sonho do “eu” também se dissolve. Então a “Grande Experiência” é realizada totalmente e torna-se nosso próprio lugar. O Sadguru é o sol que destrói tanto a alvorada quanto o crepúsculo. Esse Sol nasceu. Ver, significa ver o mundo. Isso é Ilusão e o Ser permanece não conhecido. Há um falso conceito que é chamado de “Ilusão" no Vedanta, que o Sadguru destruiu. A grandeza do Guru é tal, que apenas posso louvá-Lo, usando as palavras dele próprio. O que mais posso fazer?

O Sadguru está além do dia e da noie. Quem pode vê-Lo? Ele é o mestre da Luz, mas também é o Senhor do “Caminho da Retirada”, um Nivrittinath, que também não tem luz. Saudemo-Lo repetidamente. Ao louvá-Lo ocorre uma inadequação, é redundante chamar um rei de rico. Nenhum louvor limitado desse tipo é possível para o Sadguru. Como podemos enumerar tudo o que ele concedeu? É tão vasto que as palavras faltam.


A grandeza do Sadguru, o Mestre Verdadeiro, é imensurável. Aquele cuja fé no Guru diminui depois que ele alcança o Conhecimento, não obtém a alegria da “Bênção Suprema”. A diminuição na fé no Guru é a causa da falha. Não deveríamos nem mesmo beber água sem antes oferecê-la ao Guru. Todas as ações e coisas a serem apreciadas deveriam ser oferecidas ao Guru e apenas então, aquilo que sobrou deveria ser utilizado. A palavra “É” na “Grandiosa Afirmação” “Você É Aquilo” (Tat Tvam Asi), só é possível de ser alcançada através da Graça do Guru. O serviço do Sadguru é o mais elevado. Essa devoção lhe possibilita alcançar o estado que é sem igual no mundo. No momento em que se alcança “Aquilo”, ocorre uma mudança no intelecto e um pensamento ilusório entra na mente e pergunta: “Que importância tem o Guru?” Nunca abandone sua Devoção ao Guru. Apenas ao ter uma fé profunda no Guru, você alcançará a Realização, e verá tudo acontecer de acordo com a sua vontade. Você deve, de fato, sentir e experimentar o significado da palavra “É” (Asi), e reconhecer-se como Brahman e chegar ao contentamento final. O Auto-conhecimento é sentido como sendo difícil de alcançar, porque a Devoção é inadequada. A devoção a Brahman com qualidade e forma (Devoção Saguna), na forma do Guru, é muito difícil. O devoto sofre perdas mesmo se houver a menor preguiça em seus esforços. A preguiça não deve ser permitida em relação à sua devoção.

Abandonar todas as religiões tem um significado especial. Significa que você deveria abandonar todos os seus hábitos que alimentam a sua consciência-corpo. Isso irá assegurar o seu sucesso na empreitada espiritual. Matar os Kauravas (do Bhagavad Gita) significa matar a identificação com o corpo físico. “Lutar” é o que é chamado de religião. Esse é o caminho do dever. Temos de lutar de modo a matar a Ignorância e ganhar o Auto-Conhecimento. Isso é chamado de nosso dever natural. Portanto, você tem de cumprir seu dever, tem de agir, e se você não cumprir o seu dever, o destino irá forçar alguma ação e você experimentará ruína.

A religião tem de ser seguida e a luta tem de ser lutada. Faça como lhe digo. Você tem conhecimento amplo, mas sua fé é inadequada. Aumente a intensidade da sua fé. Aumente sua fé no Sadguru.

Você deve ter convicção a respeito da “Natureza Absoluta de Brahman”. Não há nada além de Brahman. Deus é de acordo com seu sentimento. A diferença no seu sentimento está de acordo apenas com a sua fé. Aqueles que desejam se tornar um com Deus deveriam seguir o caminho da devoção. Quando a sua lealdade é provada, o estado de Brahman é seu. O véu de incontáveis dias tem de ser removido. Se a devoção se tornar fraca após ganhar o Auto-Conhecimento, aquele Conhecimento não será frutífero. Embora Krishna fosse um príncipe, ele serviu seu Guru e fez muito trabalho pesado. Isso resultou que ele ganhou mais riquezas do que seu Guru, as riquezas da Divindade. Cada um recebe o status que merece. O resultado da fé real é definido e inevitável.


