segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Rodney Collin - Lembrança de Si, Consciênia e Memória

Se a lembrança de si é tão desejável, por que é tão difícil alcançá-la? Para responder essa questão, devemos retornar em maiores detalhes à questão da atenção. A possibilidade de estados superiores de consciência no homem depende precisamente de que certas matérias refinadas produzidas pelo corpo estejam submetidas à sua atenção.
O processo de digestão no homem consiste da rarefação progressiva de alimento, ar e percepções que ele recebe; e a matéria fina da qual falamos pode ser considerada como o produto final dessa rarefação em condições usuais. Diferente dos músculos ou do sangue, que são constituídos por células, essa matéria pode ser visualizada num estado molecular – ou seja, num estado semelhante aos gazes ou perfumes. É assim extraordinariamente volátil, instável e difícil de conter.
No caso do homem, contudo, está sujeita ao controle psicológico, e esse controle psicológico é atenção. Controlada pela atenção, essa matéria torna-se o veículo potencial da autoconsciência.
No estado comum do homem – ou seja, ao atuar como uma máquina, quando seus processos internos operam independentemente de sua vontade ou desejo – essa matéria fina segue as leis que governam todas as matérias livres em estado molecular. Difunde-se a partir do homem em todas as direções ou nas direções que ‘chamam sua atenção’. Tão logo seja produzida, ou com breve retardo, essa matéria fina sai através dele de uma forma ou de outra. Contê-la ou acumulá-la requer vontade, que ele normalmente não possui e produz uma tensão interna que só pode ser mantida com muito autoconhecimento e autocontrole.
Essa difusão da energia mais refinada do homem toma várias formas. Pode sair dele normalmente como energia sexual, verter dele nocivamente como rancor ou irritação e filtrar-se a partir dele como inveja ou autopiedade. Mais comumente, difunde-se simplesmente a partir dele para criar o curioso estado de ‘fascinação’, no qual o homem perde completamente sua identidade, seja numa conversa, numa tarefa, com um amigo, um inimigo, um livro, um objeto, um pensamento ou uma sensação. Essa ‘fascinação’ é simplesmente o efeito da matéria fina fluindo do homem numa direção determinada por seu tipo e personalidade, arrastando com ela sua atenção. Em casos extremos, essa sucção de atenção pode ser tão completa, que o corpo do homem fica então como um ser vazio até mesmo dos rudimentos de uma individualidade psíquica. Essa fascinação é o modo mais usual de gastar a matéria fina da energia criativa do homem. Constitui de fato o estado usual do homem e, por essa mesma razão, é completamente irreconhecível e comumente invisível.
Pelas classes mais refinadas e produtivas de trabalho humano, pelo uso da atenção, um homem aprende a manter essa ‘fascinação’ numa certa direção. Um bom sapateiro, por exemplo, permanece por uma hora ‘fascinado’ pela confecção de um par de sapatos, um político ‘fascinado’ pela elocução de seu discurso e uma mulher ‘fascinada’ pela carta que escreve a um amigo. Sem essa retenção mais elementar da atenção numa determinada direção, nenhum bom trabalho, seja de que espécie for, poderá ser produzido.
Existem assim três categorias no gasto comum ou difusão de matéria fina. O fluxo exterior pode vagar de objeto em objeto, da visão para a audição e desta para o pensamento à medida que um ou outro fenômeno chame sua atenção. Novamente, o fluxo para o exterior pode ser atraído por algo que exerça forte impressão na atenção – uma pessoa da qual gostamos, outra que nos irrita, um livro interessante, um som agradável, etc. Ou, finalmente, por um simples esforço de atenção, o fluxo pode ser mantido por certo tempo numa direção desejada.
Como dissemos, esses diferentes modos nos quais a matéria fina é normalmente consumida representam diferentes aspectos da função particular em atividade – um aspecto puramente automático, um aspecto emocional ou um aspecto intencional. Além do mais, elas são características de três processos distintos e produzem três grupos de resultados diferentes.
Ao mesmo tempo, todos eles são mecânicos e sua principal característica é que sua atenção só é suficiente para tornar possível que a matéria fina que traz o estado de alerta aplique-se a uma coisa de cada vez. Este é o estado ordinário do homem. Ele pode dar-se conta somente de uma coisa por vez. Pode dar-se conta ou da pessoa com quem está falando ou de suas próprias palavras, pode estar atento à indisposição de alguém ou à dor em seu próprio corpo, pode dar-se conta de uma cena ou de seus próprios pensamentos. Mas, exceto em ocasiões muito raras, não pode estar atento simultaneamente a suas próprias palavras e à pessoa a quem as está dirigindo, à sua própria dor e à dor de alguma outra pessoa, a uma cena e a seus próprios pensamentos. Assim, todos os ‘dar-se conta’ do homem em seu estado ordinário podem ser classificados como ‘fascinação’, pois, dando-se conta de algum fenômeno exterior, perde o dar-se conta de si mesmo, ou dando-se conta de algo nele mesmo, perde o dar-se conta do mundo exterior – ou seja, torna-se ‘fascinado’ por algo interno ou externo, com exclusão de todo o resto.
Certamente, a experiência de todo homem contém casos de atenção dividida e, não fosse assim, não teríamos indício algum de como proceder. Uma das razões para o extraordinário poder que as sensações do amor e do sexo têm sobre os homens, por exemplo, é que, em determinadas circunstâncias, elas trazem um intenso estado de alerta de si mesmo e do outro ao mesmo tempo. Essa é uma verdadeira degustação do estado seguinte de consciência. Mas, se essa sensação chega a homens completamente despreparados, ela é acidental e está além de seu controle.
Uma das principais coisas ensinadas nas escolas do quarto caminho é a divisão intencional da atenção entre si mesmo e o mundo exterior. Mediante longa prática e constante exercício da vontade, a matéria fina do estado de alerta não é permissivamente fluída numa só direção, mas dividida, uma parte sendo retida em si mesmo enquanto a outra é dirigida ao exterior em direção ao que quer que se esteja estudando ou fazendo. Pela divisão da atenção, o estudante aprende a dar-se conta de si mesmo enquanto fala com outro, de si mesmo enquanto permanece em determinado cenário, de si mesmo agindo, sentindo ou pensando em relação ao mundo exterior. Desse modo, aprende a lembrar-se de si, primeiro por alguns momentos e, logo, com frequência crescente. E em proporção a seu aprendizado de lembrança de si, suas ações adquirem consistência e significação que eram impossíveis enquanto sua atenção movia-se unicamente de uma fascinação a outra.
A característica desse segundo estado, de lembrança de si, é a divisão da atenção. Existem várias coisas estranhas a respeito desse estado. Primeiro, por certas razões cósmicas, ninguém pode empreendê-la ou praticá-la até que lhe tenham falado dela ou explicado. Segundo, quando explicada, toda pessoa normal tem vontade e energia suficientes para captar um vislumbre momentâneo do que pode significar. Se ele deseja, pode, no momento em que ouve a respeito, tornar-se alerta de si mesmo e de seu meio ambiente, de si mesmo sentado numa cadeira lendo sobre uma nova idéia.
Mas essa lembrança de si não pode ser repetida ou mantida, exceto por esforço consciente, não pode acontecer por si mesma. Nunca se converte em hábito. E, no momento em que a idéia da lembrança de si ou da divisão da atenção é esquecida, todos os esforços, não importa o quanto sejam sinceros, degeneram-se mais uma vez em ‘fascinação’, isto é, no dar-se conta de uma coisa de cada vez.
Assim, é necessário assinalar que a estreita atenção colocada numa tarefa, o dar-se conta do corpo físico, o exercício mental de uma classe ou de outra, visões ou visualizações, mesmo dentro de emoções profundas, não constituem a lembrança de si. Tudo isso pode ser feito sem divisão de atenção, ou seja, podemos nos tornar ‘fascinados’ por uma tarefa, por um dar-se conta físico, por um exercício mental ou por uma emoção e, inevitavelmente, nos tornaremos fascinados no momento em que a atenção deixar de estar dividida entre o ator ou observador em nós mesmos e aquilo que observamos ou sobre o que atuamos.
Outra curiosa artimanha psicológica deve ser mencionada em conexão com o momento em que um homem escuta algo pela primeira vez a respeito da lembrança de si. Se ele a conecta com algo que já ouviu ou leu antes, com algum termo religioso, filosófico ou oriental com o qual já esteja familiarizado, a idéia imediatamente desaparece para ele, perde seu poder. Ela só pode abrir novas possibilidades para ele como uma idéia completamente nova. Se a conectarmos com alguma associação familiar, significa que ela ingressou na parte errada da mente, onde ficará arquivada como qualquer outro fragmento de conhecimento. Um choque foi desperdiçado e somente com grande dificuldade poderemos retornar à mesma oportunidade.
Quando um homem escuta algo pela primeira vez a respeito da lembrança de si, se o toma seriamente, todos os tipos de novas oportunidades imediatamente se abrem para ele. Não pode compreender como nunca pensou nisso antes. Sente que tem apenas que o fazer e todas as suas dúvidas, artificialismos e dificuldades desaparecerão e toda uma série de coisas se tornará possível e fácil para ele, as mesmas que antes considerava completamente fora de seu alcance. Sua vida toda será transformada.
Nesse sentimento, ele está tão certo quanto errado. Está bastante certo na crença de que, se ele pudesse lembrar de si mesmo, tudo seria diferente, tão diferente quanto ele imagina. Só que, a princípio, não vê a enorme resistência que há nele mesmo para dominar esse novo estado. Não percebe que, para alcançar a lembrança de si como um estado permanente ou mesmo para alcançar com frequência momentos recorrentes dela, ele deve reconstruir sua vida completamente. Essa tarefa exigirá uma grande parte da matéria fina que sua máquina pode poupar ou produzir, toda a vontade e atenção que pode desenvolver pelo exercício mais constante. Terá de lutar contra e abandonar eventualmente todas as formas psicopáticas de queimar sua matéria fina, a qual forma agora parte tão familiar e aparentemente necessária da sua vida – rancor, irritação, indignação, autopiedade, todos os tipos de medos, todas as espécies de sonhos, todas as formas pelas quais se hipnotiza no satisfazer-se com as coisas como elas são. Sobretudo, deve querer lembrar de si, constante e permanentemente, não importa quão doloroso e desconfortável possa ser fazê-lo nem quão desagradável possam ser as coisas que ele vê em si mesmo e nas outras pessoas. No momento em que ele cessa de querer lembrar de si, ele perde em algum nível e por certo tempo a possibilidade de fazê-lo.
Ainda que à primeira vista possa parecer extraordinariamente simples, fácil e óbvia, a lembrança de si ou a prática da divisão da atenção requer na realidade uma reconstrução completa da vida de alguém e de pontos de vista tanto em relação a si mesmo quanto em relação aos outros. Enquanto acreditarmos que podemos alterar a nós mesmos ou a outras pessoas, enquanto acreditarmos ter o poder de fazer, ou seja, de tornar as coisas diferentes do que são, seja interna ou externamente, o estado de lembrança de si parece retirar-se de nós quanto mais esforços façamos para alcançá-lo. O que a princípio parecia estar à mão começa a parecer infinitamente distante e impossível de alcançar.
E, ainda assim, muitos anos de conflitos e fracassos podem ser necessários antes que cheguemos a um fato psicológico curioso que, na realidade, está conectado a uma lei muito importante. Esse fato é que, embora seja extraordinariamente difícil dividir nossa atenção em dois, é muito mais possível que ela seja dividida em três: ainda que seja extraordinariamente difícil lembrar-se de si e do meio ambiente simultaneamente, pode ser muito mais possível lembrar-se de si e do meio ambiente que nos cerca na presença de algo mais.
Como vimos, nenhum fenômeno é produzido por duas forças: todo fenômeno e todo resultado real requer três forças. A prática da lembrança de si ou da divisão da atenção está conectada à tentativa de produzir um certo fenômeno: o nascimento da consciência em si mesmo. E, quando isso começa a acontecer, a atenção reconhece com alívio e alegria não dois, mas três fatores – o próprio organismo, sujeito do experimento, a situação na qual esse organismo está exposto no momento e algo permanente situado num nível superior a ambos e que, sozinho, pode resolver a relação entre os dois.
O que é esse terceiro fator que deve ser lembrado? Cada pessoa deve encontrá-lo por si mesma, assim como sua própria forma para ele – seja sua escola, seu professor, seu propósito, os princípios que aprendeu, o Sol, algum poder superior no universo ou Deus. Deve lembrar-se que ele e sua situação estão na presença de poderes superiores, estão ambos banhados pela influência celestial. Fascinado, ele está plenamente absorvido pela árvore que nota. Com a atenção dividida, vê tanto a árvore quanto a si mesmo olhando para ela. Lembrando de si, dá-se conta da árvore, de si mesmo e do Sol brilhando imparcialmente sobre ambos.
Falamos do mundo mineral, do mundo celular, do mundo molecular e do mundo eletrônico. A situação do homem, seus problemas, seu ambiente, dificuldades existentes no mundo material e celular – esta é a força passiva; a energia refinada de consciência dirigida por sua atenção existe no mundo molecular – esta é a força ativa. Aquela que pode resolver o eterno conflito entre esses dois mundos pode derivar-se somente de um mundo ainda mais elevado, o mundo do Sol, o mundo eletrônico. Como a luz do Sol, que une e interpenetra tudo, tanto criando quanto dissolvendo a individualidade, esse terceiro fator deve ser tal que, na lembrança dele, quem lembra está unido a seu meio ambiente, tanto adquire quanto perde a individualidade separada.
Se um homem puder descobrir esse terceiro fator, a lembrança de si torna-se possível para ele, podendo trazer-lhe muito mais do que indicou no início.
