quinta-feira, 30 de junho de 2011

São Teófanes o Recluso - Segure a Espada da Humildade


Se a humildade e o amor estiverem ausentes, tudo que é espiritual estará ausente.

Você diz que não tem humildade ou amor. Enquanto esses dois estiverem ausentes, tudo que é espiritual estará ausente. O que é espiritual é nascido quando essas duas virtudes nascem e conforme crescem. Elas são para a alma o que o controle da carne é para o corpo. A humildade é adquirida através de atos de humildade, o amor através de atos de amor.


A medida da humildade

Mantenha os dois olhos abertos. Esta é a medida da humildade: se um homem é humilde ele nunca pensa que foi tratado pior do que ele merecia. Ele coloca-se num lugar tão baixo à sua própria estima que ninguém, por mais que tente, pode pensar mais pobremente dele do que ele pensa de si mesmo. Esse é o principal segredo dessa questão.

Defeitos de caráter

O Senhor às vezes deixa em nós alguns defeitos de caráter para que possamos aprender a humildade. Porque sem eles nós iríamos imediatamente pairar acima das nuvens em nossa estima e colocaríamos nosso trono lá. Nisso reside a perdição.


O caminho para a humildade - a obediência

Não há necessidade de eu repitir para você que a arma invencível contra todos os nossos inimigos é a humildade. Ela não é facilmente adquirida. Nós podemos pensar que somos humildes sem termos nem mesmo um único traço de humildade verdadeira. E não podemos nos tornar humildes meramente ao pensarmos sobre isso. O melhor caminho, ou melhor, o único caminho certo para a humildade é através da obediência e da renúncia de nossa própria vontade. Sem isso é possível desenvolver um orgulho satânico em nós mesmos, enquanto em palavras e posturas corporais demonstramos ser humildes. Suplico que você preste atenção neste ponto e, com todo temor, examine a ordem da sua vida. Isto inclui obediência e renúncia de sua vontade: De todas as coisas que você faz, quantas são feitas contrárias à sua vontade própria ou às suas ideias e reflexões? Você faz alguma coisa a que não esteja disposto simplesmente porque lhe foi ordenado, por mera obediência? Por favor, examine isso cuidadosamente e diga-me. Se não há nada desse tipo de obediência, o tipo de vida que você leva não lhe conduzirá à humildade. Não importa o quanto você se humilhe em pensamento, sem feitos que levem ao auto rebaixamento a humildade não virá. Dessa forma você deve pensar cuidadosamente em como preparar-se para isso.


Presunção e censura

Humilhar-se ainda não é humildade, mas apenas o desejo e a busca pela humildade. Possa o Senhor ajudá-lo a adquirir essa virtude. Há um espírito de ilusão que de alguma maneira desconhecida engana a alma com sua astúcia. Ele confunde tanto os nossos pensamentos que a alma pensa ser humilde enquanto que internamente ela esconde uma opinião arrogante e presunçosa de seu próprio valor. Dessa forma, devemos seguir procurando cuidadosamente em nosso coração. Os relacionamentos externos que nos levam à humildade são os melhores meios aqui.
De alguma forma você tem sido negligente. O temor a Deus abandonou-lhe, logo depois aquela atenção deixou-lhe também e você caiu no hábito de censurar as pessoas. Você diz que você pecou internamente e isso é verdade. Arrependa-se rapidamente e rogue o perdão de Deus. Tal falta como essa traz sua própria retribuição: a falta é interior e também é interior a punição. Podemos condenar os outros não apenas em palavras mas também com um movimento interno do coração. Se a alma, quando pensa em alguém, critica adversamente então ela já condenou aquela pessoa.



Ofender-se e dar a outra face

Ficar ofendido por causa de falta de atenção é considerar-se merecedor de atenção e consequentemente, dar um alto valor a si mesmo no coração, em outras palavras, ter um coração inflado de orgulho. Isso é bom? Não é nosso dever suportar acusações injustas? Certamente que sim. Como devemos então começar a praticar esse dever? Afinal, quando somos ordenados a suportar, temos de tolerar tudo o que for desagradável, sem excessão, e suportar alegremente sem perder nossa paz interior. O Senhor nos disse que quando nos baterem em uma das faces devemos oferecer a outra também, mas somos tão sensíveis que se uma mosca ao passar encostar em nós com sua asa, já ficaremos em pé de guerra. Diga-me, você está preparado para obedecer esse mandamento do Senhor referente a dar a outra face? Provavelmente você dirá que sim, que está preparado. Esse ser golpeado na face não deveria ser tomado literalmente. Deveríamos entender por isso qualquer ação de nossos semelhantes onde nos pareça não recebermos a devida atenção e respeito - qualquer ação através da qual nos sintamos degradados e com nossa honra ferida. Cada feito desse tipo - não importa o quão trivial, um olhar, uma expressão - é um tapa no rosto. Não apenas deveríamos suportar isso mas também deveríamos estar prontos para uma degradação ainda maior, o que corresponderia a dar a outra face. Devemos considerar: eu mereço alguma atenção? Se tivéssemos esse sentimento de ausência de mérito e dignidade em nosso coração não nos ofenderíamos.



Segure a espada da humildade

A inquietação espiritual e as paixões prejudicam o sangue e causam efetivamente danos a nossa saúde. O jejum e uma abstinência geral em nossa vida diária são a melhor maneira de manter a nossa saúde sólida e vigorosa. A oração introduz o espírito humano no reino de Deus onde a pedra da vida reside. E o corpo também, conduzido pelo espírito, compartilha dessa vida. Um espírito contrito, os sentimentos de arrependimento e as lágrimas, não diminuem nossa força física mas aumentam-na, pois trazem a alma a um estado de conforto. Você deseja que essa contrição e essas lágrimas nunca lhe abandonem, mas seria melhor desejar que o espírito da humildade reine sempre em você. Ele traz lágrimas e contrição e também impede que nos enchamos de orgulho ao possuí-los. Pois o inimigo dá um jeito de introduzir veneno mesmo através de tais coisas como essas.
Há também a hipocrisia espiritual que pode acompanhar a contrição. A verdadeira contrição não interfere na pura alegria espiritual, mas pode existir em harmonia com ela, oculta por trás dela.
E a respeito da auto apreciação? Tome a espada da humildade e da mansidão, segure-a sempre em suas mãos e corte impiedosamente a cabeça de seu principal inimigo.  