_________________________________________________

[Este discurso faz referência ao Mestre perfeito Janardan, e seu discípulo o Santo Eknath Maharaj]


Com as mão em prece, o discípulo curva-se perante seu Mestre, o qual é Shiva. Após prostrar-se, ele diz para o Guru: “Você agraciou-me com este que se curva perante Si, o Estado de Shiva”. Aquele “Estado”, que Você concede é “Seu Próprio Ser”. Você não permite que a entidade separada na forma de um indivíduo (Jiva), permaneça, então como pode a identificação com o corpo permanecer? Você não perturba nossa vida, mas aceita nosso serviço a Você. Isso significa que o discípulo aparentemente é igual aos outros, no corpo físico. O princípio vivo, movendo-se no discípulo, é tão normal quanto o dos outros homens, mas Você transforma a “Consciência Interior” na vastidão de Shiva. Você dá ao Seu devoto o elevado estado do Ser (Self), o qual está além do corpo mas de alguma forma o corpo físico ainda serve a Si.

O grande demônio da dúvida é esse que pensa que somos um indivíduo (corpo), embora sejamos verdadeiramente Brahman. Ao matarmos esse demônio da dúvida, Você carrega esse corpo morto. Quando a noção errônea de que a pessoa é o Jiva se vai, Você carrega o corpo dela, dá o status de Brahman àquele corpo. Então, como Vishnu, o Deus todo-Permeante, mantém unido o corpo e opera através dele, Você reside no corpo como Janardan. Agora, Eknath fugiu. Não há ninguém que seja o proprietário, chamado Eknath, que esteja nesse corpo. Há apenas o Guru, o Mestre, que é Janardan. O som da concha fica evidente por causa daquele que a sopra. Quando este corpo está apto a falar, é porque Você o fez fazê-lo. Este corpo está se movendo e fazendo suas atividades por Sua causa, pois o que era “meu”, se foi, junto com “eu”.

Agora todas as ações são feitas por Você. O sentido de ego que estava no corpo se foi e é agora substituído por Si. Agora o reinado do Jiva terminou, e Você, Shiva, é o governante. É através do Seu Prana, que o Prana do corpo funciona. Os olhos que vêem, são Seus olhos, e Seu nariz absorve a fragrância. Você é o percebedor do nariz e dos olhos. Os ouvidos escutam como Você deseja que escutem. A língua capta o sabor através da Sua vontade, e o intelecto compreende através de Seu poder. O que quer que a mente diga, é através da Sua força. Sem Você, a mente não é capaz de dizer nada. Discriminação e “Conhecimento Seletivo” (peneirando o não essencial do Essencial) é possível através da Sua vontade. A fala é um adorno Seu. A compreensão é possível por Sua causa. Estar desperto, ou ter sonhos, é através do Seu poder. Mesmo o sono profundo é experimentado por Sua causa. Quaisquer coisas que sejam apreciadas são por causa de Si. Você está aqui, chamando a si mesmo de “Eu”. Através da Sua Graça as pessoas reconhecem este corpo como Eknath. Esse nome é Seu agora. Em vez de Lhe chamar de Janardan, eles lhe chamam de Eknath, Mas é apenas Você que age, não Eknath. Ao assumir o nome Eknath, Você tornou-se “o diretor”.

É Você que dá vida a tudo neste mundo. Você é a “Vida do Mundo”. Você torna possível todas as ações. Você é tal Grandioso Sadguru, Janardan. Saudações a Si, com Seu Próprio Poder! Lâmpadas de Arati são oferecida para o Sol, mas a luz da lâmpada é dada pelo Sol. Adorar Shiva é se tornar Shiva. Esta é a adoração Dele. Dessa forma, é Você que dirige o corpo.

Quando a casa queima, todas as peças de madeira e bolos de esterco tornam-se fogo junto com ela. Similarmente, através do fogo do Conhecimento, o 'eu' com um corpo tornou-se Conhecimento. Isso significa que o “eu” tornou-se não-existente. E agora apenas sobrou você na forma de Conhecimento. Pelo Seu “Poder”, Você está continuando o livro da vida. Dormir, comer, fazer as refeições, tudo é possível apenas por Sua causa. Sua pureza jamais é manchada. Os auspiciosos e os não auspiciosos são todos um em Si, Senhor Rama. Quem é esse que diz: “Você é o fazedor de tudo?” Qual o nome deveria ser dado a Si? É Você que fala assim, é você que está ciente da Consciência. Você é Si mesmo.