Assim, a lembrança de si sempre deverá conter três princípios, três coisas a serem lembradas. E, se uma delas está só e ocupada com alguma tarefa interna, é necessário então lembrar-se de três mundos em si mesmo, três lugares em si mesmo.
Por essa divisão da atenção em três, a matéria fina que é a condutora da força criativa do homem está dividida em três correntes – uma dirigida à ação direta no mundo exterior, outra dirigida no sentido de criar uma conexão com forças superiores e a outra retida em si mesmo. Aquela que é retida em si mesmo, ao longo do tempo seria cristalizada num veículo permanente de autoconsciência, ou seja, numa alma.
Ao mesmo tempo, deve ser lembrado que, onde quer que três forças atuem juntas, seis ordens e seis processos serão possíveis. Assim, pode haver uma lembrança de si para destruição, uma lembrança de si para cura e uma lembrança de si para crime. E, além dessas, a única e verdadeira lembrança de si: a lembrança de si para regeneração. Disso, concluímos que o homem deve priorizar aquelas forças ocultas e superiores e colocar a si mesmo e a sua alma passivamente a serviço delas, invocando como resultado aquela plenitude de vida e luz à qual apenas esse processo aspira.
Podemos tratar agora da relação entre consciência e memória.
A memória comum é um impulso que se move ao redor do círculo da vida do homem apenas na direção do tempo. Surge de um momento de grande conscientização; se não há consciência moral, nenhuma memória é criada. Memória é o traço potencial da lembrança de si. Aqui é possível uma analogia muito exata. Em relação à linha unidimensional da vida corpórea do homem, sua essência é bidimensional, conecta simultaneamente todos os pontos da linha, criando uma superfície. Em relação à superfície da essência do homem, a alma seria um sólido tridimensional, pois não apenas conectaria todos os diferentes pontos da sua vida e toda a superfície de sua essência, como também uniria estes a outras possibilidades e forças existentes em outra dimensão. Imaginemos que o círculo corpóreo do homem seja um fio, que a superfície conectiva de sua essência seja um disco metálico e a alma potencial seja um prisma sólido do qual a essência é como que uma seção isolada. O fenômeno da consciência será agora exatamente análogo ao calor.
Nossa sensação usual do viver é como se fosse um ponto de rápido calor que avançasse ao redor do círculo. Mas imaginemos um momento de consciência, digamos, aos quinze anos de idade. Nesse ponto, o fio esquenta. Impulsos de calor correm ao longo do fio em ambas as direções a partir desse ponto. Mas, naturalmente, para uma percepção que se move adiante, ao largo do fio a partir do ponto em questão, como estamos acostumados a nos mover no tempo, sempre lhe parecerá que procedem de trás, ou seja, do passado. A condução do calor ou memória para trás, isto é, em direção a uma idade mais precoce, nos será desconhecida por causa do nosso método de percepção. E, novamente, quanto mais nos distanciarmos do momento de consciência, do ponto aquecido, mais fracos parecerão os impulsos. A memória, como todos sabemos, vai-se desvanecendo gradualmente.
Ao mesmo tempo, ainda que a memória dos momentos de consciência apresente uma tendência a desaparecer, é importante compreender que esse desvanecimento não é consequência da passagem do tempo. Nossa principal ilusão sobre a memória é que ela declina com o tempo, como as roupas ou os edifícios. Não é assim. Ela declina pela falta de nutrição. Memória é gerada por consciência moral e deve ser nutrida por consciência moral, isto é, deve ser nutrida conscientemente.
Na verdade, memória é um fenômeno que não está sujeito às leis do tempo. O homem que realmente começa a compreender isso encontrará novos mundos abrindo-se perante ele e verá praticamente como entrar e possuir tais mundos.
Examinemos primeiro como a memória é perdida e então como pode ser cultivada e trazida à vida.
Como dissemos, a razão mais frequente para a perda de memória é unicamente negligência e inanição. O homem comum, em circunstâncias comuns, não faz esforços de nenhuma espécie para manter as memórias vivas, alimentá-las, recordá-las e prestar atenção nelas. A menos que sejam tão agradáveis ou dolorosas que a própria emoção as retenha em sua consciência, elas desaparecem naturalmente. Esta é a perda passiva de memória.
Mas há também uma destruição ativa da memória. Acha-se na substituição da memória pela imaginação ou, mais simplesmente, pela mentira. Dou, por exemplo, um passeio pela rua onde encontro um conhecido. A princípio, o encontro pode ser bastante claro em minha mente – o que eu disse, o que ele disse, como ele parecia e assim por diante. Mas, quando chego em casa, recapitulo o incidente para minha família. Ao fazê-lo, torno o incidente todo mais divertido e dramático do que realmente foi – faço minhas próprias observações mais engenhosas e as dele mais estúpidas, sugiro algo acerca de seus hábitos, talvez introduzindo outro caráter, ou adapto a conversa de modo a poder inserir uma piada que ouvi ontem. Depois não recordarei mais do fato como realmente foi, mas somente como o recontei. A imaginação e a mentira destruíram a memória.
E, se passo toda minha vida desse modo, certamente após alguns anos será totalmente impossível para mim, distinguir o que realmente me aconteceu do que eu queria que tivesse me acontecido ou temesse que pudesse me acontecer. Ou ainda do que aconteceu a outros ou que eu meramente tenha lido a respeito. Dessa forma, a memória é ativamente destruída. A diferença está no fato de que, enquanto a memória que se perde por negligência ainda permanece intacta, embora enterrada, e, com duros esforços, possa ser recuperada, a memória destruída por mentira é danificada para sempre, quando não absolutamente aniquilada.
Da mesma maneira que a plena circulação do sangue pelo corpo é necessária à saúde física e ao crescimento, assim também a plena circulação de memória através do longo corpo da vida do homem é necessária à saúde e ao crescimento da essência. Onde a circulação de sangue falta, onde órgãos são bloqueados ou obstruídos de seu fluxo, a enfermidade inevitavelmente se abate. Assim também ocorre na sequência temporal da vida. Aqueles anos, meses, incidentes ou relacionamentos que não desejamos recordar começam a ulcerar-se por falta de compreensão. Um bloqueio se forma, um ‘complexo’ se desenvolve e, sem nosso conhecimento do que está acontecendo, o presente torna-se intoxicado por aquilo que não queremos lembrar.
Vários sistemas psicológicos modernos reconheceram essa conexão entre a livre circulação da memória e a saúde psíquica. Alguns na verdade sustentaram que o fluxo de memória pode ser reportado até mesmo ao período anterior ao nascimento. Pacientes sob hipnose pareciam descrever as sensações do embrião no útero. Um deles, entrevistado pelo Dr. Denys Kelsey, falou até de um estado anterior a esse: “Estava escuro, ainda que repleto de cores de indescritível beleza, havia silêncio completo, ainda que o lugar estivesse preenchido de música celestial, havia quietude, ainda que tudo estivesse vibrando.”
Enquanto isso, o que tem sido negligenciado por tais sistemas é que a perda da memória não pode ser corrigida por qualquer método mecânico ou tratamento, a não ser conscientemente, por vontade e compreensão.
Imaginação, lembrança de si e memória implicam trabalho consciente no futuro, presente e passado, respectivamente.
Como então as memórias podem ser reanimadas e utilizadas? Apenas lhes devolvendo a vida intencional e conscientemente. Suponhamos que eu tenha uma razão particular para querer recordar um encontro com algumas pessoas – parece-me que cometi um erro em relação a elas ou deixei de aproveitar alguma oportunidade que me ofereciam e é muito importante que eu corrija isso. Cuidadosamente, com atenção, começo a desenrolar minha memória. Lembro-me de bater à porta do apartamento em que estavam, sinto que me abrem a porta, vejo-me entrando e sentando. Lembro-me da posição em que estavam sentadas, das cadeiras, dos móveis, dos quadros nas paredes e de como a luz caía sobre a cena vinda da janela. Logo lembro do que disse, da minha voz, de como me senti, de como as outras pessoas reagiram, do que disseram e assim por diante. Gradualmente, se mantenho minha atenção, todos os meus diferentes sentidos – de visão, sons, tato e humor – começarão a contribuir com suas distintas memórias e, pouco a pouco, a cena recuperará seu vigor em meu interior exatamente como foi. De uma vez, meu erro também reordena-se. Vejo-o claramente: tornou-se consciente.
Que eu possa ou não endireitar as coisas no presente ou aproveitar a oportunidade que perdi, são diferentes questões. Tal correção pode precisar de muito pouco tempo e pode até nem ser possível nesta vida. Mas o principal é que a consciência moral foi reportada ao passado. Sou mais consciente agora em relação ao incidente do que o era quando ele efetivamente ocorreu. Nesse sentido, por memória intencional, momentos adicionais de consciência moral podem sempre ser adicionados àqueles que ocorreram naturalmente na sequência do tempo. E, para esse processo de tornar o passado mais consciente, não há limite.
Se esses pontos de aumento de consciência no círculo da vida são multiplicados suficientemente, podemos imaginar que seria gerado calor bastante para afetar a essência do homem e, com o tempo, até mesmo o sólido de sua alma, embora a tarefa de aquecer algo de maiores dimensões a partir de alguma coisa menor – um disco a partir de um fio ou a essência a partir da personalidade, por exemplo – deva ser algo certamente imenso. A exemplo disso, se o calor tivesse de ser transferido da superfície da essência para o sólido da alma, a mesma desproporção seria aparente.
De fato, tal método de aquecimento é manifestamente pouco prático. E, da mesma forma, a idéia de criar consciência na alma exclusivamente a partir de baixo, por assim dizer, vai contra toda a crença e experiência humanas. Temos de supor que seus esforços por se tornar consciente podem mais cedo ou mais tarde levar o homem ao contato com uma fonte de calor ou consciência moral acima dele. A fonte de consciência deve ser considerada a favor de um mundo de mais dimensões.
Num sentido prático, na verdade, é claro que, mesmo a idéia de consciência penetrando profundamente dentro da essência de um homem fará com que ele procure por homens mais conscientes que ele e por ‘escolas’ dirigidas por tais homens. Portanto, seu interesse especial atuará magneticamente como que o atraindo para aqueles em cuja presença ele possa realmente adquirir mais consciência. E, se for um interesse verdadeiramente essencial, não lhe dará descanso até que os encontre.
Além disso, se um homem começa realmente a adquirir os rudimentos de um princípio permanente de consciência ou alma, é certo que essa alma, em virtude de sua penetração dentro de outra dimensão, pode conectá-lo a algum nível de universo em que a energia cósmica criativa seja ilimitada, podendo ser empregada para intensificar a consciência até o limite da resistência. Voltando à nossa explicação anterior, podemos supor que a alma pode relacionar diretamente um homem de matéria em estado molecular ao mundo infinito da energia molecular.
Então, na busca da consciência, precisa-se primeiro compreender que o homem deve fazer tudo por si mesmo – isto é, ele deve penetrar em outro nível somente por seus próprios esforços – e, segundo, que ele não pode fazer nada por si mesmo – ou seja, todo seu empenho deve ser contatar fontes e níveis de energia superiores, pois, a menos que tenha êxito ao fazê-lo, não poderia e nem pode conseguir nada.
Em todo caso, agora é possível começar a apreciar o efeito dos diferentes níveis ou graus de consciência moral. Momentos de consciência moral no círculo da vida corpórea produzirão memórias intensas para os outros momentos da vida e deveriam teoricamente produzir impulsos que retrocedessem em direção ao nascimento. Pudessem, todavia, os efeitos da consciência moral começar a penetrar a essência, mudanças muito maiores teriam lugar. Muito embora um fio perca calor quase que instantaneamente, um disco pode reter calor por um tempo muito maior. Em lugar de ser momentânea, como deve ser no círculo da existência corpórea, a consciência que penetrou na essência já tem certa duração, certa garantia. Não pode ser perdida subitamente. Além do mais, irradiará calor em todas as direções, aquecendo o entrelaçamento de círculos paralelos e cruzados da inter-relação de vidas humanas que, sabemos, estão tecidos numa massa sólida e inextricável. Assim, o contato ou presença de um homem com tal essência pode realmente aumentar a perspicácia daqueles que chegam dentro de sua esfera de radiação ou influência.
Pudesse o sólido interno tornar-se quente, isto é, tivesse um homem criado nele uma alma consciente a partir do material de conscientização acumulado, uma mudança enorme teria resultado. Em primeiro lugar, um sólido aquecido pode na verdade reter calor por um tempo muito maior. Para tal homem, a consciência moral se terá tornado permanente, o fogo central de seu ser. Mais ainda, irradiar-se-á sobre uma área extensivamente maior, talvez cem vezes maior que aquela aquecida só pela irradiação da essência.
Temos assim uma base para classificar os homens de acordo com seu grau de consciência moral. Primeiro há a enorme massa de homens comuns nos quais a consciência, se realmente existe, ocorre apenas momentaneamente e por acidente no curso da vida corpórea. Segundo, existem aqueles para quem a idéia de consciência penetrou na essência e assim adquiriu duração e confiabilidade. E, finalmente, existe um punhado de homens espalhados pela história e pelo mundo que criaram almas conscientes para si mesmos e para quem a autoconsciência é permanente e por cujo intermédio têm o poder de influenciar milhares ou mesmo milhões de homens.
Finalmente, e invisivelmente, podem existir homens de espírito consciente.
A verdadeira história da humanidade é a história da influência desses homens conscientes.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Meher Baba - Entrando nas realidades da vida interior