Confusão e paz

Quando há confusão na alma, de qualquer tipo, não confie no seu julgamento em tal momento, pois o que a alma lhe disser ali não será a verdade. Em tais momentos seu conselheiro é Satã e seu conselho certamente não é para a sua salvação - a pobre alma é rasgada de todos os lados.
"A ira do homem não é capaz de cumprir a justiça de Deus" (Tiago 1-20). O que vem de Deus é completamente pacífico, calmo e doce e deixa essa douçura na alma bem como despeja-a em abundância por toda a volta, mesmo que a primeira vista ela às vezes tenha uma aparência proibida.



Pensamentos errantes

Você está sujeito aos pensamentos errantes porque dá ouvidos à conversa fiada e às memórias dela que permanecem com você. A partir dessas memórias o inimigo tece uma teia em frente ao olho de sua mente a fim de enredá-la. Quando isso acontecer, você deveria descer no seu coração, tirando seus olhos das imagens ilusórias apresentadas pelo inimigo e chamar o Senhor.

sábado, 25 de junho de 2011

Kabir - Nove Poemas



Aposse-se de sua espada e tome parte na luta.
Lute, ó meu irmão, enquanto ainda dura a vida.
Golpeie a cabeça do inimigo e finalize-o rapidamente.
Então, venha curvar-se na corte de seu Rei.

Aquele que é valente nunca abandona a batalha:
quem foge não é um verdadeiro lutador.
No campo deste corpo uma grande guerra procede,
contra as paixões, contra a raiva,
contra o orgulho e contra a arrogância:

é pelo Reino da verdade, do contentamento e da pureza
que esta batalha está estourando;
e a espada que ressoa mais alto é a espada de Seu Nome.

Kabir diz:

"quando um bravo cavaleiro adentra o campo,
uma tropa de covardes é botada para correr.

É difícil e cansativa essa luta do buscador da verdade,
pois os votos do buscador são mais fortes
que os de um guerreiro
ou os de uma viúva pela vida de seu marido.

Pois o guerreiro luta por algumas horas
e a luta da viúva com a morte logo termina:
mas a batalha do buscador da verdade segue dia e noite,
enquanto a vida dura ela nunca cessa."

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O cadeado do erro tranca o portão,
abra-o com a chave do amor:
Abrindo a porta dessa forma,
você a de despertar o Amado.

Kabir diz:

"ó irmão!
não negligencie essa boa fortuna assim".

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A flauta do infinito é tocada incessantemente
e seu som é o amor:
quando amor renuncia todos os limites,
ele atinge a verdade.

Quão amplamente se espalha a fragrância!
Ela não tem fim, nada fica em seu caminho.

A forma desta melodia brilha como um milhão de sóis:
Incomparavelmente soa a Vina das notas de verdade.

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Querido amigo,
estou ansioso para encontrar meu Amado!

Minha juventude floriu
e a dor da separação incomoda meu peito.

Estou ainda perambulando sem propósito
nos becos do conhecimento,
mas recebi notícias Suas nessas vielas do saber.

Tenho uma carta do meu amado:
Nela há uma mensagem indescritível,
agora meu medo da morte se foi.

Kabir diz:

"ó meu amigo amoroso!
Como presente recebi o Imortal."

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Quando eu estou separado de meu Amado,
meu coração fica cheio de miséria:
não tenho nenhum conforto durante o dia,
não tenho sono durante a noite.
Para quem devo exprimir minha tristeza?

A noite é escura, as horas se esvaem.
Por meu Senhor estar ausente, tremo de medo.

Kabir diz:

"Ouça, meu amigo!
A única satisfação que existe
é no encontro com o Amado."

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Ó homem, se não conhece seu próprio Senhor,
por que você está tão orgulhoso?
Afaste a sua esperteza:
meras palavras nunca lhe unirão a Ele.

Não se engane com o testemunho das Escrituras:
o amor é algo diferente disso.
Aquele que O procurou verdadeiramente encontrou-o.

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Quando por fim você vier ao oceano da felicidade,
não vão volte com sede.

Desperte, homem tolo!
Pois a morte o está espreitando.

Aqui está a água pura diante de você.
Beba dela a cada respiração.

Não siga a miragem a pé, mas anseie pelo néctar.
Dhruva, Prahlad e Shukadeva beberam dele,
e Raidas também provou dele:
os Santos estão embriagados de amor,
sua sede é por amor.

Kabir diz:
“escute, irmão!
O ninho do medo se quebrou.

Nem por um instante você esteve diante do mundo:
você está tecendo sua escravidão à falsidade,
suas palavras estão cheias de engano:

com esta carga de desejos que você carrega em sua cabeça,
como poderá ficar leve?

Kabir diz:

"Mantenha dentro de você verdade, desapego e amor".

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Por que tanta impaciência, meu coração?
Aquele que cuida das aves, das bestas e dos insetos,
que cuidou de você
enquanto você estava ainda no ventre de sua mãe,
por que não cuidaria de você agora que você saiu?

Ó meu coração,
como poderia se desviar do sorriso do seu Senhor
e vagar para tão longe dele?

Você deixou seu Amado e está pensando em outros:
e é por isso que todo o seu trabalho é em vão.

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Aquele que é humilde e contentado,
que tem uma visão equânime,
cuja mente está preenchida
com a plenitude da aceitação e do repouso;

Aquele que viu a Ele e tocou-lhe,
é liberado de todos os medos e problemas.

Para ele o pensamento perpétuo de Deus
é como pasta sândalo espalhada no corpo,
para ele não há deleite em nada mais,

seu trabalho e seu descanso são preenchidos com música:
ele exala por toda parte o esplendor do amor.

Kabir diz:

"toque os pés daquele que é um e indivisível, imutável e pacífico,
que preenche todos os frascos até a borda com alegria
e cuja forma é amor".

