terça-feira, 8 de junho de 2010

Philokalia - Nikitas Stithatos - Sobre o Conhecimento Espiritual (parte3)



Primeiramente, devemos nos remover da materialidade viciosa incitada em nós pelos demônios – esse é o estágio de purificação; depois, através do estágio de iluminação, devemos tornar lúcidos nossos olhos espirituais sempre preenchidos de luz e isso é realizado por meio da sabedoria mística oculta em Deus. Dessa forma, ascendemos à cognição do conhecimento sagrado, o qual através da inteligência transmite coisas novas e velhas àqueles que têm ouvidos para ouvir. Então, de nossa parte, temos de passar adiante para os outros, imagens e indicações desse conhecimento, transferindo seu significado oculto para os purificados, guardando-o dos profanos, para que coisas sagradas não sejam dadas aos cães, ou que pérolas do Logos sejam jogadas para almas suínas que as sujarão. (Mat.7:6)



Quando você se tornar ciente de uma ardência crescente em sua fé interior e amor por Deus, deveria então saber que você está dando à luz o Cristo dentro de você mesmo, e que é Ele que exalta a sua alma acima das coisas terrestres e visíveis, preparando uma morada para ela nos céus. Quando você percebe que seu coração está repleto de alegria e pungentemente anseia pelas indizíveis bênçãos de Deus, deveria perceber que está sendo ativado pelo divino Espírito. E quando você sente que seu intelecto está repleto de luz inefável e de intelecções da Sabedoria celestial, deveria reconhecer que o Paráclitos (o Espírito Santo) está presente em sua alma, revelando os tesouros do reino dos céus ocultos em você. Você deveria guardar-se rigorosamente como um palácio de Deus e uma morada do Espírito.



Vigilância do tesouro oculto do Espírito consiste naquele estado de desapego dos assuntos humanos que apropriadamente é chamado de quietude. Quando, através da pureza do coração e compunção alegre essa quietude estimula um anseio ainda mais ardente pelo amor de Deus, ela liberta a alma das amarras dos sentidos impelindo-a a abraçar a vida da liberdade. Relembrada de seu estado natural, a alma reorienta seus poderes, restaurando-os à sua condição original. Desse modo é evidente que nada do mal que nos aflige, como resultado de nosso afastamento e lapso da imagem divina, pode ser imputado a Deus, o qual cria apenas o que é bom.



É a quietude, repleta de sabedoria e bênção, o que nos leva a este estado sagrado e divino de perfeição – isto é, quando ela é praticada e perseguida genuinamente. Se um aparente buscador ainda não atingiu essa elevação e perfeição, sua quietude ainda não é essa quietude noética e perfeita. De fato, até que ele tenha atingido essa elevação, ele não terá nem mesmo aquietado a turbulência interior das paixões anárquicas. Tudo o que ele terá é um corpo consistindo de tecidos, aberturas e cavidades e assolado por uma mente desordenada e iludida.



Almas que atingiram pureza total e alcançaram os cumes da sabedoria e do conhecimento espiritual, assemelham-se ao Querubim. Pela virtude de sua cognição imediata eles se aproximam da fonte de toda a beleza e bondade e dessa forma são iniciados direta e plenamente na visão das coisas secretas. Dentre os poderes espirituais é dito que apenas os Querubins são iluminados dessa maneira direta pela própria fonte da divindade, e, portanto, possuem essa visão no mais alto grau.



Dentre os mais elevados poderes angélicos, alguns são mais ardentes e perspicazes em sua devoção às realidades divinas ao redor das quais eles circulam incessantemente; outros são mais contemplativos, gnósticos e imbuídos de sabedoria, esse sendo o estado divino que os impele a circular incessantemente ao redor dessas realidades. Similarmente, almas angelicais são ardentes e perspicazes em sua devoção às realidades divinas, bem como sábias, gnósticas e exaltadas na contemplação mística. Potencialmente e de fato, elas também circulam ao redor das coisas divinas, firmemente enraizadas nelas apenas. Imutavelmente receptivas às iluminações divinas, e, portanto, participando Naquele que realmente é, elas também irrestritamente comunicam Seu esplendor e graça aos outros, através de seus ensinamentos.