Embora a realização da Verdade seja o destino final de todas as pessoas, existem muito poucos que têm a preparação necessária para realização inicial desse glorioso destino. A mente do indivíduo mundano está obscurecida por uma espessa camada de sanskaras* acumulados, que deve ser consideravelmente enfraquecida até mesmo para que o aspirante possa entrar no caminho espiritual. O método usual para dissipar gradualmente a carga de sanskaras é seguir com o maior rigor possível, o código externo de rituais e cerimônias religiosas. Essa fase de conformidade externa às injunções ou tradições religiosas é conhecida como a busca do Shariat, ou karma-kanda. Ela abrange ações como oferecer orações diárias, visitar lugares sagrados, cumprir os deveres prescritos pelas escrituras e observar as regras bem estabelecidas dos códigos éticos geralmente aceitos pela consciência moral da época. A fase de conformidade externa é útil à sua maneira como uma disciplina espiritual, embora não esteja de forma alguma livre de efeitos maléficos. Pois ela não apenas tende a tornar a pessoa seca, rígida e mecânica, mas, muitas vezes, nutre algum tipo sutil de egoísmo. No entanto, a maioria das pessoas está ligada à vida de conformidade externa porque elas acham que essa é a maneira mais fácil de aplacar suas consciências inquietas. A alma, muitas vezes, gasta várias vidas acumulando as lições da conformidade externa, mas sempre chega um momento em que ela se cansa da conformidade externa e torna-se mais interessada nas realidades da vida interior. Quando uma pessoa mundana parte para esse tipo superior de busca, pode ser dito que ela tenha se tornado um aspirante. Como o inseto que passa por uma metamorfose para o próximo estágio de existência, o aspirante transcende a fase de conformidade externa (Shariat, ou karma-kanda) e entra no caminho da emancipação espiritual, conhecido como tariqat ou Adhyatma-marga. Nesta fase superior o aspirante já não está satisfeito com a conformidade externa de determinadas regras, mas quer adquirir aquelas qualificações que tornariam sua vida interior espiritualmente bela. Do ponto de vista das realidades da vida interior, a vida de conformidade externa pode muitas vezes ser espiritualmente estéril e uma vida que se desvia de tal conformidade rígida pode muitas vezes ser espiritualmente rica. Ao buscar conformidade com as convenções e as formalidades estabelecidas, há quase sempre uma tendência de se escorregar para uma vida de valores falsos ou ilusórios em vez de uma vida baseada em valores verdadeiros e duradouros. O que é convencionalmente reconhecido nem sempre precisa ser espiritualmente sadio. Pelo contrário, muitas convenções expressam e incorporam valores ilusórios uma vez que têm surgido como resultado do funcionamento de mentes medianas espiritualmente ignorantes. Os valores ilusórios são em sua maioria convencionais porque transformam-se naquela matriz de mentalidade que é mais comum. Isso não significa necessariamente que as convenções não incorporem nada além de valores ilusórios. Às vezes as pessoas se voltam para as coisas não-convencionais unicamente para estarem fora do que é ordinário. A natureza incomum de suas atividades ou interesses lhes permite sentir a sua separação e diferença de outros e terem prazer nisso. As coisas não-convencionais, muitas vezes também suscitam o interesse apenas por causa de sua novidade, em contraste com aquelas que são convencionais. Os valores ilusórios daquilo que é habitual tornam-se insípidos através da familiaridade e a mente então tem uma tendência de transferir a ilusão de valores para aquelas coisas que não são usuais, em vez de tentar descobrir valores verdadeiros e duradouros. Transcender o estágio de conformidade externa não implica numa mudança meramente mecânica e impensada da convencionalidade para a inconvencionalidade. Tal mudança seria fundamentalmente de natureza reativa e não poderia de modo algum contribuir para uma vida de liberdade e de verdade. A liberdade da convencionalidade que aparece na vida do aspirante não é devida a uma reação acrítica, mas deve-se ao exercício do pensamento crítico. Aqueles que transcendem o estágio de conformidade externa e entram na vida superior das realidades internas devem desenvolver a capacidade de distinguir entre os valores falsos e verdadeiros, independentemente da convencionalidade ou da inconvencionalidade. A ascensão do Shariat (karma-kanda) para o tariqat (Adhyatma-marga) não deve ser interpretada, portanto, como sendo apenas um abandono da conformidade externa. Não é uma mudança da convencionalidade para a idiossincrasia, do habitual para o incomum. É uma mudança de uma vida de aceitação irrefletida das tradições estabelecidas para um modo de ser que é baseado na apreciação ponderada da diferença entre o que é importante do que é sem importância. É uma mudança de um estado de ignorância implícita para um estado de reflexão crítica. Na fase da mera conformidade externa, a ignorância espiritual do indivíduo é muitas vezes tão completa que ele nem percebe que ele é ignorante. Mas quando a pessoa está sendo despertada e entra no caminho, ela começa a perceber a necessidade de uma verdadeira luz. As fases iniciais do esforço para atingir essa luz têm a forma de discriminação intelectual entre o duradouro e o transitório, entre o verdadeiro e o falso, o real e o irreal, o importante e o sem importância.
Para o aspirante espiritual, no entanto, não é suficiente meramente exercer a discriminação intelectual entre o falso e o verdadeiro. Embora a discriminação intelectual seja, sem dúvida, a base para todas as preparações seguintes, ela dá frutos apenas quando os novos valores percebidos são trazidos na relação com a vida prática. Do ponto de vista espiritual, o que importa não é teoria mas sim a prática. As idéias, opiniões, crenças, pontos de vista ou doutrinas que uma pessoa pode manter intelectualmente constituem uma camada superficial da personalidade humana. Muitas vezes, a pessoa acredita em uma coisa e faz exatamente o oposto. A falência das crenças estéreis é ainda mais lamentável, porque a pessoa que se alimenta delas, muitas vezes sofre com a ilusão de que ela é espiritualmente avançada, quando na verdade ela nem sequer deu início à vida espiritual.
Às vezes até mesmo uma visão errada, que é mantida com fervor, indiretamente, pode convidar uma experiência que abre as portas para a vida espiritual. Mesmo na fase de Shariat, ou karma-kanda, não é raro que a fidelidade às religiões seja uma fonte de inspiração para muitos atos altruístas e nobres. Por enquanto, os dogmas ou credos são aceitos cegamente, eles são muitas vezes realizados com um fervor e entusiasmo que suprem um elemento dinâmico para a ideologia que foi aceita pela pessoa naquele momento. Os dogmas e credos, em comparação com visões e doutrinas estéreis, têm a vantagem de ser adotados não somente pelo intelecto, mas também pelo coração. Eles cobrem e afetam uma parte mais ampla da personalidade do que as opiniões puramente teóricas. No entanto, os dogmas e credos geralmente são tanto uma fonte de mal como de bem, porque neles a visão orientadora está nublada devido à degeneração ou à suspensão do pensamento crítico. Se a fidelidade aos credos e dogmas por vezes tem sido boa para o indivíduo ou para a comunidade a que ele pertence, eles têm mais frequentemente feito mal. Embora a mente e o coração estejam envolvidos na obediência aos dogmas e credos, ambos funcionam nesses casos sob a séria desvantagem da suspensão do pensamento crítico. Assim, os dogmas e credos não contribuem puramente para o bem. Quando uma pessoa abandona os dogmas e credos aceitos acriticamente, em favor de pontos de vista e doutrinas aos quais ela dedicou seu pensamento, há um certo avanço, uma vez que sua mente já começou a pensar e analisar criticamente as suas crenças. Muitas vezes, porém, as crenças recentemente assumidas mostram-se carentes do fervor e do entusiasmo que caracteriza essa fidelidade aos dogmas e credos. Se essas crenças recentemente adotadas carecem de força motivadora, elas pertencem apenas aos aspectos superficiais da vida e ficam frouxas sobre a pessoa como um casaco largo. A mente foi emancipada do domínio da emoção inculta, mas, muitas vezes, isso é alcançado ao sacrificarmos a cooperação do coração. Se os resultados do pensamento crítico forem espiritualmente frutíferos, esses resultados devem novamente invadir e reconquistar o coração de modo a mobilizar o seu funcionamento cooperativo. Em outras palavras, as idéias que forem aceitas após a análise crítica devem ser liberadas novamente na vida ativa para produzir os seus totais benefícios. No processo da vida prática, frequentemente elas passam por uma transformação saudável e tornam-se mais profundamente entrelaçadas com o próprio tecido da vida.
A transição da conformidade externa (Shariat, ou karma-kanda) para a vida das realidades interiores (tariqat, ou Adhyatma-marga) envolve duas etapas: (1) libertar a mente da inércia da aceitação acrítica baseada em imitação cega e ativando-a para um pensamento crítico, e (2) trazer os resultados do pensamento crítico e discriminativo para a vida prática. A fim de ser espiritualmente fecundo, o pensamento não deve ser apenas crítico, mas criativo. O pensamento crítico e criativo conduz à preparação espiritual ao cultivar essas qualidades que contribuem para a perfeição e o equilíbrio da mente e do coração e para a liberação irrestrita da Vida Divina.


