terça-feira, 6 de abril de 2010

Meher Baba - O Amor


A vida e o amor são inseparáveis um do outro. Onde há vida, há amor. Mesmo a consciência mais rudimentar está sempre tentando romper seus limites e experimentar algum tipo de unidade com outras formas. Embora cada forma esteja separada das outras formas, na realidade, são todas as formas da mesma unidade da vida. O sentimento latente por essa realidade interior escondida, indiretamente se faz sentir até mesmo no mundo da ilusão através da atração que uma forma tem por outra forma. A lei da gravitação, a qual todos os planetas e as estrelas estão sujeitos, é à sua maneira um tênue reflexo do amor que permeia todas as partes do universo. Mesmo as forças de repulsão, na verdade, são expressões do amor, pois as coisas são repelidas umas das outras porque são mais fortemente atraídas para outras coisas.



Repulsão é uma consequência negativa da atração positiva. As forças de coesão e de afinidade, que prevalecem na própria constituição da matéria, são expressões positivas do amor. Um exemplo flagrante do amor nesse nível é encontrado na atração que o ímã exerce sobre o ferro. Todas essas formas de amor são do tipo mais baixo, uma vez que estão necessariamente condicionadas pela consciência rudimentar em que elas aparecem. No mundo animal o amor se torna mais explícito na forma de impulsos conscientes que são direcionados para diferentes objetos no ambiente. Esse amor é instintivo e toma a forma do satisfazer a desejos diferentes através da apropriação de objetos convenientes. Quando um tigre tenta devorar um cervo, ele está em um sentido muito real apaixonado pelo cervo. A atração sexual é outra forma de amor neste nível. Todas as expressões de amor, nesta fase, têm uma coisa em comum, ou seja, todas elas procuram satisfazer um impulso ou desejo físico por meio do objeto de amor.



O amor humano é muito mais elevado que todas essas formas inferiores de amor, porque os seres humanos têm a consciência plenamente desenvolvida. Embora o amor humano seja contínuo com as formas inferiores subumanas de amor, de certa forma ele é diferente delas. Pois, daqui por diante as suas operações devem ser executadas lado a lado com um novo fator, que é a razão. Às vezes o amor humano se manifesta como uma força que está separada da razão e é paralela a ela. Às vezes manifesta-se como uma força que se mistura à razão e entra em conflito com ela. Finalmente, ele se expressa como um componente do conjunto harmonizado onde o amor e a razão foram equilibrados e fundidos em uma unidade integral.



Assim, o amor humano pode entrar em três tipos de combinação com a razão. No primeiro tipo, a esfera do pensamento e a esfera do amor são mantidas o mais separadas possível, ou seja, a esfera do amor é praticamente inacessível para a operação da razão, e ao amor é permitido pouco ou nenhum acesso à esfera do pensamento. A completa separação entre esses dois aspectos do espírito, naturalmente, nunca é possível. Mas quando há um funcionamento alternado do amor e da razão (oscilante em sua predominância), temos o amor que não deixa de ser iluminado pela razão ou a razão que não deixa de ser vivificada pelo amor.



No segundo tipo, o amor e a razão estão simultaneamente operando, mas eles não trabalham em harmonia um com o outro. Embora esse conflito gere confusão, é uma fase necessária na evolução do estado superior onde existe uma verdadeira síntese do amor e da razão. No terceiro tipo de amor, essa síntese entre o amor e a razão é um fato consumado, com o resultado que tanto o amor quanto a razão são transformados tão completamente, que precipitam o surgimento de um novo nível de consciência que, em comparação com a consciência humana normal, é melhor descrito como superconsciência.



O amor humano faz a sua aparição na matriz da consciência-ego, que tem desejos incontáveis. O amor é colorido por esses fatores de muitas maneiras. Assim como temos uma variedade de desenhos em constante mudança em um caleidoscópio através de várias combinações de elementos simples, encontramos uma variedade qualitativa quase sem limites na escala do amor devido a novas combinações de fatores. E assim como existe uma infinidade de tonalidades de cores em flores diferentes, existem diversas diferenças delicadas no amor humano.



O amor humano é cercado por uma série de fatores obstrutivos, como a paixão, a luxúria, a ganância, a raiva e a inveja. Num certo sentido, mesmo esses fatores obstrutivos ou são formas inferiores de amor ou subprodutos inevitáveis dessas formas inferiores de amor. Paixão, luxúria e cobiça podem ser encarados como formas pervertidas e inferiores de amor. Na paixão uma pessoa está enamorada de um objeto sensual; na luxúria ela desenvolve um desejo por sensações em relação a ele, e na cobiça ela deseja possuir esse objeto. Dessas três formas de amor inferior, a cobiça tem uma tendência de se estender do objeto original para os meios de obtê-lo. Assim, uma pessoa torna-se ávida por dinheiro, poder ou fama, que podem ser instrumentos para a posse de diferentes objetos ansiados. A raiva e o ciúme passam a existir quando essas formas inferiores de amor são negadas ou ameaçadas de serem negadas.