Quando você diz que a dualidade vem à existência, você tem de tomar conta daquilo que é visto, e daquilo que não pode ser visto. Quando apenas a “Experiência Pura” está lá, a trindade do observador, o observado e o ato da observação, vem à existência por causa do engano da mente. Quando você comeu um doce, por que fazer a distinção e dizer: “Ele” comeu? Você deve ser muito claro em dizer “Eu sou Brahman” e “Eu desfruto de todos os prazeres”. Isso significa que Brahman desfruta de Brahman. Após ter conhecido o mundo e após ter experimentado, “você” (o Ser) ainda está lá, mas você é uma nulidade. Sentir isso é essencial. É o Guru, apenas, que reside no corpo.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Jalalludin Rumi - Fihi Ma Fihi (Discursos)


Aqueles que estão vivendo no Inferno são mais felizes lá do que se estivessem vivendo neste mundo, pois no inferno sua consciência volta-se para Deus, enquanto que neste mundo eles esquecem. Nada é mais doce do que o estado de estar ciente de Deus. Portanto, seu desejo de voltar para este mundo é para trabalhar e desempenhar ações de modo que possam testemunhar a manifestação da graça Divina, e não porque este mundo é um lugar mais feliz do que o inferno. Os hipócritas são consignados ao lugar mais inferior no Inferno, pois lhes foi mostrada a fé mas sua descrença foi mais forte. Eles não fizeram nada com o presente que lhes foi dado. Sua punição é mais severa para que eles possam se tornar cientes de Deus. Para os descrentes, a fé nunca veio. Sua descrença não é tão forte, e portanto, eles se tornam cientes através de menos punição. Entre uma calça coberta com poeira e um carpete com poeira, as calças apenas precisam de uma pessoa para chacoalhá-las um pouco para ficarem limpas, enquanto que são necessárias quatro pessoas chacoalhando violentamente um tapete para livrá-lo de sua poeira.

Os habitantes do Inferno clamam:

Derrame água sobre nós ou aquilo que Deus proveu a você ...”

Deus proíbe o desejo deles por comida ou bebida, portanto, essa fala significa: “Derrama sobre nós um pouco daquilo que você encontrou e que brilha sobre você”.

O Alcorão é como uma noiva que não mostra sua face a você, mesmo quando você tira o véu dela. O fato de você tê-la examinado e ainda não ter alcançado a felicidade ou o desvelamento místico, é um sinal de que seu ato de tentar remover o véu dela repeliu-a, de modo que ela aparece para você como sendo feia. Ela diz: “Não sou uma noiva bonita”. O Alcorão se mostra em qualquer forma que agrada ele próprio. Mas se você não tentar tirar o véu e buscar apenas o bom prazer do Alcorão, regando seus campos, cuidando dele de longe, trabalhando sobre o que quer que o agrade mais, então ele lhe mostrará sua face sem nenhum esforço de tirar-lhe o véu.
Busque as pessoas de Deus, pois Deus não fala para todos, assim como os reis deste mundo não falam com todos os tecelões. Eles têm vizires e deputados definidos para mostrar o caminho até o rei. Deus também escolheu certos serviçais, para que aquele que busca a Deus possa encontrar Deus neles. Todos os profetas vieram por essa razão – apenas eles são o Caminho.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

G. I. Gurdjieff - Paris, 20 de abril de 1944


Aboulker: Tenho tentado sentir remorso de consciência, mas o remorso me derrota. Não consigo esquecer que foi de remorso que Judas se enforcou.

Gurdjieff: Por que você fala de Judas nesse caso? O que você sabe a respeito de Judas? Ele era um grande iniciado. Ele foi o segundo discípulo depois de São João Batista. Tudo o que é falado sobre ele é falso. Se você quer saber, ele foi até mesmo o mestre de Cristo.


Abouker: A busca por remorso me leva à depressão. Devo estar fazendo o exercício de maneira errada. Como eu deveria tentar encontrar o remorso?


Gurdjieff: Para encontrar remorso é necessário despertar vontade real para lembrar da meta real. Você deve destruir a tranquilidade.


Dr. A.: Senti remorso em flashes duas ou três vezes. Mas não sei como fazê-lo vir. Quando procuro por ele intencionalmente, não recapturo essa qualidade, encontro um tipo que me deprime.


Gurdjieff: Quando o remorso vem sem amor-próprio, ele nos dá o desejo por algo melhor. Mas quando ele é misturado com amor-próprio, ele o puxa para baixo. O efeito do verdadeiro remorso é uma aversão a si mesmo, repugnância perante você mesmo. Essas duas coisas fazem o verdadeiro remorso de consciência.