domingo, 19 de junho de 2011

P. D. Ouspensky - Trechos do Livro 'A Further Record' (parte 2)


Sr. Ouspensky: Tente pensar o que é que torna o trabalho tão difícil, tente encontrar quais são as coisas que levam grande parte da sua atenção. Tudo isso tem de ser encontrado. Quero que você compreenda que cada pessoa separadamente tem um certo obstáculo definido que fica no caminho de seu trabalho, algum ponto definido que impede a possibilidade do trabalho correto. É esse obstáculo que você tem de encontrar. Cada pessoa tem muitas dificuldades — quero dizer dificuldades na compreensão — mas uma é maior do que as outras. Por isso é necessário para cada um de vocês separadamente, encontrar sua própria dificuldade principal. Quando encontrá-la, o trabalho contra ela poderá ajudá-lo por um tempo determinado e, em seguida, talvez você terá de encontrar outra dificuldade e depois outra e mais outra. Até que você encontre sua presente dificuldade você não será capaz de trabalhar da maneira correta. Evidentemente, a primeira dificuldade para todos é a palavra 'eu'. Você diz 'eu' e não percebe que é apenas uma pequena parte de você que fala. Mas por trás e além dessa parte deve haver algo mais, e isso é para que cada um de vocês encontre pessoalmente.
Essa dificuldade pode ser um tipo específico de emoção negativa, um tipo específico de identificação ou de imaginação ou muitas outras coisas.
Pergunta: Ficar sempre adiando as coisas poderia ser a grande dificuldade?
Sr. O: Muito possivelmente — muito bom. Mas isso não é exatamente o que eu quero dizer. Essa é uma dificuldade em fazer, e eu quis dizer dificuldade de compreensão. Você já entendeu esse 'ficar adiando', já pensou nisso, portanto, não é o tipo de dificuldade da qual quero falar. Tente pensar o que torna as coisas muito difíceis ou toma grande parte da sua atenção. Todas essas coisas devem ser encontradas.
P: Minha dificuldade é que eu deveria dar mais tempo para o Trabalho, mas tenho medo de abandonar algo que gosto. O que posso fazer a esse respeito?
Sr. O: Talvez ao concordar em abandonar alguma coisa. Você não pode obter coisa alguma sem abrir mão de algo. Mas há muitas coisas imaginárias que você sempre pode abandonar. Então você deve abrir mão de coisas imaginárias e manter para si mesmo coisas reais. Mais uma vez, seu infortúnio é que você não sabe o que é imaginário e o que é real.
Vocês podem trabalhar nessas linhas quando se reunirem. Se quiserem, podem falar sobre as teorias — caso tenham esquecido de algo, podem perguntar a outras pessoas — contudo, mais importante do que isso é tentar encontrar as dificuldades pessoais. Não me refiro a dificuldades pessoais de um tipo externo, mas dificuldades pessoais internas — características pessoais, inclinações pessoais, repulsões pessoais, atitudes, preconceitos, atividades que podem parar sua compreensão impedindo-os de trabalhar. Essas dificuldades pessoais internas podem ser divididas em três categorias. Para algumas pessoas a principal dificuldade está nas emoções negativas — elas simplesmente não podem deixar de ficar negativas, geralmente em alguma direção específica. Para outras pessoas, a principal dificuldade está na imaginação — elas não conseguem parar de imaginar certas coisas que são completamente erradas e que distorcem a sua visão das coisas. Não me refiro à imaginação no sentido de devaneios, quero dizer a imaginação no sentido de alguma ideia errada persistente. A terceira categoria é o pensamento formatório. É muito útil tentar entender o que o pensamento formatório significa, encontrar alguns bons exemplos de pensamento formatório e manter esses exemplos em mente. Então, não será difícil reconhecer e perceber, seja quando você se vê pensando formatoriamente ou quando você ouve alguém falando formatoriamente. Estes são os principais tipos de dificuldades que vocês têm de encontrar em si. Para uma pessoa, uma dificuldade é mais permanente, para outra uma outra dificuldade e para uma terceira, uma terceira ainda — às vezes duas juntas, mas melhor tentar pensar qual é a principal em você, pensamento formatório, emoção negativa ou imaginação. Certamente, além disso, pode ser que você não ouça bem. Talvez você não saiba de coisas que deveria saber. Talvez você não tenha ouvido. Não me refiro apenas aos diagramas mas também ao lado psicológico. As pessoas podem ajudar umas às outras. Uma pode lembrar algo melhor, outra pode se lembrar de algo mais.
P: Há uma grande parte de mim que não quer se desenvolver. Como posso fazer a parte que deseja se desenvolver ficar mais forte?
Sr. O: Você deve fazer o que é possível para você, e além disso não pode fazer nada. Este 'eu' que quer crescer vai crescer, mas ele só poderá crescer por causa de seus esforços. Posteriormente, de alguma forma ele vai fazer com que os outros ‘eus’ não interfiram.
P: Como posso tentar construir uma direção real, um objetivo mais forte?
Sr. O: Novamente a mesma coisa — através da construção de si mesmo. Você pode ser mais forte do que você mesmo.
P: Somos uma soma total de diferentes ‘eus’. Como podemos saber em que 'eu' confiar? Como saber se o 'eu' que tomou a decisão é o certo?
Sr. O: Você não pode saber — este é o nosso estado. Temos de lidar com o que somos até que mudemos, mas trabalhamos com a ideia de mudança possível e quanto mais percebermos o estado lastimável em que estamos mais energia teremos.
P: É algo em nós mesmos que não desejamos mudar o suficiente? Se desejássemos o suficiente poderíamos obter ajuda?
Sr. O.: Sim, certamente, mas eu não colocaria assim. Você tem toda a ajuda que é possível. É a sua vez agora de trabalhar, sua vez de fazer algo. Certamente, com condições diferentes, preparação diferente e também circunstâncias diferentes, as coisas poderiam ser melhor organizadas, ou até mesmo mais poderia ser dado. Mas a questão não é quanto é dado, e sim o quanto é tomado, porque geralmente apenas uma pequena parte do que é dado é tomado efetivamente.
P: O que posso fazer para alcançar a unidade?
Sr. O: Ser um. Conquistar toda esta pluralidade dos muitos ‘eus’.
P: Como podemos mudar o ser?
Sr. O: Esta é a mudança de ser — ser um. Não para sempre. Mas tente durante cinco minutos, depois dez minutos.
P: O que é vontade própria?
Sr. O: Vontade própria é contra a unidade. É dito para você: 'Não faça isso' e você diz: 'Eu quero fazer isso'.
P: Eu não entendo a resposta que você deu sobre a tentativa de ter unidade por cinco minutos por dia.
Sr. O: Bem, o que mais posso dizer? Tentar não deixar os diferentes ‘eus’ interromperem e discutirem entre si. Se não der por cinco minutos, tente quatro, três. Não o suficiente para dizer que você não pode fazê-lo.