* pesquizar no blog as explicações referentes ao termo Sanskaras

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

G. I. Gurdjieff – Paris, 22 de julho de 1943

Simone: Antes de conhecer o trabalho, eu era muito mais inquieta, pois eu sentia coisas ruins das quais eu pensava que eu nunca conseguiria me livrar. Isso mantinha em mim essa inquietação, talvez não constante, mas muito frequentemente. Tenho percebido que com o trabalho, isso passou e que eu tenho me sentido mais calma internamente. Gostaria de encontrar de novo meu estado de inquietação porque isso está faltando em mim. O que eu poderia fazer para encontrar isso novamente?


Gurdjieff: Antes você achava que você poderia ter êxito dessa maneira. Com estes resultados, jamais você pode fazer coisa alguma. Você terá êxito somente se você fizer um esforço mais forte do que o ordinário. Mas você não tem nem mesmo o gosto por isso talvez. Você já tem vindo aqui por um longo tempo, é obrigatório que você compreenda o que é esforço. Auto-esforço. Vou lhe contar um segredo: o auto-esforço nunca é possível de uma vez, uma preparação é necessária. Uma luta é necessária. Até que a pessoa tenha êxito, ela esquece, se lembra, esquece, lembra. Mas quando você está sentada, calma, você pode pensar e começar a fazer, até agora você ainda não fez nenhum esforço.


Simone: É por isso que eu faço essa pergunta. Estou ali e sinto-me muito tranquila.


Gurdjieff: Você imagina, você acredita que você irá direto pra o paraíso. Não, aqui devem haver esforços acima do ordinário. Por exemplo, para esta pessoa (ele aponta para um recém chegado) está bom o bastante, mas quanto a você, não irá longe dessa maneira. Você deve começar a fazer um super esforço, e agora, se você não faz isso, é porque você não tem uma meta. Como você pode permanecer calma? Com o esforço que você está fazendo hoje, você jamais terá êxito. Uma pessoa normal não poderia ficar calma.


Simone: É exatamente por essa razão que isso me incomoda.