Essas formas inferiores de amor obstruem a liberação do amor puro. A corrente do amor nunca pode tornar-se clara e uniforme até que seja desembaraçada dessas formas limitantes e pervertidas de amor inferior. As formas mais baixas são o inimigo da forma mais elevada. Se a consciência é pega no ritmo das formas inferiores, ela não pode emancipar-se dos sulcos auto-criados, encontrando dificuldades para sair deles e avançar adiante. Assim, as formas inferiores de amor continuam a interferir com o desenvolvimento da forma mais elevada e tem que ser abandonadas a fim de permitir o aparecimento desimpedido da forma mais elevada de amor.





A emersão do amor superior de dentro da concha do amor inferior é ajudada pelo exercício constante da discriminação. Portanto, o amor tem de ser cuidadosamente distinguido dos fatores obstrutivos da paixão, luxúria, cobiça e raiva. Na paixão, a pessoa é uma vítima passiva da magia da atração concebida pelo objeto. No amor há uma apreciação ativa do valor intrínseco do objeto do amor. O amor é também diferente da luxúria. Na luxúria há uma dependência de um objeto sensual e uma consequente subordinação espiritual de si para com ela, enquanto que o amor coloca a pessoa numa relação direta e coordenada com a realidade por trás da forma. Portanto, a luxúria é experimentada como sendo pesada e o amor como sendo leve. Na luxúria há um estreitamento da vida e no amor não há uma expansão do ser. Ter amado alguém é como adicionar uma outra vida à sua própria. Sua vida é, por assim dizer, multiplicada, e você praticamente vive em dois centros. Se você ama o mundo inteiro, do mesmo modo você vive no mundo todo; mas na luxúria há um refluxo da vida para baixo e uma sensação geral de dependência desesperada por uma forma que é considerada uma outra. Assim, na luxúria há a acentuação da separação e do sofrimento, enquanto que no amor há o sentimento de unidade e de alegria. A luxúria é dissipação, o amor é restauração. A luxúria é um desejo dos sentidos, o amor é a expressão do espírito. Luxúria busca satisfação, mas o amor experimenta satisfação. Na luxúria há excitação e no amor há tranquilidade.



O amor é igualmente diferente da cobiça (ganância). A cobiça é a possessividade em todas as suas formas grosseiras e sutis. Ela visa se apropriar de pessoas e de objetos grosseiros, bem como de coisas abstratas e intangíveis tais como fama e poder. No amor, a anexação de outra pessoa à vida individual da outra está fora de questão, e há uma efusão livre e criativa que aviva e reabastece o ser do amado independentemente de quaisquer expectativa para si. Temos o paradoxo de que a cobiça, que visa a apropriação de outro objeto, de fato conduz a um resultado oposto de colocar o ser sob a tutela do objeto. Enquanto que o amor, que só visa dar-se para o objeto, de fato leva a uma incorporação espiritual do amado no próprio ser do amante. Na cobiça o ser tenta possuir o objeto, mas ele próprio é possuído pelo objeto. No amor, o ser oferece-se para o amado sem reservas, mas nesse próprio ato ele descobre que ele incluiu o amado em seu próprio ser.



Paixão, luxúria e cobiça constituem uma doença espiritual, que muitas vezes torna-se mais virulenta pelos sintomas agravantes da raiva e do ciúme. O amor puro, num contraste nítido, é a floração da Perfeição espiritual. O amor humano está tão amarrado por essas condições limitantes que o aparecimento espontâneo de amor puro vindo de dentro, torna-se impossível. Assim, quando tal amor puro surge no aspirante, é sempre um presente. O amor puro surge no coração do aspirante, em resposta à descida da graça de um mestre perfeito. Quando o amor puro é recebido como um presente do Mestre pela primeira vez, ele se aloja na consciência do aspirante como uma semente num solo favorável; e no curso do tempo a semente se desenvolve em uma planta e depois em uma árvore adulta. A descida da graça do Mestre está condicionada, no entanto, pela preparação espiritual preliminar do aspirante. Esta preparação preliminar para a graça nunca está completa até que o aspirante tenha construído em sua composição espiritual alguns atributos divinos. Por exemplo, quando uma pessoa evita falar mal dos outros e pensa mais nos pontos positivos dos outros do que em seus pontos fracos, e quando ela pode praticar a tolerância suprema e deseja o bem para os outros, mesmo às custas de si mesma, ela está pronta para receber a graça do mestre. Um dos maiores obstáculos que impede essa preparação espiritual do aspirante é a preocupação. Quando, com um esforço supremo, este obstáculo da preocupação for ultrapassado, um caminho será pavimentado para o cultivo dos atributos divinos que constituem a preparação espiritual do discípulo. Tão logo o discípulo esteja pronto, a graça do Mestre descende; quanto ao Mestre, que é o oceano do amor divino, ele está sempre à espreita por uma alma na qual sua graça irá dar frutos. O tipo de amor que é despertado pela graça do Mestre é um privilégio raro. A mãe que está disposta a sacrificar tudo e morrer por seu filho e o mártir que está preparado para desistir de sua própria vida pelo seu país, são de fato extremamente nobres, mas não necessariamente eles provaram esse puro amor nascido através da graça do Mestre. Mesmo os grandes yogis que sentam-se em cavernas e nos cumes das montanhas e estão completamente absorvidos em profundo Samadhi (em transe meditativo) não têm necessariamente esse amor precioso.