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P: Ver a nós mesmos significa uma combinação da auto-observação e da lembrança de si?
Sr. O: Não, significa apenas ter uma correta imagem de si mesmo.
P: É possível ter uma visão completa de nós mesmos?
Sr. O: Sim, sem dúvida, este é o começo. Antes de alcançar isso você não pode iniciar nenhum trabalho sério, você pode apenas estudar, mas mesmo isso será fracionário.
P: É muito difícil termos certeza de que estamos dizendo a verdade para nós mesmos.
Sr. O: Sim, é por isso que eu disse para ver a si mesmo, não para conhecer. Temos muitos retratos de nós mesmos. Temos de vê-los, um após o outro e, em seguida, compará-los. Mas não podemos dizer à primeira vista qual é o correto.
P: Qual é a maneira de verificar que estamos vendo a nós mesmos?
Sr. O: A experiência repetida.
P: Mas a experiência repetida também não pode estar errada?
Sr. O: Nossa capacidade de enganar a nós mesmos é tão grande que podemos enganarmo-nos até mesmo nisso.
P: Queria saber se haveria alguma forma de verificação?
Sr. O: Não, mas quando entrar um elemento emocional — a consciência — essa será a verificação.
P: Você quer dizer quando acordamos repentinamente e ficamos envergonhados?
Sr. O: Esse é o acompanhamento emocional. Falo apenas sobre ver.
P: Ver o que não somos é a mesma coisa?
Sr. O: Uma coisa inclui a outra.
P: É possível ficar vendo a si mesmo sem que haja uma grande mudança?
Sr. O: É difícil de responder. As pessoas se acostumam a tudo, até mesmo a ver a si mesmas.
P: Você disse que a pessoa não começa a trabalhar até que tenha visto a si mesma.
Sr. O: Sim. Não é possível falar a uma pessoa de maneira séria até que ela comece a ver-se, ou, pelo menos, perceba que é necessário ver a si mesma e que ela não se vê.
P: Às vezes, eu me vejo como extremamente confuso e atraído em todas as direções, mas não vejo como sair dessa confusão.
Sr. O: Esta é uma imagem. Tente encontrar outra imagem. Isso é o que, no primeiro grupo de Petersburgo, era chamado de tirar fotografias de nós mesmos em preparação para vermos a nós mesmos.P: Ver a nós mesmos significa alguma percepção permanente? Porque às vezes o que eu vejo em um dado momento mais tarde se torna algo abstrato e não emocional.
Sr. O: Isso significa que você deixa de ver a si mesmo. Nada é permanente em nós.
P: Ver a si mesmo significa que você vê suas falhas e também o que fazer com elas?
Sr. O: Às vezes pode ser assim. Mas novamente, você tenta encontrar definições e explicações e eu não falei sobre definição e explicação, mas sobre a prática real — não como definir isso ou como isso pode ser traduzido em palavras diferentes — é ver de fato. Suponha que você fala sobre um determinado retrato e nunca o viu, mas só ouviu falar sobre ele. Você pode saber tudo o que for possível sobre esse retrato, mas se você ainda não o viu, é necessário primeiro de tudo vê-lo e, em seguida, verificar tudo o que você sabe.
P: O que nos atrai para o sono é a mecanicidade?
Sr. O: Certamente.
P: Você disse para tentarmos parar os pensamentos durante cinco minutos ou tentarmos estar conscientes de nós mesmos.
Sr. O: É a mesma coisa — dá o mesmo resultado. Para algumas pessoas é mais fácil de fazer uma coisa e para outras pode ser mais fácil fazê-lo de outra maneira. Certamente o parar os pensamentos é um esforço mais mecânico, por isso às vezes é mais fácil. Não importa, o resultado é o mesmo, se você fizer bem. Não o resultado de cada cinco minutos em particular, mas de modo geral.
P: Como posso aprender a pensar em um nível diferente?
Sr. O: Você deve olhar para os temas para pensar e tentar encontrar alguma ligação pessoal com uma ou duas questões, algum interesse pessoal, então isso irá crescer e se desenvolver. Por pessoal quero dizer o que você pensava antes, questões que vieram antes por si mesmas, que você nunca poderia responder ou algo parecido. E quando você encontrar algo que você pode ver mais, isso poderá fazer surgir outras coisas.
P: Quando penso sobre um determinado assunto, sinto que posso tentar pensar em tudo o que tenho ouvido sobre ele e tentar compreender aspectos novos ou novas conexões. Ou posso tentar impedir qualquer pensamento, e às vezes até mesmo sentirei algo sobre o assunto. Ambos os métodos são úteis?
Sr. O: Você fala sobre 'fazer', mas realmente o que você pode obter com este programa é: você pode ver e observar as diferentes formas de pensar, porque um dia você pensa de uma maneira e outro dia você pode pensar sobre a mesma coisa de outra maneira. Você deve observar isso, não tente 'fazer'. Você não pode 'fazer' nada.
É importante lembrar que não podemos fazer nada. Se você se lembrar disso, se lembrará de muitas outras coisas. Em geral, há três ou quatro grandes obstáculos principais e se a pessoa não cair em um, cairá em outro. O fazer é um deles. Existem alguns princípios fundamentais que você nunca deve esquecer. Por exemplo, que você deve olhar para si mesmo e não para as outras pessoas, que as pessoas não podem fazer nada por si mesmas, mas, se é possível mudar, é só com a ajuda do sistema, de organização e do próprio trabalho das pessoas, do estudo do sistema. É preciso encontrar coisas como essas e lembrar-se delas.
P: Como podemos nos certificar de que lembramos delas? Sr. O: Imagine começar a planejar algo para fazer, é só quando você realmente tenta fazer alguma coisa diferente da forma como ela acontece que você percebe que é absolutamente impossível fazer de modo diferente. Um enorme esforço é necessário para alterar até mesmo uma coisa pequena. A menos que você tente, nunca poderá perceber isso. Você não pode alterar nada, exceto através do sistema. Isso geralmente é esquecido. Metade das perguntas são sempre sobre fazer — como mudar isso, destruir aquilo, evitar isso e assim por diante. P: Você pode esclarecer sobre a importância de lembrar que não podemos fazer? Sr. O: Tudo acontece. As pessoas não podem fazer nada. Desde o momento que nascemos até a hora da morte as coisas acontecem, acontecem, acontecem e nós pensamos que estamos fazendo. Este é o nosso estado comum normal na vida. E mesmo a menor possibilidade de fazer alguma coisa vem apenas através do Trabalho e primeiro somente em nós mesmos, não externamente. Mesmo em nós mesmos o fazer muito frequentemente começa com o não fazer. Antes que você possa fazer algo que você não pode fazer, você deve deixar de fazer muitas coisas que fazia antes. Você não pode despertar apenas por querer despertar, mas você pode impedir-se, por exemplo, de dormir por muito tempo ou algo parecido.P: Algumas vezes temos uma escolha entre dois acontecimentos possíveis?
Sr. O: Em coisas muito pequenas. E mesmo assim, se você notar que as coisas estão indo numa determinada maneira e decide alterá-las, você vai descobrir como é extremamente incômodo mudar as coisas. E assim você volta para as mesmas coisas.
P: Quando realmente começarmos a entender que não podemos fazer, será necessária uma grande dose de coragem. Isso virá ao livrarmo-nos da falsa personalidade? Sr. O: Não se chega a esse entendimento dessa forma. Ele vem depois de algum tempo de trabalho em si mesmo, de modo que quando a pessoa chega a essa realização ela tem muitas outras realizações além dela, principalmente de que existem maneiras de mudar se aplicarmos o instrumento certo no lugar certo e na hora certa. Devemos ter esses instrumentos e novamente, eles são dados apenas pelo trabalho. É muito, muito importante chegar a essa realização. Antes disso a pessoa não vai fazer as coisas certas. Vai arrumar desculpas.P: Não entendi o que você quis dizer quando disse que a menos que tenhamos essa percepção iremos arrumar desculpas. Sr. O: Não queremos desistir desta ideia de que podemos fazer e mesmo se percebemos que as coisas acontecem, encontramos desculpas como: ‘isso é acidental, amanhã será diferente’. É por isso que não podemos nos dar conta dessa ideia. Em toda a nossa vida podemos ver como as coisas acontecem, mas ainda as explicamos como acidente, como exceções à regra de que podemos fazer. Ou esquecemos, ou não vemos ou não prestamos suficiente atenção. Sempre pensamos que a todo momento podemos começar a fazer. Essa é a nossa maneira ordinária de pensar nisso. Se você tentar encontrar em sua vida momentos onde tentou fazer algo e falhou, esse será um exemplo. Mas você explicou seu fracasso como um acidente, uma exceção. Se as coisas se repetirem, novamente você pensará ser capaz de fazer, e se ver isso novamente, mais uma vez a falha será apenas um acidente. É muito útil recordar a sua vida desse ponto de vista. Você pretendia uma coisa e algo diferente aconteceu. Se você for sincero, você vai ver. Caso contrário, você irá convencer-se de que o que aconteceu era exatamente o que você queria. P: Não existe algo como forçar uma situação? Sr. O: Pode parecer que é assim, mas realmente aquilo aconteceu. Se não pudesse acontecer dessa forma, então não aconteceria. Quando as coisas acontecem de uma determinada maneira somos carregados pela corrente, mas pensamos que somos nós que carregamos a corrente. P: Se sentimos por um momento que somos capazes de fazer, digamos, de executar um serviço específico no trabalho ordinário, qual é a explicação disso?Sr. O: Se a pessoa é treinada para fazer alguma coisa, ela aprende a seguir certos tipos de acontecimentos ou, se você preferir, a começar certos tipos de acontecimentos e, em seguida, eles se desenvolvem e a pessoa corre atrás, apesar de pensar que está comandando.