Gurdjieff: É necessário fazer esforços aqui. Você está acostumada a agir como antes na vida. Antes, era esse desejo, agora já não é mais suficiente. O esforço deve tencionar todos os seus músculos, todos os seus nervos, até mesmo todo o seu cérebro. Uma concentração similar deve ser sua. Você já deveria estar fazendo isso a bastante tempo. No início, para uma pessoa nova é perdoável. Para você, você tem o gosto pelo trabalho real. Você tem que tornar isso real na sua vida ordinária. Eu sou – sempre: Eu-Sou. Nunca esqueça. Pouco a pouco seu “eu” deve estabelecer um contato com a sua essência. É necessário repetir isso muitas vezes.


Aboulker: Passei a preferir emoções violentas, do que a inércia passiva e habitual.


Gurdjieff: Isso não existe para o seu 'eu' real, ativo ou passivo. Isso depende do seu estado. As coisas externas são indiferentes. Lembre-se que às vezes, você pensa que é negativo e talvez seja o contrário. De modo a se ter uma verdade material, não pense sobre seu estado. Não filosofe, apenas observe, objetive o seu “eu” real.


Luc: Fiz observações próximas às do doutor. Mas isso convida as emoções negativas a retornarem com mais força. Esta semana tem sido a melhor, porque eu tenho tido algumas emoções negativas. É perigoso, é real, a devastação é possível, mas tenho tido o gosto do que pode ser uma vida.


Gurdjieff: Continue. Mas com a compreensão de que o que você está acumulando é uma coisa substancial não apenas para o presente, mas para o futuro. Isso é muito importante. Já é hora de pensar em lembrar e ao mesmo tempo de retratar para você mesmo em formas, não em palavras, o que está acontecendo a você.


Luc: Eu estava esgotado pelas minhas emoções negativas até mesmo organicamente. Hoje, nunca me senti tão bem, tão animado.


Gurdjieff: Nunca você tinha tido prata liquida antes. Você deve sentir que você tem hoje um pouco de prata liquida.


Luc: Sentimos que nosso corpo está sob pressão, que ele é o palco de tal luta que vai quebrá-lo em pedaços.


Gurdjieff: Lembre-se, eu disse: o homem não é um porco, ele não pode estourar quando come. O porco tem um estômago normal, ele não pode comer mais do que seu estômago permite, senão ele estoura; o homem é um canalha, ele tem um estômago de borracha indiana. Ele é pior que um porco, ele engole, engole sem nunca estourar. Não apenas o estômago, mas todos os órgãos são de borracha. Mas pouco a pouco ele degenerou. Mesmo a borracha, se não a usarmos encolhe. É apenas se a pessoa restaura-o deixando-o mil vezes maior que ele fica como deveria ser. “Estourar”, é uma palavra fantástica. Só o porco pode estourar, o homem não pode. O porco tem um estômago normal, ele pode estourar. O estômago do homem é de borracha, e todos os seus órgãos também. Continue sem medo, se for dez vezes mais forte, é dez vezes melhor; você irá dez vezes mais rápido aqui no meu grupo. Não tenha medo, você não vai estourar. Isso é imaginação. Como a pessoa pode estourar se ela come bem? Você está acostumado engolir como um porco. Você nunca come bem. Apenas agora você começa a aprender o que é comer de verdade. Não fique assustado. Continue e continue. Deixe essa sensação que cria isso cada vez que ele se expande, você é exatamente como uma criança que tem soluços quando come bastante. A natureza aumenta o estômago dela. Uma criança pode ter soluço mil vezes. Você está na sua primeira vez. Não tenha medo, você os terá mais novecentas e noventa e nove vezes.


Sr. Franc: Eu entendo bem o esforço contra as emoções negativas, mas o que me atrapalha mais é um lado muito leve do meu caráter que faz piadas, mesmo a respeito da minha própria miséria. Isso impede em mim o remorso e a pena. Como posso me livrar disso?


Gurdjieff: Isso prova que você não sabe o que você está procurando. Você se interessa por essas questões sem participar com o seu instinto. Você disse muito bem. Eu entendo porque você não avança. Eu sei o segredo do porquê você está estagnado no mesmo lugar, um, dois, um, dois; até agora seu instinto estava isolado. Ele nunca tomou parte no seu trabalho. Eu lhe darei uma série de exercícios. Mas você entendeu o que eu expliquei. Você sentiu que o seu interior nunca está interessado por essa coisa que você está trabalhando. Alguma coisa em você permanece fora, ele olha. Outra parte e você faz alguma outra coisa; você trabalha sem instinto. Tudo trabalha, a cabeça, o sentimento, exceto o que deveria. Ele nunca fez nada para mudar.


Hignette: Tenho tentado usar as emoções negativas. Tenho superado muito bem, mas tive a sensação de tê-las aniquilado, em vez de tê-las convertido. Não tenho tido êxito em usá-las como uma força. Eu as suprimo.


Gurdjieff: Você não as suprime. O que acontece em você é um outro impulso, o qual por um curto período toma o lugar do impulso negativo deixando-o de lado, por um momento. Mas ele não é destruído. Deve-se fazer muitas vezes “tchik”, “tchik”, de modo a destruí-lo. Você não pode constatar que ele está ausente; mas se você mudar os estados, você verá que ele funciona de maneira mais fraca. Portanto, você tem um programa de trabalho. Se você entendeu, continue a extirpar, a expulsar os impulsos. Mas não fique tranquila. Você realiza isso serenamente. Esse é outro impulso que substitui, que é muito fraco para que você o perceba, e você imagina que não tem mais emoções negativas. Apenas vibrações fortes alcançam sua consciência.


Mechin: Nos exercícios, as associações me atrapalham muito. Não posso fazer nada contra elas. O que devo fazer?


Gurdjieff: As associações são parte da nossa presença. Se nossa presença tivesse uma meta, ela iria querer que algo acontecesse. Isso prova que nossa presença não tem uma meta. Você tem uma meta apenas com um centro – (ele quer chegar no paraíso com as botas sujas). A pessoa deve com toda sua presença ter uma meta e trabalhar para esse objetivo. Não com uma parte, com um centro apenas. Eu tenho associações, mas elas não alcançam a minha consciência. A circulação do sangue também é feita totalmente sozinha. Ela é uma função automática. Ela não me incomoda. Ela segue noite e dia. Existem também as associações, assim como meu coração batendo, e existem outras funções, por exemplo, eu vejo, se eu presto atenção a isso, conforme aquilo que eu comi viaja pelo corpo. Eu posso pensar sobre isso a noite toda, cada centímetro me dá uma nova sensação. Automaticamente você está ocupado com isso. Você deve possuir uma meta e deixar de lado as funções orgânicas. Não ouví-las com a consciência, com o pensamento. Deve-se aprender a pensar imparcialmente. Apenas essa quantidade de esforço irá trazê-lo à um pensamento normal. O exercício que ele deve fazer a Madame De Salzmann pode formular.


Gurdjieff [para Ansi]: Você entendeu?


Ansi: Não


Gurdjieff [para Luc]: Você entende?


Luc: Sim.


Gurdjieff: Você explica para ele, essa será sua tarefa.


Ansi: Eu notei que antes, minhas emoções negativas surgiam em sua maioria nas minhas relações com as pessoas. Eu era violento e desagradável quando dizia coisas para as pessoas. Por algum tempo tenho tentado combater isso. Mas eu caio na indiferença e não sei como mudar o meu estado.


Gurdjieff: Não é necessário mudar, isso é muito bom. Em você está surgindo uma reapreciação de valores. Antes, você estava interessado em coisas baratas. E aquilo que não era interessante não tinha valor para você. Agora o que tem valor para você é aquilo que não era interessante para você antes. Essa é a razão.


Ansi: Mas eu quero mudar.


Gurdjieff: Por que? O seu estado já mudou. Antes, você não via que estava interessado em coisas sem valor. Mas agora sim. Seu estado mudou.


Ansi: Mas se algo me fere, ao invés de ficar bravo ou ofendido eu fico indiferente.


Gurdjieff: Normal; isso é pequeno, mas normal. Antes, você tinha seu próprio amor. Isso é barato, é uma coisa ordinária, agora você entendeu isso. Você vê que isso é idiota, uma nulidade, um excremento; antes, você não sabia disso. Hoje você vê isso, você não fica bravo. Você vê as manifestações do excremento. Se for assim, eu fico muito contente. Sem querer isso, sem saber disso, você já avançou objetivamente, avançou mecanicamente. Em breve, você poderá ser nosso estimado camarada.


Lanctin: É possível nas condições atuais evitar um desenvolvimento muito desarmônico do corpo no que diz respeito ao desenvolvimento geral?


Gurdjieff: Para o desenvolvimento físico, não existe um época definida. Como uma temporada de eleições políticas. Ele é sempre necessário. Você deve educar o seu corpo com a sua cabeça, conscientemente. Isso é muito simples. Nunca permita-o fazer o que ele quizer. Você faz ele fazer tudo contrário do que ele ama. Ele gosta de açúcar, você não dá nenhum açúcar para ele. Você deve habituá-lo a lutar, você está sempre certo quando você faz resistência ao seu corpo. Isso é simples. Tudo contrário; é assim que Deus criou o seu corpo e seu intelecto. Isso é uma coisa muito simples. Para isso não é necessário ler. O programa é muito simples. Sob todas as condições, em todas as situações políticas, o homem deve educar seu corpo para ser submisso a ele. Sua personalidade pode educar o seu corpo. Aquele cujo corpo é mais forte e tem a iniciativa sobre ele, é nulo. Aquele que tem o corpo escravizado é inteligente. Você entende qual é o significado de inteligente? Inteligente significa aquele que dirige seu corpo. Se o corpo é quem dirige, você é uma nulidade, um vassalo – se você controla o seu corpo você é inteligente. Portanto, escolha o que você quer. Inteligente ou vassalo, se você quer ser um vassalo, deixe seu corpo lhe controlar. Se você quer ser inteligente, deixe sua consciência controlar seu corpo. Quanto mais você quizer dirigir o seu corpo mais ele se oporá a você. E ao resistir a você, mais força ele lhe dará.

