sábado, 6 de junho de 2009

Gurdjieff - 7 de dezembro de 1941


Pergunta: Algo intolerável acontece no meu trabalho. A despeito dos meus esforços eu não posso lembrar de mim mesmo, ter uma qualidade melhor. É inútil fixar horas de trabalho no relógio. Não obtenho resultado. Por que?

Gurdjieff: Isso vem do seu egoismo. Egoismo particularmente grande no qual você tem vivido até agora. Você está enclausurado nele, você tem de sair dele. Para sair, você tem de aprender a trabalhar. Não apenas por você somente, mas para os outros. Você começou com trabalho relacionado aos seus pais. Você deve mudar sua tarefa. Assuma uma nova tarefa, a mesma com seus semelhantes, não importa quem, todos os seres; ou escolha dentre as pessoas à sua volta. Você deve trabalhar para si mesmo através da meta de estar apto a ajudá-los. Apenas isso irá lutar contra o egoismo. Vejo que vocês dois têm um passado muito ruim, um egoismo particular. Todo o material antigo vem à frente. É por isso que você não pode fazer nada. É normal; de acordo com a ordem, de acordo com a lei. Antes de atingir a meta, há muitas acensões e quedas. Isso deveria reassegurar você. Eu poderia reassegurar você completamente, mas é você quem deve trabalhar você mesmo.

P: Para sair deste estado de sofrimento tão vívido e tão negativo, posso fazer uso de algum meio exterior, tomar ópio, por exemplo?

G: Não, você deve trabalhar sobre si mesmo. Destrua o egoismo no qual você tem sempre vivido. Tente o que eu lhe digo. Mude sua tarefa. É necessário alcançar agora um novo estágio. Vocês dois estão a caminho da Gare de Lyon, mas vão por rotas diferentes, um vai por Londres e o outro pela Ópera. Vocês estão ambos à mesma distância.

P: Eu vejo minha impotência e minha covardia. Eu não posso dizer nada e fazer algo pelos outros. Pois minha cabeça não está clara. Sinto se uma coisa está correta ou não, mas não posso explicar claramente o porquê.

G: Você não pode dizer nem fazer nada pelos outros. Você não sabe o que você precisa para si mesmo, você não pode saber o que o outros precisam. Trabalhe com propósito por eles. Mas atue um papel. Esteja aparte internamente. Veja, externamente fale como a pessoa fala, para não machucá-la. Você deve adquirir a força para fazer isso. Atue um papel. Torne-se duplo. Para o presente momento trabalhe como capataz. Faça o que eu lhe digo, você não pode fazer mais que isso. Ame seu vizinho; Esse é o CAMINHO. Traga para todos aquilo que você sentia pelos seus pais.

P: No inicio do trabalho temos esse desejo.

G: Certamente, é a mesma coisa, sempre a mesma coisa que retorna num diferente grau. Agora é um outro grau. Você deve superar essa crise. Tudo vem do falso amor de si mesmo, da opinião que a pessoa tem de si mesma, que são mentiras.

P: Tudo virou de ponta cabeça em mim com o exercício, em todo meu trabalho. Tirou a alegria do trabalho, tornou-o doloroso, sem esperança, sinto-me como um asno puxando um carrinho muito pesado numa subida.

G: É porque em você há outras partes que são tocadas. É como um pintor que sempre mistura as mesmas cores e nunca há nenhum vermelho. Quando ele coloca vermelho na mistura, isso muda tudo. Você deve continuar.

P: Esse exercício me fez sentir algo que é novo para mim; quando tento fazê-lo e colocar minha atenção nesse pequeno ponto fixo e vejo que não posso segurar-me na frente dele, tenho uma sensação da minha nulidade e pareço entender melhor a humildade. Esse pontinho é maior que eu.