P: Se temos a atitude correta....Sr. O: Não, atitude não tem nada a ver com isso. A atitude pode estar correta, a compreensão pode estar correta, mas você ainda descobre que as coisas acontecem de uma determinada maneira. Quaisquer coisas comuns. É muito útil tentarmos e lembrarmos de casos onde tentamos fazer diferente e como sempre acabamos voltando para a mesma coisa, mesmo se fizermos algum ligeiro desvio, forças enormes nos conduzirão de volta para as formas antigas.P: Quando você diz que não podemos evitar que as mesmas coisas aconteçam, você quer dizer até que nosso ser seja mudado? Sr. O: Não falo sobre o Trabalho. Eu disse que era necessário compreender que por nós mesmos não podemos fazer. Quando isso for suficientemente entendido você poderá pensar o que é possível fazer: que condições, que conhecimentos, que tipo de ajuda são necessários. Mas, primeiro, é necessário perceber que na vida ordinária, se você tentar fazer algo diferente, vai descobrir que você não pode. Quando isso for emocionalmente entendido, só então será possível ir mais longe. Enquanto você não estiver bem certo disso, será impossível continuar. P: Quando tornamo-nos conscientes de ‘eus’ contraditórios em nós mesmos temos desejo de fazer algo drástico a esse respeito. Existe alguma coisa que podemos fazer? Sr. O: Em quase todos os casos para fazer algo é necessário saber mais, particularmente no caso de contradições. Por exemplo, eu me defronto muitas vezes com este caso: alguém diz que sabe o que há de errado consigo e quer fazer algo para pará-lo. Começo a falar com ele e, depois de eu ter falado por algum tempo, percebo que ele acha que quer, mas na realidade não quer tanto quanto ele diz. Se alguém realmente quiser, vai encontrar uma maneira, mas às vezes é necessário algum tipo de conhecimento especial. A pessoa pode conhecer algum tipo de contradição, desejar interrompê-la e mesmo assim ela ainda permanece lá. Às vezes, é necessário saber como.P: A plena realização de que não podemos fazer coisa alguma já é um longo passo no caminho para fazer?
Sr. O: Às vezes o passo é longo demais, porque a pessoa pode perceber que não pode fazer algo que ela deve fazer e percebe tarde demais.
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Sr. O: Voltemos à questão da Justiça. É interessante a título de linguagem. O que é Justiça? P: Algo que é justo para duas pessoas. Sr. O: Quem seria justo? Como um arranjo condicional, pode ser entendido. Como uma coisa geral, é fantástico. Você esquece que a vida orgânica está baseada em assassinato. Uma coisa come a outra: gatos e ratos. O que é justiça entre os gatos e ratos? Esta é a vida. Não é algo muito bonito. Então, onde está a justiça? P: Por que as pessoas pensam que a natureza é bela se é assim que ela funciona? Sr. O: O que é bonito? O que você gosta. P: Como pode Deus ser amor se Ele criou a natureza dessa forma?Sr. O: Por um determinado propósito. Além disso, o que você chama de natureza? Um terremoto também é natureza. Mas por hora nós aplicamos o termo 'natureza' com relação à vida orgânica. Evidentemente, foi criada assim porque não havia nenhum outro meio. Como podemos perguntar o por quê? Foi feito assim. Se não gostarmos disso, podemos estudar métodos de como escapar. Essa é a única possibilidade. Só não devemos tentar imaginar que ela é muito bonita. Não devemos fingir que os fatos são diferentes do que são. P: Você vai colocar o homem em pé de igualdade com o resto da vida orgânica? Sr. O: Não há nenhuma diferença, só que as outras unidades são totalmente desenvolvidas e o homem é apenas parcialmente desenvolvido. P: O homem pode ficar além da lei do assassinato? Sr. O: Ele tem a possibilidade de escapar. P: Quais são as maneiras de escapar do assassinato? Sr. O: O homem está sob 192 leis. Ele deve escapar de algumas delas.P: Você disse que os homens são responsáveis pelo que eles fazem e os animais não são? Sr. O: Os homens 1, 2 e 3 são menos responsáveis. Homens no. 4 e assim por diante, são mais responsáveis, a responsabilidade cresce. P: O que significa responsabilidade? Sr. O: Em primeiro lugar, um animal não tem nada a perder, mas o homem tem. Em segundo lugar, o homem tem de pagar por cada erro que ele fizer, caso ele já tenha começado a crescer. P: Isso implica justiça. Sr. O: Não, ninguém chamaria isso de justiça se você tivesse de pagar por seus erros. P: Justiça não significa obter o que merecemos?
Sr. O: A maioria das pessoas pensa que estamos recebendo o que queremos e não o que merecemos. Justiça deve significar alguma coordenação entre as ações e os resultados das ações. Isso certamente não existe e não pode existir sob a Lei do Acidente. Quando conhecemos as principais leis, entendemos que vivemos em um lugar muito ruim, um lugar realmente ruim. Mas, como não podemos estar em nenhum outro lugar, temos de ver o que podemos fazer aqui. Apenas não devemos imaginar que as coisas são melhores do que são.
P: As coisas permanecerão como estão a menos que todo mundo fique consciente?Sr. O: As coisas permanecerão como são, mas podemos escapar. É preciso muito conhecimento para saber do que é possível escapar e do que não é. Mas a primeira lição que temos de aprender, a primeira coisa que nos impede de escapar é que nem sequer percebemos a necessidade de conhecer a nossa posição. Aquele que conhece já está em uma posição melhor.P: Cada vez que repasso as coisas diferentes para pensar no programa de Trabalho, vejo que não estou fazendo nenhum progresso em pensar sobre elas. Não posso fazer mais do que repetí-las. Sr. O: Repetir não vai ajudar. Você deve tentar pensar. Você deve tentar encontrar algo novo de uma forma que você não tenha visto antes, ou alguns novos pontos de vista ou ângulos. Tente falar com outras pessoas sobre isso, é muito útil fazer assim. P: Minha incapacidade de pensar de uma forma nova ou ter quaisquer pensamentos novos sobre os mesmos assuntos tem me mostrado realmente como minha mente é muito mecânica e formatória. De que forma posso tentar? Sr. O: Mais lembrança de si. Essa é a única coisa; é por isso que durante cinco minutos você realmente deve lutar para estar consciente de si mesmo ou para colocar para fora todos os pensamentos, e se você fizer a sério, isso vai ajudar. P: Tenho notado que muitas vezes pensamentos de um frescor e lucidez extraordinários surgem repentinamente em minha mente. Como podemos tentar obter esses lampejos sobre o assunto que desejamos?Sr. O: Lembre mais de si mesmo — mais profundamente — melhor. Não há outra resposta; e, em seguida, tente pensar também de pontos de vista diferentes, ou escalas diferentes. Tente conectar um ponto, as coisas que você pensava antes ou fazia antes ou que não podia responder antes. Se você conectar um ponto corretamente, todo o resto ficará mais claro. P: É difícil manter uma linha de pensamento em comparação com as coisas comuns que acontecem em nossa cabeça — o material é tão limitado. Sr. O: Não, o material é muito grande — outra coisa é limitada. Ou o desejo é limitado ou esforço é limitado. Algo é limitado, mas não o material. P: Eu gostaria de saber qual é a causa da resistência para manter os pensamentos de fora — os pensamentos fortes que entram sorrateiramente. Sr. O: Existem duas causas — a causa da resistência é uma coisa e a causa dos pensamentos que vêm interromper é outra. A segunda mostra o modo ordinário de pensamento — não podemos nunca manter uma linha porque as associações acidentais entram. A resistência é outra coisa, é o resultado de uma falta de habilidade, falta de saber como lidar com isso, falta de experiência se quiser — não pensar intencionalmente, numa determinada linha. Mas esta capacidade deve ser educada.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Rodney Collin - Teoria da Harmonia Consciente (parte 2)