Bernard de Clairvaux - A carne resiste ao Espírito que está começando a temer a Deus e tentando fazer o Bem

A razão sugere essas coisas internamente para a vontade de forma mais abundante de acordo com o quanto ela for mais plenamente ensinada pela iluminação do Espírito. Feliz, de fato, é aquele cuja vontade entregou-se e tomou o conselho da razão, de modo que, embora a princípio ele fique temeroso, mais tarde ele é acalentado pelas promessas celestiais e traz o espírito da salvação.


Mas, possivelmente, a vontade é encontrada rebelde e obstinada e não meramente impaciente, mas, pior, depois dos avisos, insensível às ameaças e espinhosa quando lisonjeada. Talvez será descoberto que a vontade não seja movida de maneira alguma pelas sugestões da razão e responda com um flash de raiva: “Quanto tempo mais tenho que lhe aturar? Sua pregação não me move. Sei que você é esperta, mas sua esperteza não me engana.” Talvez, então, a vontade, convidando um a um os membros do corpo, os impelirá mais forte do que nunca a se entregarem aos seus desejos e a agirem perversamente. Essa é contudo uma experiência diária muito familiar para todos nós, que aqueles que estão dando suas mentes para a conversão são tentados muito mais fortemente pelos desejos da carne e aqueles que buscam sair do Egito e escapar do Faraó são forçados mais duramente a fabricar tijolos de argila. (Ex. 1:14; 5:19-21)


Poderia tal pessoa desviar-se da impiedade e ter cuidado para não cair naquele terrível abismo do qual está escrito, “O homem impiedoso não pensa em nada disso quando ele chega nas profundezas da perversidade” (Prov. 18:3). Ele pode ser curado apenas pelo remédio mais poderoso e ele irá facilmente falhar, ao menos que ele cuide de seguir o conselho do médico e faça o que ele lhe diz. A tentação é feroz. Ela leva um homem perto do desespero, a menos que ele junte todas as suas forças para ter pena de sua alma, a qual ele vê estar tão miserável e lastimável, mude sua atitude, e ouça a voz daquele que diz: “Felizes aqueles que choram, pois eles serão confortados.” (Mat. 5:4)


Deixe-o prantear abundantemente, pois a hora de chorar chegou e seu estado é para ser chorado grandemente. Que chore, mas não sem amor sagrado e esperança de consolação. Que ele tenha em mente que não pode encontrar conforto em si mesmo, pois tudo está cheio de miséria e desolação. Que ele mantenha em mente que não existe bem em sua própria carne, e que este mundo perverso não oferece nada além de vaidade e aflição do espírito. Que ele considere, eu digo, que nem dentro ou abaixo ou ao redor dele alguma consolação será encontrada, de modo que por fim ele possa aprender a buscar o que deve ser buscado acima e ter esperança por aquilo que vem do alto. Por hora, deixe-o chorar lamentando seu pesar. Que seus olhos derramem água. Que suas pálpebras não se fechem no sono. Verdadeiramente, o olho que anteriormente estava na escuridão é purificado pelas lágrimas e tem sua visão aguçada, para que ele possa estar apto a contemplar dentro da claridade daquela luz mais serena.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Hazrat Inayat Khan - A Mente e o Coração

Pensamento, memória, vontade e razão juntamente com o ego que é o quinto e principal fator, constituem o coração. São essas cinco coisas que podem ser chamadas de coração, porém ao nomear definidamente as diferentes partes desse coração, chamamos a superfície de mente e a profundeza dele de coração.

Se imaginarmos esse coração com sendo uma lanterna, a luz na lanterna transforma-o no espírito. Chamamos o coração de lanterna quando não pensamos na luz, mas quando há uma luz, esquecemos, então, a palavra lanterna e chamamo-la luz. Quando chamamos o coração de espírito, não significa espírito desprovido de coração, assim como não significa luz sem a lanterna, mas sim luz na lanterna.

O uso correto da palavra espírito, entretanto, é apenas como a essência de todas as coisas. A luz e vida essencial da qual tudo surgiu – isso é o espírito. Mas usamos a palavra espírito também em um sentido limitado, assim como a luz é a luz do sol que permeia tudo e ao mesmo tempo é a luz da lanterna – que chamamos de luz também.

As pessoas chamam uma parte do peito de coração. A razão é que há uma parte deste corpo de carne que é mais sensível ao sentimento e naturalmente – como o homem não consegue capturar a idéia de um coração fora do corpo – ele concebe a idéia do coração ser uma parte de seu corpo físico.

O ego permanece aparte das quatro faculdades de pensamento, memória, vontade e razão. É assim como os quatro dedos e o polegar. Por que o polegar não é chamado de dedo?* Porque o polegar é a mão toda. Esses quatro são faculdades, mas o ego é uma realidade. Ele contém e acomoda dentro de si as quatro faculdades e para distinguí-lo como diferente delas chamamo-lo de ego.

Assim como a superfície do coração é conhecida como sendo a imaginação e o pensamento, a profundeza da mente, que é o coração, é conhecida como sendo sentimento.

A diferença entre pensamento e imaginação é que a imaginação é um funcionamento automático da mente. Se a mente é sutil há uma imaginação refinada, se a mente é grosseira há uma imaginação grosseira, se há uma mentalidade bela, a imaginação é bela. Pensamento também é imaginação, mas imaginação dirigida, controlada e direcionada pela vontade. Portanto quando dizemos: 'Ele é uma pessoa pensativa (profunda – 'thoughtful')', significa que essa pessoa não pensa, fala ou age por impulso, mas por trás de tudo que ela faz existe força de vontade que controla e dirige a ação de sua mente.

Existem nove sentimentos principais que podem ser distinguidos como alegria, tristeza, raiva, paixão, simpatia, apego, medo, espanto e indiferença. Os sentimentos não podem ser limitados a esses nove, mas quando distinguimos sentimentos numerosos podemos reduzí-los a esses nove sentimentos distintos que experimentamos na vida.

Existem seis doenças que pertencem ao coração: paixão, raiva, entusiasmo excessivo que absorve a pessoa, presunção, ciúmes e cobiça.

Quanto mais pensarmos nesse assunto do coração, mais descobriremos que se há algo que pode nos falar sobre nossa personalidade, é o coração. Se há algo através do qual sentimos a nós mesmos e conhecemos a nós mesmos – sabemos o que somos – é o coração e o que nosso coração contém. Uma vez que a pessoa entenda a natureza, o caráter e o mistério do coração ela entende, por assim dizer, a linguagem de todo universo.

Existem três formas de percepção. Uma forma de percepção pertence à superfície, à mente. É o pensamento. O pensamento manifesta-se à nossa mente com forma, linha e cor definidas.

A próxima forma de percepção é o sentimento. É sentida por uma parte bem diferente do coração, é sentida pela profundeza do coração, não pela superfície. Quanto mais a qualidade do coração é despertada numa pessoa, mais ela percebe os sentimentos dos outros. Essa pessoa é sensitiva, porque para ela os pensamentos e sentimentos das outras pessoas são claros. Aquele que vive na superfície não percebe os sentimentos claramente. Também, existe uma diferença entre a evolução dos dois: daquele que vive na superfície do coração e do outro que vive na profundeza. Em outras palavras, um vive em sua mente e o outro vive em seu coração.

Há ainda uma terceira forma de percepção, que não é nem mesmo através do sentimento e que pode ser chamada de uma linguagem espiritual. Essa percepção vem do âmago mais profundo do coração. É a voz do espírito. Ela não pertence à lanterna, pertence à luz – mas na lanterna ela se torna mais clara e mais distinta. Essa percepção pode ser chamada de intuição, por falta de um nome melhor para ela.

Para estudar a vida totalmente, essas três percepções devem ser desenvolvidas. Apenas assim a pessoa fica apta a estudar plenamente a vida e é ao estudar totalmente a vida que nos capacitamos a formar um julgamento a respeito dela.

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Pergunta: Você poderia explicar melhor como a mente é a superfície do coração e o coração é a profundeza da mente?

Inayat: Existem cinco dedos, mas uma só mão, existem vários órgãos do corpo mas um só corpo, e existe um universo cheio de variedades mas um Espírito. Portanto, existe um coração que sente as várias imaginações e pensamentos que emergem e submergem nele. As bolhas são encontradas na superfície do oceano. A profundeza do oceano está livre de bolhas. A comoção é vista na superfície, a profundeza do oceano é quieta. A mente é a comoção daquele algo que está dentro de nós, aquele algo que chamamos de coração.

A felicidade, o conhecimento, o prazer, o amor que estão guardados no nosso ser mais íntimo, estão no fundo de nossa profundeza, as emoções e paixões mutáveis, os sonhos, pensamentos e imaginações que surgem incessantemente pertencem todos à superfície, assim como as bolhas pertencem à superfície do oceano.


P: Podemos dizer que o coração está mais próximo da alma e a mente mais próxima do corpo?


I: Sim, de certa maneira. Mas ao mesmo tempo a alma experimenta através do Ser todo: por meio do corpo, da mente, do coração, uma vez que ele está em diferentes planos de existência.
P: O coração é um dos corpos da alma?

I: Certamente. O coração é um dos corpos da alma, o corpo mais fino. Ele segue um longo caminho com a alma, mesmo na jornada de retorno dela.
P: É por isso que os Católicos têm uma devoção especial pelo Sagrado Coração de Jesus?

I: É claro. O coração é o santuário de Deus. Se há algum lugar onde Deus pode ser encontrado, é no coração do homem, especialmente no coração daquele homem no qual Deus se manifesta.
P: O coração é o lar da alma?