Dr. A.: Uma vez quando senti isso fiquei com náusea, literalmente.


Gurdjieff: Você tem de sentir um monte disso de modo a matar seu inimigo. Quando você sentir essa depressão você deveria fazer o “eu sou”, então você não precisa ter medo de ficar mais deprimido. Apenas através desse impulso você pode transcender sua nulidade. Você deveria alegrar-se que um impulso despertou em você uma real vontade de mudar. Você não deve ficar fazendo cerimônia com o amor-próprio. O amor-próprio é o seu maior inimigo. A pessoa deve punir-se impiedosamente contra essa criatura imunda. Não apenas você – mas todos. O sentimento de remorso pode fazer uma reparação por todas as coisas, todos os erros de seus parentes, de seus educadores, seus companheiros de infância. Você deve adquirir a liberdade interna que lhe tornará digno de se tornar candidato a futuro homem. Meu querido doutor, isso é o que eu aconselho e é uma coisa muito difícil. Não é prazeroso, mas não é culpa minha. Se você deseja ter um futuro, tente isso no presente. Quanto mais você experimentar disso, mais possibilidade você tem para o futuro. Você deve conseguir trazer remorso de consciência até um ponto em que ele se transforma em aversão de si e aversão pelo seu passado, dos seus pais, da formação que você teve. Amaldiçoe tudo. Invoque o seu ideal para ajudá-lo a sustentar o fardo e para torná-lo digno disso. De um lado você amaldiçoa seu passado, do outro, em nome do seu futuro, você dá a sua palavra – em oposição à maldição – para ajudá-los (os pais) o máximo que você puder. Você deve chegar a um ponto onde a consciência fale impiedosamente em você.


Sra. Etievan: Experimentei a mesma depressão que o doutor, mas não a tenho mais. Encontro-me como antes.


Gurdjieff: Estou desconfiado de algo, talvez você esteja se acostumando a isso automaticamente. Isso também é ruim – uma idéia fixa. A pessoa não pode acostumar-se ao remorso, ele deve penetrar até o ser interior. Se você ficar acostumada, você o fará automaticamente, ele se tornará externo, sem peso, você fará apenas com a cabeça. Você está perdendo seu tempo. Comece novamente de maneira mais impiedosa. Você deve fazer isso com os três centros, não apenas com sua cabeça.


Kahn: Quando examino os poucos anos que estou no trabalho, noto que nunca me faltou força motriz, mas essa parte de mim sempre fugiu do trabalho. Vi isso quando você me disse que me faltava vontade física. Onde posso conseguir a força que me dará vontade física?


Gurdjieff: Apenas uma coisa pode lhe ajudar. Você deve sofrer fisicamente. Por exemplo, não coma o bastante, fique com fome. Ou, se seu organismo não gosta de água gelada, faça-o suportar água fria. O mesmo com água quente. Faça o oposto do que seu corpo está habituado a fazer. Faça-o sofrer. É a única maneira de criar a força que lhe falta. Não um sofrimento mental. Temos sete tipos de sofrimento. Para você, sofrimento corporal é necessário. Com sua mente você pode impiedosamente governar seu corpo, fazê-lo sofrer. Em você duas partes trabalham, mas o corpo não. Entendeu sua emoção? Se você observou isso, se você acredita em mim, faça isso, lute, sofra. Depois você estará apto a trabalhar sobre si mesmo. Estou contente que você chegou à essa questão por si mesmo.


Sra. D.: Não consigo dominar o exercício. Fico identificada. Quando estou quieta consigo melhor.


Gurdjieff: Então é menos útil.



[Sra. D. falando a respeito de um exercício préviamente passado pelo Sr. Gurdjieff]

Sra. D: Outra dificuldade. Quando eu visualizo uma pessoa morta, não tenho nenhum contato com ela, tenho mesmo a impressão que nunca a vi.


Gurdjieff: Muito bom exemplo para você. Talvez você só conheça essa pessoa com uma parte de você – a parte intelectual, por exemplo – e agora você deseja mudar e retratá-la com o sentimento. Você terá o contato com todos os seus centros, mas um por um.


Sra. D.: Devo encontrar alguém que cumpra as condições?


Gurdjieff: Talvez você nunca encontre tal pessoa. Talvez você seja uni-lateralizada. Se você não pode encontrar uma pessoa, pegue duas ou três. Com uma você vai estar na parte do sentimento, com a outra no pensamento e assim por diante.