(Notas sobre o 'Trabalho sobre si', baseado na tradição do Quarto Caminho)

A coisa principal, a coisa mais difícil, é despertar o coração. De alguma forma temos de aprender a sermos capazes de viver no coração, de julgar a partir do coração, assim como normalmente vivemos na mente mecânica e julgamos dali. É a mudança do centro da atenção em nós mesmos. Pois os movimentos do coração são tão rápidos que apenas se pudermos aprender a viver lá por algum tempo, será possível capturá-los quando eles passarem e obedecê-los. Isso também significa que temos de aprender a alimentar o coração, tomar impressões emocionais diretamente de lá, assim como agora tomamos o conhecimento diretamente da mente.

Existem métodos para ajudar nesse sentido. Ouspensky disse: 'Faça grandes exigências sobre si mesmo'. Essa é a chave. Só que não devem ser apenas exigências de Faquir*, mas demandas de todos os tipos — particularmente exigências emocionais. E tudo isso deve sempre ser combinado com o esforço para a lembrança de si* — e nunca separar-se disso.

Fomos ensinados (e entendo isso melhor a cada dia) que a compreensão não é o produto de uma função no homem, mas é a resultante das várias funções trabalhando em harmonia. Por exemplo, se a pessoa aprecia algo com a mente, ela 'conhece'; se aprecia com as emoções, ela 'sente’; se aprecia com os órgãos físicos externos, ela 'tem a sensação’ de. Mas se simultaneamente aprecia com a mente, as emoções e os sentidos físicos, então ela realmente compreende aquilo. Como somos atualmente, isso é muito raro de ocorrer. Pode ser desenvolvido. Mas para fazê-lo, algo como a 'lembrança de si’ é necessário — ou seja, é preciso lembrar de todas as nossas funções e de suas relações com a coisa em questão.

A matemática moderna é uma ferramenta poderosa de pensamento, não só nas ciências físicas, mas também em relação à própria vida. Só que para isso, é preciso compreender a matemática não só com a mente, mas também com as emoções e com todo o organismo físico. A 'matemática emocional' pode resolver qualquer problema no universo. Afinal, o que mais é a ideia da Santíssima Trindade?

