sábado, 17 de abril de 2010

Nisargadatta Maharaj - Conhece-te a Ti mesmo



Pergunta: Qual é o seu estado no momento presente?
Maharaj: Um estado de não-experiência. Nele, todas as experiências estão incluídas.
P: Você pode entrar na mente e no coração de outro homem e partilhar das experiências dele?
M: Não. Essas coisas requerem treinamento especial. Eu sou como um negociante de trigo. Sei pouco sobre pães e bolos. Mesmo o gosto de um mingau de trigo eu não conheço. Mas sobre o grão de trigo eu sei tudo e conheço muito bem. Eu conheço a fonte de toda a experiência. Mas as inúmeras formas particulares que a experiência pode assumir eu não conheço. Nem preciso conhecer. De momento a momento o pouco que preciso saber para viver a minha vida, de alguma forma eu venho a saber.
P: Sua existência particular e a minha existência particular existem na mente de Brahma?
M: O universal não tem conhecimento do particular. A existência como uma pessoa é uma questão pessoal. Uma pessoa existe no tempo e no espaço, tem nome e forma, começo e fim, o universal inclui todas as pessoas e o absoluto é a raiz de tudo e está além de tudo.
P: Eu não estou preocupado com a totalidade. Minha consciência pessoal e a sua consciência pessoal - qual é o elo entre as duas?
M: Qual pode ser o elo entre dois sonhadores?
P: Eles podem sonhar um com o outro.
M: Isso é o que as pessoas estão fazendo. Todo mundo imagina os “outros” e busca uma ligação com eles. O buscador é o elo, não há nenhum outro.

P: Certamente deve haver algo em comum entre os muitos pontos de consciência que nós somos.
M: Onde estão os muitos pontos? Em sua mente. Você insiste que seu mundo é independente da sua mente. Como pode ser? Seu desejo de conhecer a mente das outras pessoas é devido a você não conhecer a sua própria. Primeiro conheça sua própria mente e você verá que a questão das outras mentes não surgirá de modo algum, pois não há outras pessoas. Você é o fator comum, a única ligação entre as mentes. Existência é consciência, o "eu sou" se aplica a todos.
P: A Realidade Suprema (Parabrahman) pode estar presente em todos nós. Mas de quê ela serve para nós?
M: Você é como um homem que diz: "Eu preciso de um lugar onde guardar minhas coisas, mas de quê serve o espaço para mim? Ou “eu preciso de leite, chá, café ou refrigerante, mas de água eu não tenho nenhuma necessidade”. Você não vê que a Suprema Realidade é o que torna tudo possível? Mas se você perguntar de que ela serve para você, eu devo responder: 'De nada'. Em questões da vida diária o conhecedor do real não tem nenhuma vantagem: ao invés disso, ele talvez tenha desvantagens, estando livre da ganância e do medo, ele não se protege. A própria idéia de lucrar é estranha para ele, ele abomina acréscimos, sua vida é um constante despojar-se, compartilhar, doar-se.
P: Se não há nenhuma vantagem em ganhar o Supremo, então por que se preocupar com isso?
M: Há um problema apenas quando você se agarra a alguma coisa. Quando você não se prende a nada, nenhum problema surge. O abandono do menor significa a obtenção do maior. Abandone tudo e você ganha tudo. Então a vida torna-se o que ela deveria ser: a radiação pura de uma fonte inesgotável. Nessa luz o mundo parece vago como um sonho.
P: Se meu mundo é apenas um sonho e você é uma parte dele, o que você pode fazer por mim? Se o sonho não é real, não tendo existência, como a realidade pode afetá-lo?
M: Enquanto dura, o sonho tem existência temporária. É o seu desejo de mantê-lo que cria o problema. Deixe-o ir. Pare de imaginar que o sonho é seu.

P: Você parece tomar por garantido que pode haver um sonho sem um sonhador e que eu me identifico com o sonho criado por minha própria doce vontade. Mas eu sou o sonhador e o sonho também. Quem é que vai parar de sonhar?
M: Deixe o sonho desenrolar-se até o fim. Você não pode evitá-lo. Mas você pode olhar para o sonho como um sonho, recusar-lhe o carimbo da realidade.
P: Aqui estou eu, sentado diante de você. Eu estou sonhando e você está me assistindo falar em meu sonho. Qual é o elo entre nós?
M: A minha intenção de acordar você é o elo. Meu coração quer que você acorde. Eu vejo você sofrer em seu sonho e sei que você deve acordar para acabar com sua tristeza. Quando você vê seu sonho como sonho, você acorda. Mas em seu sonho propriamente dito, não estou interessado. Basta para mim saber que você precisa acordar. Você não precisa trazer o seu sonho a uma conclusão definida, ou torná-lo nobre, ou feliz, ou bonito, tudo que você precisa é perceber que você está sonhando. Pare de imaginar, pare de acreditar. Veja as contradições, as incongruências, a falsidade e a tristeza do estado humano, a necessidade de ir além. Dentro da imensidão do espaço flutua um minúsculo átomo de consciência e nele o universo inteiro está contido.
P: Existem afeições no sonho que parecem reais e permanentes. Elas desaparecem ao acordarmos?
M: No sonho você ama uns e não outros. Ao acordar você descobre que você é o próprio amor, abrangendo a todos. O amor pessoal, não importa o quão intenso e genuíno, invariavelmente limita, o amor na liberdade é o amor a todos.
P: As pessoas vêm e vão. Amamos a quem encontramos, não podemos amar a todos.
M: Quando você é o próprio amor, você está além do tempo e dos números. Ao amar um você ama todos, ao amar todos, você ama a cada um. Um e todos não são exclusivos.