Pomereu: Tenho notado que quando observo minha respiração fico mais apto a lembrar de mim mesmo, eu deveria fazer isso?


Gurdjieff: Não se você achar que existe o risco de se tornar uma idéia fixa. Se isso o ajuda, continue. Apenas você pode julgar.


Pomereu: Como vou saber se é uma idéia fixa?


Gurdjieff: Agora entendi. Pela sua pergunta. Entendi seu estado interno. Qual é o centro de gravidade do seu trabalho?


Pomereu: O exercício de alimentar o “Eu” e o das sete respirações.


Gurdjieff: Qual é o que lhe interessa mais, que lhe dá mais confiança?


Pomereu: Eu não os faço nas mesmas condições. Ambos são importantes para mim.


Gurdjieff: Mude as condições nas quais você faz os exercícios. Faça o exercício que você tem feito no tempo reservado para o trabalho, na vida e vice e versa. Mude o tempo para vencer o automatismo. Tenho uma suspeita de algo e isso pode tornar-se claro para mim.


[Sra. V.D. pergunta sobre o exercício das sete respirações]


Sra. V. D.: Essa é a maneira certa de continuar ou devo limpar mais?


Gurdjieff: Continue. Talvez você esteja fazendo-o apenas com uma parte de você mesma. Agora você começa a despertar, isso produz um desentendimento. Prossiga até que você tenha um contato objetivo com o seus três centros (pensamento, sentimento, sensação). Contato com um é apenas histeria. Uma pessoa real é ela mesma. Eu sou eu; se eu amo, é com o todo de meu ser; se eu odeio também.


Sra. V. D.: Não quero mais nada disso.


Gurdjieff: Então faça o tempo todo, fixe um novo hábito. Depois disso vou lhe ajudar.


Sra. V. D.: Fiz um grande esforço a semana toda. Senti algo novo.


Gurdjieff: Pela primeira vez algo despertou em você. Mas você não está acostumada a isso ainda, você ainda não tem material suficiente. Você está na estrada certa. Se você estiver apta a amaldiçoar e ficar enojada do seu passado, isso irá lhe ajudar. Perceba quanto tempo você perdeu. Isso é remorso de consciência. Dessa maneira você prepara um bom futuro. Sem as coisas ruins as coisas boas nunca vêm.


Wack: Há uma parte de mim que eu nunca consegui trazer intencionalmente quando tento lembrar de mim mesmo. Essa parte apenas desperta como um resultado de um choque externo. Como posso fazê-la aparecer?


Gurdjieff: Você deve matar algo em você. Você deve abrir espaço para esse novo sentimento. Temos no nosso sistema um número definido de fatores. Em você todos os fatores já estão escritos. Como gravações de um gramofone, e essas inscrições já são falsas. Você tem de destruir uma dessas gravações.


Wack: Como podemos destruí-las?


Gurdjieff: Através de uma força definida. Escolha um ideal externo. A fé religiosa, por exemplo. Algo a respeito do qual você tenha certeza de que está fora de você. Então liquide essa crença, destrua-a. Você não perderá nada, pois ela é falsa. Mais cedo ou mais tarde, tudo deve ser novo em você. Por agora tudo é merda. Crie espaço, de modo a cristalizar um novo fator ou uma nova vida. Aconselho você a pegar a fé; talvez você tenha um outro sentimento do qual esteja certo. De qualquer forma, há um que você tem de conseguir destruir e substituir, de modo que você tenha um contato real com o sentimento.


Wack: Qual será o novo fator?


Gurdjieff: A consciência. Até agora você cristalizou apenas anormalidades vindas de fora.


Sra. D.: O que devemos fazer para seguir o conselho que você dá no seu livro, para persuadir todas as coisas, todas as partes inconscientes de nossa presença, a trabalhar como se fossem conscientes e assim por diante?


Gurdjieff: Não é meu livro, é do Sr. Belzebu e é o conselho que ele está dando para o neto dele.


Sra. D.: Então é só para o neto dele?


Gurdjieff: Belzebu irá explicar isso para você. Quanto a mim, dou-lhe um outro pequeno conselho: acostume-se a chamar Belzebu de: “meu querido avô”. Isso irá ajudá-la. A condição é que você se enderece a ele respeitosamente: “meu querido avô”, com todos os detalhes. Então talvez ele irá responder.