Através da compreensão tudo se torna simples. Vemos aquilo que é, objetivamente; onde estamos, objetivamente; o que podemos fazer, objetivamente. A compreensão previne atritos inúteis, lutas inúteis. Torna-nos constantes, tolerantes, gentis, 'compreensivos'. Dá-nos peso. Para chegar à real compreensão devemos estudar mais, muito mais, verificar em termos mundanos tudo o que foi dito ou sentido. É necessário estarmos abertos. Tudo está disponível, esperando por nós. Estamos sendo banhados em radiações cósmicas, temos toda ajuda. Mas temos de tornarmo-nos abertos. Abrir nossos poros. Pegar tudo. O que nos impede de estarmos abertos e de recebermos o que está acontecendo, é o fato de estarmos preocupados com nós mesmos, pensando em nós mesmos. Se nos esquecermos de nós mesmos, tudo virá a nós.
Polaridades: Sol - Terra, polo norte - polo sul, polo positivo - polo negativo, homem - mulher. Tudo real é criado pela intervenção de uma força invisível no campo de tensão entre dois polos. Os dois polos são reconciliados por alguma corrente superior, algo não reconhecido. Então, começa a criação. Se o terceiro elemento não está presente ou não é reconhecido, a polaridade pode transformar-se em hostilidade, violência, destruição, ódio. Os polos parecem "inimigos". Sempre que a terceira força é evocada, eles tornam-se complementos. Ver a reconciliação das polaridades pela terceira força é o começo da harmonia. Certa vez, há muito tempo, Ouspensky disse: ' há ideias que poderiam parar todas as brigas; uma delas é a ideia da lei de três.'*

Enormes quantidades de informações detalhadas sobre todos os ramos concebíveis do conhecimento estão disponíveis e sendo constantemente adicionadas pelo método dedutivo. Mas tudo isso só leva a mais confusão e divisão porque tal conhecimento não está unido por nenhum princípio. É claro que apenas princípios podem reunir os diferentes ramos do conhecimento e os diferentes lados da vida que se tornaram tão separados e antagônicos. É verdade que uma apresentação qualquer de princípios não será aceita pelos estudiosos e cientistas ordinários — mas apenas por aqueles que já tenham farejado a existência de certas leis universais* e que começaram a procurar por elas. Para os outros, essas ideias continuarão a ser invisíveis.

Certamente novas expressões de princípios vão ser mal interpretadas, tal como foram as religiosas, as alquímicas, mágicas e outras expressões. 'A má utilização' de princípios é outra coisa e só é possível, creio eu, depois que um indivíduo tenha tido algum treinamento e preparação consideráveis. Leitores ordinários não podem utilizar nem bem nem mal — só é possível ser influenciado por eles ou não conseguir vê-los.

Aqueles que foram capazes de assimilar todo o ensinamento em uma imagem mental coerente são muito afortunados — pois ele é um todo e nisso reside o seu poder milagroso. Fazer essa compreensão mental viver com nossa própria experiência e experimentação é uma outra coisa. Isso pode levar um tempo muito longo. Uma vida inteira ou mais. Mas isso virá. Num primeiro momento não reconhecemos a experiência que a vida traz como tendo algo a ver com a teoria que conhecemos tão bem. Só depois podemos ver a conexão, e quando o fazemos, isso nos permite digerir a experiência da vida de um modo muito especial. Isso transforma experiência em compreensão.

Ouvi Ouspensky por onze anos, em palestras, com amigos e sozinho. No final dessa época, quando em sua morte ele realmente realizou de fato o milagre da mudança, eu percebi que nem uma única coisa que ele disse foi irrelevante, que cada frase, pública ou privada, era designada para ajudar-nos a compreender os grandes mistérios quando estes viessem a cruzar nosso caminho.

Portanto, não podemos esquecer o 'conhecimento'. Apenas lutar para viver, para sermos sinceros, verdadeiros e honestos. Lembrarmos de nós mesmos (do nosso ser) e esquecer nossa auto importância - verdadeira e simplesmente - isso implica sermos. O resto virá com o tempo.

Toda pessoa precisa de companheiros. Se ela se junta a algum grupo formal daqueles que conheceram Ouspensky, Gurdjieff ou Nicoll é uma questão diferente. Mas da companhia daqueles que estão se esforçando para viajar pelo mesmo caminho, ela precisa. Pois essas verdades são demasiadamente difíceis para um único homem sozinho desvendar. Ele tem de encontrar outras pessoas com quem possa trocar experiências e compreensões e compartilhar experimentos. Então, se puderem colocar junto o que eles descobriram individualmente, poderão criar um campo suficientemente forte de compreensão para atrair atenção e ajuda. Desse modo, as pessoas devem manter seus olhos abertos para seus companheiros. Elas podem encontrá-los em lugares muito inesperados.

Evidentemente abrir mão da capacidade de compreensão é um pecado muito mais grave no caminho do desenvolvimento do que parece. E nenhuma quantidade de outros esforços pode neutralizá-lo. A razão é que a compreensão está muito estreitamente conectada com a consciência, e aquele que desiste da luta para compreender e simplesmente aceita, deve em um certo ponto sufocar sua própria consciência. E disso só se pode recuperar com um sofrimento muito grande. A compreensão dá força e confiança e a ausência de compreensão cria sofrimento e fraqueza — mesmo que o indivíduo lute duramente.

Neste contexto, é interessante as pessoas dizerem: 'Collin Smith vai ensinar, não vai ensinar'. Elas não entendem que estou aprendendo e esta é a única maneira que eu ou outra pessoa pode fazê-lo. Lembro-me muito claramente, sentado com Ouspensky em Longchamps, Nova York, em 1945, eu perguntando por que tudo parecia ter chegado a uma parada. Ele disse: 'você esquece de uma coisa; muitas pessoas esquecem — para aprender mais, você tem de ensinar.' Desde então, tenho visto como muitas pessoas que tinham chegado muito longe, começaram a compreender cada vez menos, porque elas não estavam dispostas a aceitar a responsabilidade de passar para os outros o que entendiam. A compreensão não pode permanecer estática — ela somente pode aumentar ou diminuir; e a maneira mais segura de aumentar sua compreensão é ajudar os outros a compreenderem. Na verdade isso se aplica a todos os níveis — embora naturalmente isso não possa ser dito até que a distinção entre compreensão e opinião esteja clara e até que as várias ilusões de auto importância sejam destruídas. Mas esse é um princípio geral.

Compreender mais, ver as coisas mais objetivamente, vem em primeiro lugar. Quando isso se aprofunda suficientemente, a pessoa começa a ser diferente, a agir de forma diferente. Não há nenhuma outra maneira.


Naqueles momentos quando a compreensão amplia repentinamente, dia a dia, mais e mais, devemos deixar traços de como a fenda que foi aberta permitiu a luz da nova compreensão entrar. Esses traços têm um sabor e força muito especiais, e um dia, por sua vez produzirão efeitos. Eles também ajudam a fixar a nova compreensão. Pois quando de repente, sem aviso, encontrarmo-nos no meio daquilo pelo qual estivemos procurando, devemos lembrar a necessidade de fixar o estado que nos foi dado, para que ele se torne permanentemente nosso.