G: Porque você tem um cão em você mesmo que o impede em todas as coisas. Ele é chamado insolência perante você mesmo. Você deve destruir esse cão. Mais para frente você vai sentir-se mestre nesse ponto, sentir que você é mais forte que esse cão e que ele é nada. Não tenho confiança nesses tipos artísticos que vivem na imaginação, têm idéias atrás de sua cabeça, não dentro, que pensam que sentem e experimentam, mas na realidade estão apenas interessados em coisas externas. Vivem apenas na superfície, de fora, não dentro, não em si mesmos. Os artistas não sabem nada da realidade e imaginam que eles sabem. Não confie em você mesmo. Entre em você mesmo, em todas as partes de você mesmo. É absolutamente necessário aprender a sentir e a pensar ao mesmo tempo em todas as coisas que você faz na vida diária. Você é uma pessoa vazia.

P: Como deveríamos rezar?

G: Irei explicar, mas é para depois. Em nosso sistema solar certa substância emana do sol e dos planetas, da mesma forma que aquelas emanadas pela Terra, fazendo contato em certos pontos no sistema solar. E esses pontos podem refletir a si mesmos em imagens materializadas, as quais são as imagens invertidas do Todo-elevado – o Absoluto. Digo-lhe que sempre existe uma imagem materializada em sua atmosfera. Se as pessoas pudessem ter concentração o bastante para entrar em contato com essa imagem, elas receberiam essa substância; portanto, ao recebê-la, estabeleceriam uma linha telepática como o telefone.

P: Essas imagens se materializam na forma humana?

G: Sim.

P: Se alguém se colocar em contato com essa imagem e uma segunda pessoa puder colocar-se em contato com ela e uma terceira pessoa e uma quarta, poderão todas elas receber essa imagem?

G: Se sete pessoas puderem concentrar-se o bastante para colocarem-se em contato com essa imagem, elas poderiam se comunicar, a qualquer distância, pela linha entre e elas e as sete formam um. Elas podem ajudar-se umas às outras. Diga-se de passagem, é apenas ao explicar algo aos outros que entendemos e assimilamos nós mesmos completamente.

P: Gostaria de saber se ao materializar a imagem de um santo, isso irá me dar o que eu particularmente desejo?

G: Você pensa como uma pessoa ordinária. Você não tem meios de materializar nada agora. Para o momento assuma a tarefa de auto-sugestão, para que uma parte de você convença a outra e repita, repita para ela o que você decidiu (a meta de despertar). Há uma série de sete exercícios para o desenvolvimento sucessivo dos sete centros. Nós citamos o primeiro, o cérebro, aquele que conta na vida ordinária (a cabeça é uma luxúria). O outro, o emocional também; mas o único que é necessário é a medula espinhal, aquele que você tem que desenvolver e fortalecer primeiro. Esse exercício irá fortalecê-lo: segure os dois braços horizontalmente num ângulo exato, ao mesmo tempo olhando fixamente para um ponto diante de você. Divida sua atenção exatamente entre o ponto e os braços. Você descobrirá que não há nenhuma associação, nenhum lugar para elas, de tão ocupado que você estará com o ponto e a posição dos braços. Faça isso sentado, de pé, e então de joelhos. Vinte e cinco minutos em cada posição, várias vezes por dia – ou menos. Tive um aluno uma vez que podia ficar duas horas sem mexer os braços nem um centímetro. Para outras coisas ele era uma nulidade.

P: Quando quero fazer tais esforços para o trabalho, uma dura barreira se forma no meu peito, impossível de superar. O que eu deveria fazer?

G: Isso não é nada. Você não está habituado a usar esse centro – é um músculo que contrai – é apenas muscular. Continue, continue.

P: Tenho feito esse exercício até ficar com os ombros ardendo. Ao fazê-lo, eu tive a sensação de “Eu”. Senti a mim mesmo realmente separado, realmente “Eu”.

G: Você não pode ter “Eu”. O “Eu” é uma coisa muito cara. Você é barato. Não filosofe, isso não me interessa, e não fale de “Eu”. Faça o exercício como um serviço, como uma obrigação, não por resultados (como o “Eu”). Os resultados virão mais tarde. Hoje é apenas serviço. Apenas isso é real.