Deus é o Intelecto e o agente ativador de tudo. Todos os intelectos têm sua morada permanente e sua mobilidade eterna nesse Intelecto primário. Tal é a experiência de todos aqueles cuja atividade não é adulterada pela materialidade e que são puros e sem mácula devido ao resultado de seus sagrados trabalhos ascéticos. Eles experimentam isso quando, ardendo com o amor divino, comunicam uns aos outros e a si mesmos a iluminação outorgada sobre eles pela Divindade, generosamente transmitindo aos outros a sabedoria dos mistérios de Deus escondida dentro deles, enaltecendo dessa maneira, o amor divino que os inspira.


As almas cuja inteligência foi libertada da preocupação material e nas quais os aspectos apetitivos e inflamatórios auto-guerreadores foram restaurados à harmonia e atrelados à bem governada carruagem celestial, tanto revolvem ao redor de Deus como permanecem fixamente paradas. Elas revolvem incessantemente ao redor de Deus como seu centro e causa de seu movimento circular. Elas permanecem firmes e constantes como pontos na circunferência do círculo, não podendo ser desviadas dessa posição fixa pelo mundo dos sentidos e pelas distrações dos assuntos humanos. Essa é, portanto, a consumação da quietude e é a isso a que a quietude conduz aquele que verdadeiramente a alcança, de modo que enquanto se movem estão parados e enquanto firmes e imóveis, movem-se ao redor das realidades divinas. Enquanto não experimentarmos isso podemos dizer que praticamos apenas uma quietude aparente e nosso intelecto não está livre da materialidade e da distração.



Quando através de grande diligência e esforço recobrarmos a beleza original da inteligência e através da presença residente do Espírito Santo participarmos na sabedoria e conhecimento celestiais, poderemos então perceber as coisas como elas são por natureza e a partir daí podemos reconhecer que a fonte e a causa de todas as coisas é ela mesma sábia e linda. Vemos que não podemos de maneira nenhuma responsabilizá-la pelo mal que destrói as coisas criadas quando elas se desviam para o que é baixo. Quando somos defletidos e arrastados para baixo, somos separados da beleza primal do Logos, temos assim confiscada nossa deificação, enquanto que o mal que nos invadiu nos desfigura em sua própria forma obtusa e imbecil.



Quando através da prática das virtudes alcançarmos um conhecimento espiritual das coisas criadas, atingiremos o primeiro estágio no caminho da deificação. Alcançamos o segundo estágio quando – iniciados através da contemplação das essências espirituais das coisas criadas – percebemos os mistérios ocultos de Deus. Atingimos o terceiro estágio quando somos unidos e misturados à luz primordial. É aí que chegamos ao objetivo de toda atividade ascética e contemplativa.



Por meio desses três estágios todos os intelectos são unidos, de um jeito que está de acordo com sua própria natureza, consigo mesmos e com Aquele que verdadeiramente é. Desse modo eles podem iluminar os intelectos seus semelhantes, iniciando-os nas realidades divinas, através da sabedoria celestial aperfeiçoando-os como espíritos já purificados, e unindo-os consigo mesmos e com o Um.



A deificação nesta vida presente é o rito espiritual e verdadeiramente sagrado no qual o Logos de sabedoria indescritível faz de Si mesmo uma oferenda sagrada e dá a Si mesmo, até onde é possível, para aqueles que se prepararam. Deus, como condiz com Sua bondade, tem outorgado essa deificação sobre seres adornados com inteligência para que eles possam alcançar a união da fé. Aqueles que como resultado de sua pureza e seu conhecimento das coisas divinas participam nessa dignidade são assimilados à Deus, 'conformados à imagem de Seu filho” (Rom.8:29) através de suas concentrações exaltadas e espirituais sobre o divino. Dessa forma eles se tornam como deuses para os outros homens na Terra. Esses outros por sua vez, aperfeiçoados na virtude pela purificação através de sua inteligência divina e através de relação direta com Deus, participam de acordo com sua capacidade e grau de sua purificação na mesma deificação que seus irmãos, e comungam com eles no Deus da unidade. Dessa maneira, todos eles, unificados na união do amor, são incessantemente unidos com o Deus um; e Deus, a fonte de todos os santos trabalhos e totalmente livre de qualquer acusação por causa de Seu trabalho da criação, reside no meio de deuses (Sal. 82:1), Deus por natureza, entre os deuses por adoção.