I: Sim, podemos chamar o coração de um lar da alma, mas eu chamaria de um hotel temporário.

P: O mundo dos sentimentos é superior ao mundo dos pensamentos?

I: Sim.
P: O que é indiferença?
I: Essa é uma palavra que eu sempre acho difícil de explicar, e eu já deixei muitas pessoas bravas ao falar sobre indiferença, pois elas dizem: 'Onde está o amor que você veio pregar para nós? A indiferença é bem diferente do amor, da mensagem, do ensinamento.' E quando as pessoas lêem no Budismo e Yoguismo sobre renúncia, nirvana, vairagia – que em termos Sufi dos poetas persas chama-se fana – elas começam a se perguntar: 'Eles todos ensinam a tornarmo-nos indiferentes, eles ensinaram tal crueldade?' Mas na realidade é uma coisa bem diferente. Indiferença não é ausência de amor nem é falta de simpatia. Indiferença é muito útil no momento que a alma chegou numa sensitividade onde qualquer pequena coisa machuca. Então é apenas a indiferença que a mantém viva.

Você pode dizer que não é bom ser sensitivo. Sim, mas sem ser sensitivo você não pode evoluir. Sensitividade é um sinal de evolução. Se você não é sensitivo você não pode sentir-se compassivo em relação a seus semelhantes. Se você não sente os sentimentos de seus semelhantes, então você ainda não está desperto para a vida. Portanto, para tornar-se um ser humano normal é necessário desenvolver a sensitividade, ou pelo menos chegar à sensitividade. E quando você é sensitivo, a vida torna-se difícil de ser vivida. Quanto mais sensitivo você é, mais espinhos você vai encontrar em seu caminho. Cada movimento que você faz, a cada volta, a cada passo há algo para lhe machucar. É apenas um espírito que você tem de desenvolver, e é o espírito da indiferença - ainda assim não abandonando o amor e a compaixão que você tem pelo outro: essa é a correta indiferença. Dizer para uma pessoa: 'Eu não ligo para você porque você foi imprudente', não é o tipo certo de indiferença, essa não é a indiferença que os místicos relatam como vairagia. A indiferença mística é aquela na qual a alma retém a compaixão e o amor, mesmo diante das atitudes irrefletidas de uma pessoa e expressa isso sob forma de perdão. Na Bíblia lemos as palavras de Cristo: “Ofereça o outro lado de sua face se a pessoa lhe bateu nesse lado'. O que mais pode ser isso senão uma lição de indiferença? Como pode uma pessoa sensitiva, uma pessoa de sentimento, uma pessoa espiritual e de coração terno viver neste mundo, se ela não for indiferente? Ela não poderia viver aqui nem por um momento! Apenas essa única coisa pode protegê-lo das contínuas influências que jorram de todos os lados.


P: Por que não chamar isso de desapego?

I: Desapego na verdade não é palavra certa. Não podemos ser desapegados, nunca estamos desapegados (desconectados daquilo que nos cerca). A vida é una e nada pode separá-la. O desapego é apenas um aspecto ilusório da vida. Na verdade não existe tal coisa como o desapego. Como pode haver o desapego sendo a vida una! Frequentemente, para tornar mais claro tenho dito: 'indiferença e independência': dois significados dessa única palavra vairagia. Indiferença explica esse conceito apenas pela metade.


*Em inglês, o polegar não é chamado como os outros dedos de 'finger', mas sim de 'thumb' e expressa a força da mão toda.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

P. D. Ouspensky - As Emoções Negativas


Sr. Ouspensky: Quero lembrá-los especialmente sobre a idéia das emoções negativas e do estado de emoção negativa. Realmente é o segundo ponto mais importante no sistema. O primeiro ponto importante refere-se à consciência. E o segundo ponto importante é sobre as emoções negativas.
Se vocês se lembram do que foi dito no início sobre a consciência e a ausência de consciência, vocês todos devem ter percebido uma coisa ao observar as funções (corpo, mente e emoções). Vocês devem ter percebido que, normalmente, em tudo o que fazemos, em tudo o que pensamos e que sentimos, não nos lembramos de nós mesmos. Não nos damos conta de que estamos presentes, de que estamos conscientes, de que estamos aqui.
Mas ao mesmo tempo, vocês já devem saber e entender que, se fizermos esforços suficientes por um período suficientemente longo, podemos aumentar a nossa capacidade para a lembrança de si. Começamos a lembrar de nós mesmos com mais frequência, começamos a lembrar de nós mesmos mais profundamente, a lembrar de nós mesmos em conexão com mais idéias - com a idéia da consciência, a idéia de trabalho, a idéia dos centros, a idéia do auto-estudo, a idéia das escolas. Mas a questão é - como lembrar de si mesmo, como tornarmo-nos mais cientes. Então, se você voltar à idéia das emoções negativas, vai descobrir que esse é o principal fator que nos faz não lembrarmos de nós mesmos. Então uma coisa não pode ir sem a outra. Você não pode lutar contra as emoções negativas sem lembrar mais de si mesmo e você não pode lembrar-se mais sem lutar com as emoções negativas. Se lembrar dessas duas coisas, você vai entender tudo melhor. Portanto, tente manter essas duas idéias, que estão ligadas, em mente.
Agora, a respeito de como lutar contra as emoções negativas, primeiro de tudo, é necessário perceber que não há uma única emoção negativa que seja útil, útil em qualquer sentido. As emoções negativas são todas igualmente ruins. Lute contra elas, elas podem ser conquistadas e destruídas, pois não há nenhum centro real para elas. Se houvesse um centro verdadeiro para elas, então não haveria nenhuma chance, teríamos de ficar para sempre no poder das emoções negativas. Mas felizmente para nós, não há nenhum centro real. É um centro artificial que funciona e esse centro artificial pode ser destruído e sumir. E nós vamos nos sentir muito melhor se isso acontecer. Mesmo a compreensão de que isso é possível já é muito; mas temos tantas convicções, preconceitos e até mesmo princípios a respeito delas, que é muito difícil de se livrar da idéia de que as emoções negativas são necessárias e obrigatórias. Enquanto nós pensarmos que elas são necessárias, inevitáveis e até mesmo úteis para a auto-expressão ou muitas outras coisas - não podemos fazer nada. É necessário ter uma certa luta mental para perceber que elas são completamente inúteis, que não têm qualquer função útil em nossas vidas e, ainda, ao mesmo tempo que toda a vida está baseada em emoções negativas. Isso é o que ninguém percebe.

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Pergunta: Mas me parece que há circunstâncias que simplesmente induzem-nos a ter emoções negativas.

Sr. O.: Essa é uma das nossas ilusões mais fortes, quando pensamos que as emoções negativas são produzidas pelas circunstâncias. Todas as emoções negativas estão em nós, dentro de nós... Sempre pensamos que nossas emoções negativas são produzidas ou por culpa das outras pessoas ou por culpa das circunstâncias. Nós sempre pensamos assim. Essa é a nossa principal ilusão. Nossas emoções negativas estão em nós mesmos e são produzidas por nós mesmos. Não há absolutamente nenhuma razão inevitável pela qual a ação de alguém ou de determinada circunstância, deveria produzir emoção negativa em mim. É apenas a minha fraqueza.
P: Então, se o seu melhor amigo morre, você deve ficar otimista?

Sr. O.: A morte de um amigo ou algum tipo de aflição é sofrimento, não é emoção negativa. Pode produzir emoção negativa apenas se você identificar-se com isso. O sofrimento pode ser real, emoção negativa não é real. E, afinal, o sofrimento ocupa uma parte muito pequena da nossa vida, mas as emoções negativas ocupam uma grande parte, ocupam toda a nossa vida. E por que? Porque nós as justificamos. Achamos que elas são produzidas por alguma causa externa. Quando sabemos que elas não podem ser produzidas por causas externas, a maioria delas desaparece. Mas esta é a primeira condição: precisamos perceber que elas não podem ser produzidas por causas externas, se não quisermos tê-las. Elas geralmente estão lá porque permitimo-las, explicamo-las através de causas externas e dessa forma não lutamos com elas. Esse é o ponto importante.

P: Há alguma razão pela qual estamos tão preocupados em manter as emoções negativas?
Sr. O.: O hábito. Estamos habituados a elas e não podemos dormir sem elas. O que muitas pessoas fariam sem as emoções negativas?
P: Nós tornamos as emoções negativas muito piores através da imaginação?
Sr. O.: Elas não podem existir sem imaginação. Apenas sofrer uma dor não é uma emoção negativa, mas quando a imaginação e a identificação entram, então torna-se emoção negativa. Dor emocional, assim como a dor física, não é emoção negativa por si só, mas quando você começa a criar todo tipo de adorno em cima dela, ela se torna emoção negativa.
P: Para lutar contra as emoções negativas temos de observar mais e trabalhar contra a forte identificação com a emoção?
Sr. O.: Sim. Mais tarde vamos falar sobre os métodos para lutar com as emoções, pois existem muitos, métodos muito definidos, diferentes para diferentes emoções, mas primeiro você deve lutar com a imaginação negativa e a identificação. Isso é perfeitamente suficiente para destruir muitas das emoções negativas usuais – em todo caso, torná-las mais leves. Você deve começar com isso, porque só é possível começar a usar métodos mais fortes contra as emoções negativas quando você puder lutar com a identificação até um certo ponto e quando você já tiver parado a imaginação negativa. Isso deve ser interrompido totalmente. É inútil o estudo de outros métodos antes que isso seja feito. A imaginação negativa você pode parar e mesmo o estudo da identificação já vai diminuí-la. Mas a verdadeira luta contra as emoções negativas começa mais tarde e ela baseia-se na compreensão correta, antes de mais nada, de como elas são criadas, o que está por trás delas, de como elas são inúteis e o quanto você perde por causa desse prazer de ter emoções negativas. Quando você perceber o quanto você perde, então talvez você terá energia suficiente para fazer algo a esse respeito.