P: Você diz que você está em um estado atemporal. Isso significa que o passado e o futuro estão abertos para você? Você conheceu Vashishta Muni, o Guru de Rama?
M: A questão está no tempo e refere-se ao tempo. Mais uma vez você está me perguntando sobre o conteúdo de um sonho. A atemporalidade está além da ilusão do tempo, ela não é uma extensão no tempo. Aquele que chamava-se Vashishta conhecia Vashishta. Estou além de todos os nomes e formas. Vashishta é um sonho em seu sonho. Como posso conhecê-lo? Você está muito preocupado com o passado e o futuro. É tudo devido ao seu desejo de continuar, é para proteger-se contra a extinção. E como você deseja continuar, você quer que os outros lhe façam companhia, daí a sua preocupação com a sobrevivência deles. Mas o que você chama de sobrevivência é apenas a sobrevivência de um sonho. A morte é preferível a isso. Há uma chance de acordar.
P: Você está ciente da eternidade, portanto não está preocupado com a sobrevivência.
M: É o contrário. Liberdade de todos os desejos é a eternidade. Todos os apegos implicam o medo, pois todas as coisas são passageiras e o medo torna a pessoa uma escrava. Essa liberdade do apego não vem com a prática, ela é natural quando a pessoa conhece seu verdadeiro ser. O amor não se apega; apego não é amor.
P: Então não há maneira de obter o desapego?
M: Não há nada a se ganhar. Abandone todas as fantasias e conheça a si mesmo como você é. O auto-conhecimento é desapego. Todo desejo é devido a uma sensação de insuficiência. Quando você sabe que não lhe falta nada, que tudo o que existe é você e é seu, os desejos cessam.
P: Para me conhecer devo praticar a consciência?
M: Não há nada para se praticar. Para conhecer a si mesmo, seja você mesmo. Para ser você mesmo, pare de imaginar-se sendo isto ou aquilo. Apenas seja. Deixe a sua verdadeira natureza emergir. Não perturbe a sua mente com procura.

P: Vai levar muito tempo se eu apenas esperar pela auto-realização.
M: Pelo quê você tem de esperar quando isso já está aqui e agora? Você só tem de olhar e ver. Olhe para você mesmo, em seu próprio ser. Você sabe que você é e você gosta disso. Abandone toda imaginação, isso é tudo. Não confie no tempo. Tempo é morte. Quem espera, morre. A vida é agora apenas. Não fale comigo sobre o passado e o futuro, eles existem apenas na sua mente.

P: Você também morrerá.
M: Eu já estou morto. A morte física não fará nenhuma diferença no meu caso. Eu sou o ser atemporal. Eu estou livre de desejo ou medo, porque eu não me lembro do passado ou imagino o futuro. Onde não há nomes e formas, como pode haver desejo e medo? Com a ausência de desejo vem a atemporalidade. Estou seguro porque o que não é, não pode tocar o que é. Você se sente inseguro porque você imagina o perigo. Naturalmente, o seu corpo, como tal, é complexo e vulnerável e precisa de proteção. Mas você não. Quando você realizar o seu próprio ser inatacável, você estará em paz.
P: Como posso encontrar paz quando o mundo sofre?
M: O mundo sofre por razões muito válidas. Se você quiser ajudar o mundo, você deve estar além da necessidade de ajuda. Então, todas as suas ações, bem como as não-ações irão ajudar o mundo da forma mais eficaz.

P: Como pode a não-ação ser útil, quando as ações são necessárias?
M: Sempre que é necessário agir, a ação acontece. O homem não é o ator. Sua ação é estar ciente do que está acontecendo. Sua própria presença é ação. A janela é a ausência da parede e ela dá o ar e a luz porque ela é vazia. Esteja vazio de todo o conteúdo mental, de toda imaginação e esforço, e a própria ausência de obstáculos fará a realidade invadir. Se você realmente quiser ajudar uma pessoa, mantenha-se afastado. Se você está emocionalmente comprometido em ajudar, vai falhar em ajudar. Você pode estar muito ocupado e muito feliz com o seu caráter caridoso, mas não terá feito muito. Um homem é realmente ajudado quando ele não está mais necessitando de ajuda. Todo o resto é apenas futilidade.
P: Não há tempo suficiente para sentar e esperar que a ajuda aconteça. É preciso fazer alguma coisa.

M: De todo jeito - faça. Mas o que você pode fazer é limitado, apenas o Ser é ilimitado. Dê ilimitadamente de si mesmo. Tudo o mais você pode dar em pequenas medidas apenas. Somente você é imensurável. Ajudar é a sua própria natureza. Mesmo quando você come e bebe você ajuda seu corpo. Para si mesmo, você não precisa de nada. Você é puro doar, sem começo, sem fim, inesgotável. Quando você vê tristeza e sofrimento, fique com eles. Não se apresse em agir. Nem a aprendizagem nem a ação podem realmente ajudar. Fique com a tristeza e revele as suas raízes - ajudar a entender é a verdadeira ajuda.
P: Minha morte está se aproximando.
M: O seu corpo é que tem um tempo curto, não você. O tempo e o espaço estão apenas na mente. Você não é limitado. Apenas compreenda a si mesmo, isso em si é a eternidade.