P: Sinto-me mais dentro de mim mesmo, mas como se estivesse diante de uma porta fechada.

G: Não é uma porta mas sim muitas portas. Você deve abrir cada porta, aprenda a abrir.

P: Tenho trabalhado especialmente sobre o amor-próprio.

G: Sem amor-próprio um homem não pode fazer nada. Existem duas qualidades de amor-próprio. Uma é uma coisa suja. A outra, um impulso, amor do “eu” real. Sem isso, é impossível mover-se. Um ditado Hindu antigo diz: "Feliz é aquele que ama a si mesmo, pois ele pode amar a Mim”.
Vejo pelo relatório de Madame de Salzman que ninguém me entendeu. Você precisa de fogo. Sem fogo, nunca haverá nada. Esse fogo é o sofrimento, sofrimento voluntário, sem o qual é impossível criar algo. É preciso preparar-se, você deve saber o que irá fazê-lo sofrer e quando isso estiver lá, faça uso disso. Apenas você pode preparar, apenas você sabe o que o faz sofrer, que faz o fogo que cozinha, que cimenta, que cristaliza, que FAZ. Sofra pelos seus defeitos, pelo seu orgulho, pelo seu egoísmo. Lembre a si mesmo da meta. Sem sofrimento preparado não há nada, pois quanto mais se é consciente, não há mais sofrimento. Não há progresso adiante, nada. É por isso que com sua consciência você deve preparar o que é necessário.

Você deve à natureza. A comida que você come, que nutre a sua vida. Você deve pagar por essas substâncias cósmicas. Você tem um débito, uma obrigação, tem que repagar com trabalho consciente. Não coma como um animal, mas renda à natureza pelo que ela tem dado a você, a natureza, sua mãe. Trabalhe – uma gota, uma gota, uma gota – acumuladas durante dias, meses, anos, séculos, talvez darão resultados.

P: Cheguei num ponto onde estou muito infeliz, tudo é desgostoso para mim, de desinteresse.

G: E esse lenço arrumado desse jeito no seu bolso? Isso lhe interessa. Bem, a natureza deseja bem a você, estou contente. Ela traz você para o trabalho real ao fazer todo o reto desgostoso – é um certo cruzamento que você tem que atravessar. Quanto mais você trabalhar, mais você irá sair deste desconforto, desse vazio, dessa carência.

P: Até o trabalho está desgostoso para mim.

G: Então você deve mudar a maneira de trabalhar. Em vez de acumular durante uma hora, você deve tentar manter constantemente a sensação orgânica do seu corpo. Sinta seu corpo novamente, continuamente sem interromper suas ocupações ordinárias – para manter um pouco de energia, para tomar o hábito. Pensei que esse exercício permitiria você manter a energia um tempo maior, mas vejo que não funcionou assim. Molhe um lenço, amarre-o, coloque na sua pele. O contato irá lembrar você. Quando ele secar, comece novamente. A CHAVE PARA TODAS AS COISAS – permanecer aparte. Nossa meta é ter uma sensação constante de nós mesmos, de nossa individualidade. Essa sensação não pode ser expressada intelectualmente, porque é inorgânica. É algo que torna-o independente quando você está com outras pessoas.

3 comentários:

vrs1943 disse...

Os textos de Gurdjieff sempre me "expande" onde arrumo mais conteúdo em português dele???

Ricardo Melito disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ricardo Melito disse...

Existe em português a obra mais importante dele que se chama: 'relatos de Belzebu a seu neto', um livro realmente extraordinário. Além dele existe o: 'Gurdjieff fala a seus alunos', que também vale muito a pena; e o 'encontro com homens notáveis' e 'a vida só é real quando 'eu sou', que são a segunda e a terceira parte da série, de tudo e de todas as coisas, e que segundo Gurdjieff deveriam ser lidos depois da leitura do relatos de Belzebu( que é o primeiro da série).