Esses períodos de iluminação súbita e de compreensão são parte do aspecto mais misterioso e milagroso do Trabalho. Nós não podemos antecipá-los, não podemos merecê-los. 'Não sabemos o dia nem a hora...' como é dito nos evangelhos. Mas quando eles vêm, todos os valores são perturbados. E eles fixam a direção e o curso de toda a fase que se segue.
Em um estado altamente emocional somos inundados por emoções e visões. A onda de emoção inevitavelmente irá retroceder. Mas a tarefa é fixar a compreensão que isso traz, a fim de que essa compreensão possa permanecer mesmo quando a emoção que a trouxe tiver ido embora. Fixar uma nova atitude — com relação a nós mesmos, às outras pessoas, ao nosso professor e com relação a Deus — essa é a questão. A pessoa na qual novas atitudes são fixadas de maneira permanente, confiável, pode ser o instrumento das forças superiores.

Fico contente quando as pessoas me contam suas experiências e novas compreensões. Mas temos também de estar preparados para os dias magros. Devemos armazenar compreensões incompletas para digeri-las e nos nutrirmos com elas naqueles períodos em que não nos é dado mais daquele ‘pão consubstancial'. Há tanto para se fazer — temos de trabalhar para os maus momentos, bem como para os bons.

Destruir a falsa personalidade parece ser metade do trabalho todo. Algo que temos e não precisamos tem de morrer e algo que não temos, mas precisamos, tem de nascer. Todo o Trabalho é uma preparação para uma ou outra dessas duas coisas. Não acho que podemos 'destruir' a falsa personalidade nós mesmos, mas gradualmente podemos nos descolar dela, ficarmos menos comprometidos com ela, de modo que um dia quando exteriormente o choque certo vier sobre nós, ela vai desabar por si mesma e nós poderemos emergir livres. Enquanto isso, penso que temos de aprender a aceitar a nós mesmos, do mesmo modo que temos de aprender a aceitar os outros. Aceitar nossas próprias tolices, imposturas, falhas e seguir para um novo ponto de vista imparcial que fica para além delas. É difícil de descrever, mas tem que ser sem nenhuma violência, mesmo contra nós mesmos.

No ‘Fragmentos de um ensinamento desconhecido’, Ouspensky escreveu que ele chegou à realização de que nunca algo certo poderia ser alcançado por meios violentos. E eu sinto que isso se aplica até mesmo para o que é chamado de 'trabalho sobre si mesmo’. Assim como os nós das relações pessoais na vida não podem ser cortados, mas apenas unidos, eu acredito que o processo de mudança interna consiste em pacientemente, continuamente, afrouxar os laços da fascinação e substituir apegos, interesses e uma sensibilidade interna por influências superiores. A violência pode dar às vezes algum material interessante. Eu não creio que seja um método de construção permanente. Essa ideia é muito bem expressa no antigo problema Zen: 'há uma galinha viva em uma garrafa — como você pode tirá-la sem quebrar a garrafa ou matar a galinha?' Nada deve ser quebrado. E quase sempre a violência quebra as coisas.

Ninguém pode inventar a 'pressão' do trabalho. A pressão é produzida pelas condições da vida, ao vermos a vida como ela é. Todos nós temos nossos hábitos, físicos e mentais — que funcionam como amortecedores — para diminuir ou suavizar a pressão da vida. Ao libertarmo-nos desses hábitos, a pressão cresce por si só — a pressão da responsabilidade, dos compromissos, das investigações a serem feitas e objetivos a serem atingidos.

O nosso trabalho é realizarmos a harmonia consciente. Primeiro em nós mesmos individualmente. Em seguida, em nosso grupo. Então, gradualmente entre os grupos e então projetada para fora infinitamente no mundo. Individualmente, temos de alcançar a harmonia entre todas as nossas funções, todos os nossos interesses, todas as nossas tarefas, todos os lados de nossa vida — dedicando o todo harmonioso para Deus e para o Trabalho. É para isso que nossos estudos estão nos preparando. Eles não têm nenhuma outra finalidade. Cada pessoa tem de recriar todo o Sistema* intelectualmente para si mesma e em si mesma. Esta é a estrutura de sua nova criação. Ninguém mais pode fazer isso por ela, e o que ela descobre torna-se propriedade dela. Ao mesmo tempo, a construção do nosso próprio 'modelo do universo’ representa apenas a estrutura. Esse é o esqueleto. Um novo tipo de carne vivente deve crescer nele, um novo corpo. O que isso significa? Significa aprender a viver na alma e a partir da alma. Quando fazemos isso, toda a estrutura complexa de ideias que criamos resolve-se em algo muito simples, muito direto.

Todos os que vão longe neste Trabalho devem aprender a descansar. Caso contrário, as tensões que encontram serão fortes demais para eles. Na verdade, há apenas um tipo verdadeiro de descanso —  no pensamento de Deus, na lembrança de Deus, em Deus.

Existem duas visões do universo. E nós temos de aprender a cultivá-las alternadamente. Uma é a visão da hierarquia de seres, da escada ascendente que nós e todos os outros devemos lutar através de trabalho, sacrifício, serviço e compreensão. Este é o caminho de Escola. A outra é a visão direta de Deus, de uma vibração divina que permeia e sustenta todos os seres em todos os lugares, desde a pedra até Cristo, da Lua ao Sol. Essas duas visões são o dia e a noite do nosso Trabalho. Temos de trabalhar em uma e descansar na outra. Tem de ser assim. É por isso que a nossa Tradição não é um substituto para a religião. É o complemento dela. Todo homem precisa de uma religião e, provavelmente, de uma Igreja para sustentá-lo na visão de Deus.

Todos temos boas qualidades e todos temos características repulsivas. No nível das qualidades, boas ou ruins, nada pode ser feito. Mas nós temos um espírito que é imortal e todos os nossos esforços na lembrança de si são para criarmos uma conexão consciente com ele. Podemos pensar a respeito do corpo como sendo um instrumento lindo e maravilhosamente engenhoso — ou um velho saco de ossos, como quisermos. Em ambos os casos ele só terá significado se servir ao espírito, por intermédio da alma consciente que estamos tentando criar. Dessa forma, temos de olhar para o alto, elevar nosso anseio, sempre tentar sentir, no espaço. Quando obtivermos essa sensação nunca iremos perdê-la. E tudo o que é repulsivo permanecerá abaixo de nós.

*Para a melhor compreensão dos termos empregados é recomendada a leitura dos textos de P. D. Ouspensky que se encontram no Blog.