P: De acordo com o que você diz, parece-me que você está pressupondo que temos um 'eu', superior aos outros, que pode fazer isso?

Sr. O.: Não superior, mas alguns 'eus' intelectuais estão livres do centro emocional e podem ver as coisas de forma imparcial. Eles podem dizer: "Eu tive essa emoção negativa toda a minha vida. Recebi um centavo por isso? Não, eu só paguei, paguei e paguei. Significa que isso é inútil.”

P: Quando você está no meio do processo de uma emoção negativa é possível detê-la apenas ao pensar?

Sr. O.: Não, mas você pode preparar o terreno antecipadamente. Se, por um longo tempo, você puder criar uma atitude correta, após algum tempo ela irá ajudá-lo a parar a emoção negativa no início. Quando você está no meio dela, você não pode pará-la.

P: Mas certamente há momentos onde nossos próprios sentimentos podem não ser negativos, e ainda, por alguma razão perfeitamente justa, ficamos indignados ou irritados ....
Sr. O.: Não existem razões justas. De uma vez por todas é preciso entender que não existem motivos justos para ficar com raiva. E a raiva não está nas razões, está em você. As emoções negativas não estão nas razões externas, elas estão em você. Quando você entender isso, você começará a pensar a respeito corretamente. Enquanto achar que existem razões externas, significa que você não começou ainda.

P: Por que sentimos as emoções negativas com mais força e mais frequentemente na companhia de algumas pessoas do que com outras?
Sr. O.: As pessoas que estão cheias de emoções negativas e de identificação produzem reações similares em outras pessoas. É preciso aprender a isolar a si mesmo nesses casos, por meio da lembrança de si e da não identificação. Isolamento não significa indiferença.

P: As emoções negativas estão sempre conectadas com a identificação de alguma maneira?

Sr. O.: Sempre. As emoções negativas não podem existir sem a identificação e a imaginação negativa. Essas duas coisas são a base psicológica das emoções negativas. A base mecânica é o trabalho errado dos centros.

P: Algumas vezes consigo não expressar uma emoção negativa, para começar, mas ela fica tentando sair.

Sr. O.: Isso significa que você só parou a manifestação externa e que você deve tentar parar a causa dela. Não me refiro à emoção em si, mas à causa da expressão. Há uma diferença. A emoção é uma coisa, a expressão é outra. Tente encontrar a diferença.

P: Onde é que a expressão das emoções negativas começa? Muitas vezes, a emoção persiste apesar dos esforços para excluir a imaginação e a identificação, por exemplo, com a decepção. Isso deveria parar, se fizéssemos as observações e os esforços corretos para superar a imaginação e a identificação, ou ela pode persistir apesar de tudo isso? Se persistir, isso significa que ainda estamos expressando-a?

Sr. O.: É diferente em casos diferentes. Muitas coisas estão misturadas aqui. Você deve entender que se você falar sobre não expressar emoção negativa, você deve falar apenas sobre não expressar emoção negativa. Se você falar sobre as causas ou as razões das emoções, então você deve falar apenas disso e não dizer nada sobre a não expressão. Apenas uma coisa de cada vez.

P: Se eu consiguir frear a expressão de uma emoção negativa, isso resultará numa irritação extrema e uma vulnerabilidade subsequente em relação a todas as coisas externas.

Sr. O.: Certamente, se você mantiver muda a expressão dela você se sentirá irritado. Isso significa que você se identifica. Você tenta manter a identificação e destruir a expressão. Você deve começar destruindo a identificação.

P: É possível que os esforços para controlar a emoção negativa nos deixem cansados?

Sr. O.: Não. Tais esforços nos dão muito mais energia, eles não podem cansar. Você pode ficar cansado, se você apenas reprimir a expressão. Mas eu nunca disse para suprimir. Eu disse, 'Não expresse; encontre razões para não expressar. A repressão jamais pode ajudar, porque mais cedo ou mais tarde a emoção negativa vai saltar para fora. É uma questão de encontrar razões, pensar de maneira correta.

P: Uma mudança de atitude?

Sr. O.: Isso mesmo. Pois a expressão da emoção está sempre baseada em algum tipo de pensamento errado.

P: Gostaria de obter mais ajuda em relação à luta contra as emoções negativas.

Sr. O.: Isso deve ser o seu próprio esforço, e antes de tudo você deve classificar suas emoções negativas. Você deve descobrir quais são as principais emoções negativas que você tem; por que elas vêm, o que as traz e assim por diante. É preciso compreender que seu único controle sobre emoções é pela mente, mas não é de imediato. Se você pensar corretamente por seis meses, então isso irá afetar as emoções negativas, pois elas estão baseadas em pensamento errado. Se você começar a pensar corretamente hoje, isso não vai alterar as emoções negativas amanhã. Mas as emoções negativas em Janeiro, podem ser alteradas se você começar a pensar corretamente agora.

P: Quando penso sobre as emoções negativas, compreendo muito claramente que elas estão em nós mesmos e, no entanto, logo depois, eu ainda continuo a ficar negativo e continuo a expressar emoções negativas. Isso ocorre simplesmente por que eu não sou um (não tenho um 'eu' permanente)?

Sr. O.: Primeiro, porque você não é um, e segundo, porque você não tenta do jeito certo. É uma questão de um longo trabalho, como eu disse, e isso não pode ser alterado de uma vez. Se uma pessoa tem emoções negativas constantes, emoções negativas recorrentes do mesmo tipo, ela sempre cai no mesmo ponto. Se observasse melhor a si mesma a pessoa saberia que isso iria acontecer, ou que teria vindo, e se tivesse pensado corretamente de antemão, teria alguma resistência. Mas se a pessoa não tem uma atitude correta, se não pensar corretamente, então fica impotente, e a emoção negativa acontece de novo, no mesmo tempo, da mesma forma e assim por diante .... A primeira coisa que é preciso fazer é aprender a não expressá-la, porque, quando expressamos uma emoção negativa, estamos em poder dela. Não podemos fazer nada naquele momento. Primeiro de tudo devemos aprender a não expressar a emoção negativa. Quando aprendermos isso, então, poderemos tentar não nos identificar, tentar criar uma atitude correta e lembrarmos de nós mesmos.
Sobre essa questão das emoções negativas, quero que você entenda que parar de expressar as emoções negativas e a luta com as emoções negativas são duas práticas bem diferentes. Tentar impedir a expressão das emoções negativas vem primeiro. Você não pode fazer nada a respeito das emoções negativas até que tenha aprendido a parar a expressão delas. Quando você tiver adquirido um certo controle na não-expressão de emoções negativas, então você poderá estudar as emoções negativas propriamente ditas. Primeiro, você deve entender o quão erradas elas são, o quanto são inúteis e então você deve compreender que elas não podem existir sem a identificação. Quando você percebeu isso, você deve tentar (Eu não disse que você pode fazer isso de uma vez, levará um longo tempo, mas você deve tentar) dividi-las em três categorias. Primeiro, as emoções negativas mais ou menos comuns, do dia a dia, que acontecem muitas vezes e estão sempre relacionadas com a identificação. Certamente, você deve observá-las e você já deve ter um certo controle sobre a expressão delas. Então você deve começar a lidar com elas, tentando não se identificar, evitando a identificação tão frequentemente quanto você possa, não só em relação a essas emoções, mas em relação a tudo. Se você criar em si a capacidade de não se identificar, isso irá afetar essas emoções e você irá notar como elas desaparecem. A segunda categoria não aparece todos os dias. Elas são as mais difíceis, são emoções mais complicadas que dependem de algum processo mental - desconfiança, sentimentos feridos e muitas coisas desse tipo. Elas são mais difíceis de conquistar. Você pode lidar com elas, criando uma atitude mental correta, através do pensamento - não no momento em que você estiver na emoção negativa, mas no intervalo entre uma e outra, quando você estiver quieto. Tente encontrar a atitude correta, o ponto de vista certo e torne-o permanente. Se você criar o pensar correto, isso irá levar embora todo poder dessas emoções negativas.
Depois, há a terceira categoria, muito mais intensa, muito mais difícil, e muito rara. Contra elas, você não pode fazer nada. Esses dois métodos - lutar com a identificação e criar atitudes, não ajudam. Quando tais emoções vem você pode fazer apenas uma coisa: você deve tentar lembrar de si – lembrar de si com a ajuda da emoção. Isso irá alterá-las depois de algum tempo. Mas para isso você tem de estar preparado, é uma coisa muito especial.
Esses são os métodos de lidar com as emoções negativas. Como mesmo as emoções negativas podem ser diferentes, você não pode usar os mesmos métodos contra todas elas. Em todos os casos você deve estar preparado. Como eu disse no início, será difícil vencê-las ou lutar com elas, mas você vai aprender com o tempo. Apenas, nunca misture isso com a expressão de emoções negativas. Isso vem em primeiro lugar. É dado quase na primeira conferência*, e antes que você possa fazer qualquer outra coisa, você deve aprender a controlar a manifestação da emoção negativa. Enquanto você não puder parar a expressão, isso significa que você não pode fazer nada sobre as próprias emoções. Mas se você aprender a controlar a expressão, então você pode começar. Mas lembre-se você não pode fazer nada quando você está no meio de uma emoção negativa, você só pode fazer algo relativo a isso antes ou depois.

(* ver no início do blog na 'Psicologia da evolução possível ao homem' as cinco conferências que apresentam o sistema de G. I. Gurdjieff)