Você não pode ser assimilado por Deus e participar nas Suas bênçãos inefáveis – na medida do possível - a menos que primeiro, através de lágrimas ferventes e da prática dos sagrados mandamentos de Cristo, você estirpe a imundice e o desfiguramento interpostos do pecado. Se você quer saborear espiritualmente a doçura e o deleite das coisas espirituais você deve renunciar a todas as experiências sensoriais mundanas, e em sua aspiração pelas bênçãos armazenadas pelos santos, você deve devotar-se à contemplação da realidade interna dos seres criados.



A assimilação por Deus, conferida a nós através de purificação intensa e profundo amor por Deus, pode ser mantida apenas por uma incessante aspiração por Ele por parte do intelecto contemplativo. Tal aspiração é nascida dentro da alma através da quietude persistente produzida pela aquisição das virtudes, pela prece espiritual incessante e não distraída, por total auto-controle e pela leitura intensiva das Escrituras.


Devemos lutar não apenas para trazer os poderes da alma para um estado de paz, mas também para adquirir um anseio pela serenidade espiritual. Pois através do apaziguamento de nossos pensamentos cada aspiração pelo o que é bom é fortalecida, enquanto que o orvalho enviado do céu cura e reaviva o coração ferido pelo fogo celestial ateado pelo Espírito.



Uma vez que uma alma ferida profundamente pelo anseio divino experimentou o bálsamo dos dons noéticos de Deus, ela não pode permanecer estática ou fixada em si mesma, mas irá aspirar elevar-se cada vez mais na direção dos céus. Quanto mais alto eleva-se através do Espírito e quanto mais penetra nas profundezas de Deus, mais ela é consumida pelo fogo do desejo e explora em toda sua imensidão os mistérios ainda mais profundos de Deus, ansiosa para atingir a luz abençoada na qual cada intelecto é arrebatado para fora de si mesmo e onde – com seu objetivo alcançado – ela repousa em sincera alegria.



O Espirito é luz, vida e paz. Consequentemente, se você é iluminado pelo Espírito, sua própria vida é imbuída com paz e serenidade. Por causa disso você é preenchido com conhecimento espiritual dos seres criados e sabedoria do Logos; é garantido a você o intelecto de Cristo (1cor.2:16) e você vem a conhecer os mistérios do reino de Deus (Luc.8:10). Dessa forma você penetra nas profundezas do Divino e diariamente com um coração calmo e iluminado profere palavras de vida para o benefício dos outros; pois você próprio está cheio de bênçãos, uma vez que tem dentro de si a própria Bondade que pronuncia coisas novas e velhas. (Mat.13:52)



Deus é Sabedoria, e ao deificar através do conhecimento espiritual dos seres criados aqueles que vivem no Logos e na Sabedoria, Ele une-os a Si mesmo através da luz, tornando-os deuses por adoção. Sendo que Deus criou todas as coisas a partir do nada através da Sabedoria, Ele dirige e administra tudo o que está no mundo através da Sabedoria, e do mesmo modo, na Sabedoria traz a salvação de todos que se voltam na Sua direção e se aproximam Dele. Similarmente, aquele que através de sua pureza foi capacitado a participar na mais alta Sabedoria, sempre como uma imagem de Deus agindo na Sabedoria, e na Sabedoria levando a cabo a vontade divina. Afastando-se do que é externo e múltiplo, a cada dia ele eleva sua inteligência de maneira mística através do conhecimento das coisas indizíveis até uma vida que seja realmente angélica. Tendo unificado sua vida o tanto quanto possível, ele se une aos poderes angélicos que se movem de uma maneira unificada ao redor de Deus, sendo sob sua direção, elevado ao Princípio e à Causa primais.





Uma vez que você uniu-se através da Sabedoria superior com os poderes angélicos e dessa forma uniu-se com Deus através do amor da Sabedoria, você entra em comunhão com todos os homens, já que você atingiu a semelhança de Deus. Através do poder divino você separa aqueles que abandonaram seu apego ao que é externo e múltiplo, e como um imitador de Deus você os concentra em espírito, elevando-os, assim como você está elevado, a uma vida unificada através da sabedoria, do conhecimento espiritual e da iluminação dos mistérios divinos, até que eles venham a contemplar a glória da luz primordial única. Quando você os unifica com as essências e as ordens que circundam a Deus, você os induz – completamente irradiados pelo Espirito – para a própria a unidade de Deus.