O amor puro despertado pela graça do Mestre é mais valioso do que qualquer outro estímulo que possa ser utilizado pelo aspirante. Esse amor não só combina em si o mérito de todas as disciplinas, mas supera-as todas em sua eficácia para conduzir o aspirante ao objetivo. Quando o amor nasce, o aspirante tem apenas um desejo, que é ser unido com o Amado divino. Essa retirada da consciência de todos os outros desejos leva à pureza infinita; portanto, nada purifica o aspirante mais completamente do que esse amor. O aspirante está sempre disposto a oferecer tudo para o amado divino e nenhum sacrifício é difícil demais para ele. Todos os seus pensamentos estão afastados de si e passam a ser exclusivamente centrados no Amado divino. Através da intensidade desse amor sempre crescente, ele finalmente rompe as algemas do ego e se une com o Amado. Essa é a consumação do amor. Quando, desse modo, o amor encontrou a sua fruição, ele tornou-se divino. O amor divino é qualitativamente diferente do amor humano. O amor humano é para os muitos no Um e o amor divino é para o Um nos muitos. O amor humano leva a inúmeras complicações e emaranhamentos, mas o amor divino leva à integração e à liberdade. No amor divino o aspecto pessoal e o impessoal são igualmente equilibrados; no amor humano, os dois aspectos estão em ascendência alternada. Quando a nota pessoal for predominante no amor humano, ela leva à cegueira total para o valor intrínseco de outras formas.



Quando, como num sentido de dever, o amor é predominantemente impessoal, ele muitas vezes torna a pessoa rígida, fria e mecânica. Uma sensação de dever vem para o indivíduo como uma restrição externa sobre o comportamento, mas no amor divino há liberdade irrestrita e espontaneidade sem limites. O amor humano, no seu aspecto pessoal e impessoal é limitado, o amor divino com sua fusão do aspecto pessoal e impessoal é infinito em ser e expressão.



Mesmo o tipo mais elevado de amor humano está sujeito às limitações da natureza individual, que persiste até o “sétimo plano de involução da consciência”*. O amor divino surge depois do desaparecimento da mente individual e é livre dos empecilhos da natureza individual. No amor humano a dualidade do amante e do amado persiste, mas no amor divino o amante e o amado se tornam um. Nesta fase o aspirante sai do domínio da dualidade e se torna um com Deus; pois Deus É o Amor Divino. Quando o amante e o Amado são um, esse é o fim e o começo. É pelo amor que todo o universo veio à existência, e é por causa do amor que ele é mantido. Deus descende ao reino da Ilusão porque a aparente dualidade do Amado e do amante é eventualmente contributiva para Sua apreciação consciente de Sua própria divindade. O desenvolvimento do amor é condicionado e sustentado pela tensão da dualidade. Deus tem de sofrer uma aparente diferenciação em uma multiplicidade de almas, a fim de exercer o jogo do amor. As almas são as próprias formas Dele, e em relação a elas, de uma só vez Ele assume o papel do divino amante e do divino Amado. Como o Amado, Ele é o objeto real e o final de apreciação das almas. Como o divino Amante, Ele é o salvador real e definitivo das almas, chamando-as de volta para si próprio. Assim, apesar de todo o mundo da dualidade ser apenas uma ilusão, esta ilusão veio a ser por um propósito significativo. O amor é o reflexo da unidade de Deus no mundo da dualidade. Constitui toda a importância da criação. Se o amor fosse excluído da vida, todas as almas no mundo assumiriam completa externalidade umas às outras, e as únicas relações e contatos possíveis, de tal mundo sem amor, seriam superficiais e mecânicas. É por causa do amor que os contatos e as relações entre as almas individuais se tornam significativos. É o amor que dá sentido e valor a todos os acontecimentos no mundo da dualidade. Mas enquanto o amor dá significado para o mundo da dualidade, é ao mesmo tempo um desafio permanente à dualidade. Quando o amor reúne força, ele gera uma inquietação criativa e se torna a principal força motriz daquela dinâmica espiritual que finalmente consegue recuperar a unidade original de Ser da consciência.


*o último e mais elevado estágio que a consciência pode atingir, de acordo com Meher Baba